Exclusivo Una cosa sagrada
Crepúsculo e Veneza para mim são duas palavras quase sinónimas Jorge Luis Borges, Atlas
É um homem em crise que chega a Veneza no Outono de 1948. À beira dos cinquenta anos, Ernest Hemingway não publicava nada há quase uma década, lutando corpo a corpo com um manuscrito estilhaçado de mais de 900 páginas, livro gigantesco, interminável. Não era feliz no casamento com Mary Welsh, sua quarta mulher, que conhecera em Londres em 1944, quando ambos cobriam a II Guerra.
Ao sair de Cuba rumo à Europa, transportando consigo mais de trinta malas, o casal Hemingway não tinha sequer a intenção de visitar Veneza. Ele estivera por perto há muito tempo, mas não chegara a conhecer a cidade: em Julho de 1918, poucos dias após entrar em combate, o jovem aspirante a herói, com apenas 18 anos, foi ferido com gravidade nas margens do Piave e imediatamente evacuado para Milão. Mary também nunca fora a Veneza e, ao fim de quatro anos de casamento com "Papa", sentia falta da vida social de Londres e Paris. O corrupio de gente e as almoçaradas infindáveis na Finca Vigía, as farras constantes e as bebedeiras de rum nos bares de Havana, as pescarias no iate Pilar e as tardes de tiro aos pombos no Club de Cazadores, nada conseguia apagar a memória da Europa sofisticada e das amizades intelectuais que por lá deixara. Além disso, com 37 anos, Mary ansiava ter um filho. Ernest, a entrar na idade madura, já pai de três rapazes, não era entusiasta da ideia.