Cada vez há menos crianças adotadas e quem sai do sistema é por ter atingido a maioridade

Menos de 200 adoções em 2020, um terço das que tinham condições para ser encaminhadas para uma família. Dos 2359 jovens que deixaram o sistema 44,7 % tinham mais de 18 anos. Muitos estão há mais de seis anos nos lares.
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O número de adoções atingiu em 2020 o valor mais baixo dos últimos anos. Apenas 182 crianças receberam uma nova família, segundo a Segurança Social. E entre os 2359 que deixaram o sistema de acolhimento, 44,7% são jovens com mais de 18 anos, a idade limite para esta proteção legal desde que o jovem não o peça. Segue-se o grupo dos 15 aos 17 (22,8%), o que significa que passam muitos anos em instituições sem que se encontre alternativa. Em média, os jovens permanecem três e quatro anos, mas 18,5% (437) estão sete ou mais anos nas instituições.

Deixaram o sistema de acolhimento 2359 pessoas, o que representam um decréscimo de 4,7% em relação a 2019. Também entraram menos 476 (19,1%), terminando o ano 6706 utentes a cargo do Estado, segundo o Relatório CASA 2020 (Caracterização Anual da Situação de Acolhimento das Crianças e Jovens), do Instituto de Segurança Social. Regista, também, que 14% das entradas foram influenciadas pela pandemia.

Desde 2015 que há menos crianças em instituições, uma diminuição que coincide com as alterações à Lei da Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, que criou o Conselho Nacional de Adoção (CNA). A nova legislação tinha como objetivo, entre outros, o agilizar do processo de adoção, o que não aconteceu, mesmo com o novo Regime Jurídico do Processo de Adoção. Este diz pretender "garantir a uniformização dos critérios e procedimentos em matéria de adoção, a nível nacional, e a colegialidade das decisões de encaminhamento das crianças em situação de adotabilidade, na concretização do seu direito a viver em família, ao bem-estar e ao pleno desenvolvimento global".

Além de serem poucas as crianças com condições para serem adotadas, os processos judiciais que chegam ao fim representam um terço. Em 2020, havia 537 crianças com projetos de vida de adoção e apenas 182 foram adotadas.

Segundo o CASA, a nível da adoção houve uma ligeira subida em 2019 (216) comparativamente a 2018 (196) mas, em 2020, baixaram a valores nunca vistos em Portugal. Em contrapartida, há sempre muitos candidatos, 1743 em 2019.

Os dados do Ministério da Justiça - processos judiciais findos nos tribunais de primeira instância - são ligeiramente diferentes, mas revelam a mesma tendência de diminuição (ver gráfico). Desde 2008, ano em que foram adotadas 591 crianças, que há cada vez menos adoções.

O CNA tem vindo a destacar esse decréscimo e puxa as orelhas aos serviços sociais. Considerando que é preciso "melhorar a eficácia do processo de encaminhamento das crianças em situação de adotabilidade". No relatório de 2018 pede que "seja reforçada junto dos serviços de adoção a necessidade de agilizar os procedimentos das equipas técnicas e concretizar os processos em tempo útil".

Recomenda igualmente que seja dada especial atenção ao cumprimento dos prazos no caso das crianças até um ano e que têm o consentimento das famílias para a adoção. Aconselha que sejam "criados canais céleres de comunicação interserviços de modo a iniciar antecipadamente as diligências relativamente à caracterização das crianças e da família". Verificados todos os requisitos, pede que as equipas lhe apresentem as propostas de encaminhamento "com carácter de urgência".

Recomendações que não tiveram efeito pois um ano depois o CNA alerta: "Apesar de o instituto da adoção em Portugal ter sofrido ao longo dos anos diversas revisões, e se pretender que a adoção seja célere, continua a observar-se que a definição do projeto de vida das crianças com processo de promoção e proteção nem sempre ocorre, em tempo útil, no superior interesse da(s) criança(s)."

Sublinha que "o excessivo prolongamento do tempo para a aplicação de uma medida de adotabilidade tem repercussões na efetiva possibilidade de concretização do respetivo projeto". Critica o sistema português que assenta "quase exclusivamente no acolhimento residencial com as consequências nefastas que tal acarreta quer para o desenvolvimento da criança quer para a possibilidade de vinculação a uma nova família".

Gonçalo Melo Breyner foi procurador no Tribunal de Família e Menores de Cascais durante 18 anos e acaba de transitar para o Tribunal da Relação de Lisboa, como procurador-geral. Concorda que a definição tardia de um projeto de vida é a causa principal de haver tão poucas adoções no país, com prejuízo para a criança. "Sempre tive a perceção de que a intervenção do Estado é tardia. Em vez de intervir junto de um agregado familiar logo que há indicações de que a criança precisa de proteção e tem 3 ou 4 anos, reage tarde e essa intervenção só se faz quando tem 6 ou mais anos. Por outro lado, os adotantes desejam crianças bebés, o que não existe."

Defende que o Estado devia apostar nos técnicos das comissões de proteção e da Segurança Social, tanto em número como em formação e garantias de segurança no seu trabalho. "O facto de a criança entrar numa instituição é suficientemente grave para dar início à definição de um projeto de vida, o que não acontece. Passam-se três e mais anos, começam as indefinições - entregar ou não à família - e o processo arrasta-se. Além de que os técnicos têm medo de encaminhar uma criança para a adoção, não se sentem resguardados pelas entidades em que trabalham", argumenta Gonçalo Melo Breyner.

A grande maioria das 2359 crianças e jovens que saíram estavam integradas em lares de infância e juventude (54,6%) e em centros de acolhimento temporário (28,1%). O sexo masculino prevaleceu no número de saídas, sendo que também estão em maior número nos que permanecem nas instituições.

A nível da escolaridade, "as crianças e jovens que cessaram o acolhimento evidenciam níveis de escolaridade abaixo do que seria expectável para a sua faixa etária", refere o relatório.

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