Porque caem as monarquias? (E como sobrevivem no séc. XXI)
A 1 de junho de 2001, durante um jantar da família real nepalesa, o príncipe herdeiro Dipendra matou os pais - o rei Birendra e a rainha Aishwarya -, e os irmãos antes de disparar um tiro na cabeça, por razões que nunca ficaram explicadas. Viria a morrer três dias depois, não recuperando do coma, já depois de ter sido coroado rei. O massacre foi o princípio do fim da monarquia no Nepal, que seria abolida oficialmente em 2008, dando lugar a uma república. Foi a última monarquia a desaparecer no mundo. Mas, nos últimos dias, os escândalos em torno do rei emérito Juan Carlos e a sua saída de Espanha reacenderam o debate sobre o futuro da monarquia no país vizinho.
Antes da Primeira Guerra Mundial, havia 22 monarquias na Europa (e apenas quatro repúblicas, entre elas a portuguesa), mas as duas guerras que dizimaram o continente alteraram tudo. "Foram a grande machadada nas monarquias. Foi isso que acabou com os grandes impérios", lembra ao DN o ex-embaixador José de Bouza Serrano, que além de ter feito toda a sua carreira externa em países com monarquias (começando em Espanha e acabando nos Países Baixos) é o autor do livro As Famílias Reais dos Nossos Dias (Esfera dos Livros, 2018).
Hoje, apenas 12 monarquias resistem na Europa, sendo que só dez são hereditárias (Andorra e Vaticano ficam de fora desta lista). E na grande maioria dos casos o poder do soberano é muito limitado - a exceção é o Liechtenstein, onde o príncipe tem o poder de veto das leis e de nomear e demitir membros do governo, mas pode ser derrubado a qualquer momento num referendo popular. "Na realidade, todos os monarcas são referendados todos os dias", defende o ex-embaixador, falando de uma evolução para garantir a continuação do sistema. "Mantêm acesa toda a disciplina que aprenderam e são um elo de uma cadeia muito longa e esperam que ela se projete para a frente", acrescenta.
Se no Nepal o massacre acabou por ser o princípio do fim da monarquia, na Grécia foi o facto de o rei Constantino II (irmão de Sofía, mulher de Juan Carlos) ter ficado do lado dos coronéis que a 21 de abril de 1967 fizeram um golpe de Estado para derrubar o governo. O monarca ainda tentou um contragolpe em dezembro desse ano, mas acabaria por fugir para o exílio depois de este ter falhado. Em 1974, um referendo após a queda da junta militar ditou o estabelecimento da Terceira República Helénica - a monarquia já tinha sido abolida entre 1822 e 1832 e de 1924 até 1935.
Um ano antes do referendo na Grécia, tinha sido um golpe a derrubar o último rei do Afeganistão, Mohammed Zahir Shah. Quando estava de férias em Itália, o primo e ex-primeiro-ministro Mohammed Daoud Khan estabeleceu a república em 1973, tendo sido presidente até ser assassinado em 1978 pelos comunistas.
Também foram os comunistas que acabaram com o reino do Laos em 1975, após 15 anos de guerra civil. O rei Sisavang Vatthana foi obrigado a abdicar, pondo fim à dinastia de 600 anos.
Igualmente em 1973, mas na Etiópia, acabava o longo reinado de Haile Selassie (estava no poder desde 1930 e já era regente desde 1916). A revolução militar foi desencadeada pelo descontentamento com a crise económica. O imperador seria assassinado em 1975.
Outra revolução derrubou o último xá da Pérsia, a 11 de fevereiro de 1979. Mohammad Reza Pahlavi, que reinava no Irão desde 1941, tinha perdido o apoio dos clérigos e da população devido à corrupção. As doenças também mantinham-no afastado das decisões, abrindo a porta para a revolução islâmica.
O último monarca da Bulgária é um dos poucos a ter depois um papel político na república. Simeão II subiu ao trono com apenas seis anos em 1943 após a morte do pai e foi oficialmente destituído após o referendo de 1946, partindo para o exílio. Regressaria em 1996, já depois da queda do regime comunista, e em 2001 o seu partido venceu as eleições, tornando-se primeiro-ministro até 2005.
Atualmente, há 44 países no mundo que têm um monarca como chefe de Estado, sendo que Isabel II é rainha em 15 reinos da Commonwealth, além do Reino Unido - ao longo do seu reinado, a monarca já foi soberana de 32, com o fim do império britânico e a conquista da independência de alguns países, que acabaram por se tornar repúblicas. Este é um debate que existe há anos por exemplo na Austrália: em 1999, os australianos rejeitaram em referendo tornar-se numa república. Em todos eles, o papel de Isabel II é principalmente cerimonial, tendo a rainha poderes limitados.
A Europa tem uma única monarquia absoluta (o Vaticano), sendo as restantes que ainda existem no mundo a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos (é uma federação de monarquias absolutas), o Brunei, o Eswatini (antiga Suazilândia) e Omã. "Os poderes de todos os monarcas europeus estão muito reduzidos", lembra Bouza Serrano, apontando a Suécia como um exemplo do que têm vindo a fazer para se manterem no trono no século XXI. "O rei é um homem esperto, antecipou-se e agora a maior parte dos netos são família do rei e não família real", explicou.
Uma medida que tem vindo a ser tomada em vários reinos, para evitar que a fatura paga pelos contribuintes se torne num problema. "Se bem que as famílias reais de uma maneira geral têm todas fortuna, recebem também uma assignação do Estado, comem à mesma do orçamento, e todos os cidadãos pagam impostos. Daí que tenham muito cuidado com os gastos que fazem", diz o ex-embaixador.
Outra fórmula de adaptação aos novos tempos foi a abertura aos casamentos fora do sangue real, o que tem vindo a acontecer com a nova geração - ou até na anterior, com o é o caso da rainha Sónia na Noruega (Harald ameaçou não casar com ninguém e deixar o trono sem herdeiro se não pudesse casar-se com a ex-costureira) ou a rainha Sílvia na Suécia.
Outra medida foi a alteração das leis de sucessão, estabelecendo a regra da primogenitura, acabando-se com a preferência pelos filhos do sexo masculino. "As monarquias têm que estar coordenadas com a evolução socioeconómica e cultural dos seus países e dos seus súbditos e havendo igualdade de género, tiveram de se adaptar, optando pela lei da progenitura", refere Bouza Serrano, lembrando contudo que houve casos em que a lei foi mudada com retroativos - o caso da Suécia, o primeiro país a adotar a medida em 1980 - e outros em que não, como no da Noruega (Marta Luísa é mais velha do que Haakon, mas ele continuou a ser o herdeiro).
O Reino Unido foi dos últimos a alterar a lei, em 2013 (entrou em vigor em 2015), o que faz com que Charlotte, a segunda filha dos duques de Cambridge, não tenha caído na ordem de sucessão após o nascimento do irmão mais novo, Louis. Em Espanha, falou-se do tema, mas o procedimento de alteração obriga à destituição do Parlamento e a novas eleições e não chegou a ser aplicado, uma vez que Felipe VI e Letizia tiveram duas filhas: Leonor (a mais velha e herdeira) e Sofia.
No Japão, a família real perdeu o carácter divino após a II Guerra Mundial, mas a popularidade do imperador Hirohito fez com que continuasse no trono após a queda do império até à sua morte em 1989. O seu sucessor, Akihito esteve no trono até maio de 2019, quando abdicou a favor do filho Naruhito - abdicar tornou-se outro método usado pelas famílias reais europeias para uma maior modernização da monarquia ou evitar que escândalos pessoais manchassem a instituição.
Mas o facto de Naruhito não ter filhos do sexo masculino está a gerar problemas, com a linha de sucessão a seguir para o irmão, que após duas filhas teve finalmente um filho em 2006 - levando o governo a desistir de alterar a lei para permitir que as mulheres herdassem o trono de Crisântemo. É sobre a criança de 13 anos que recai o futuro da família real.