Draghi no "quarto escuro" promete à banca mais dinheiro barato em setembro
"Estamos num quarto escuro, disse às tantas Mario Draghi, na conferência de imprensa sobre política monetária que decorreu ontem em Frankfurt, ao comentar as dificuldades do Banco Central Europeu (BCE) perante uma economia europeia que volta a perder gás.
No encontro, Draghi revelou que a economia da zona euro deve crescer apenas 1,1% em 2019, na maior revisão em baixa alguma vez realizada num arranque de ano (face à projeção anterior, de dezembro) desde que o banqueiro italiano lidera o BCE. O corte no outlook é "substancial", concordou.
São menos 0,6 pontos percentuais no ritmo de crescimento da área da moeda única e o valor vem confirmar o que outras entidades já anteviam: a zona euro viverá neste ano o seu pior momento económico desde a última crise (2012-2013).
Veio confirmar também que a situação é cada vez mais delicada e pode facilmente complicar-se. "Os riscos pendem para o lado negativo" e as incertezas "persistem", avisou Draghi.
Da reunião dos governadores do BCE saíram duas medidas ou sinais. "Espera-se" que as taxas de juro diretoras, que estão em mínimos de sempre, "se mantenham nos níveis atuais, pelo menos, até ao final de 2019 e, em qualquer caso, enquanto for necessário para assegurar a continuação da convergência sustentada da inflação" para os desejados 2% ou próximos no médio prazo.
E até podia ter sido mais: "Vários membros do conselho de governadores propuseram estender este calendário" (forward guidance) "até março do ano que vem". Dezembro deste ano acabou por ser mais consensual como limite para as taxas de juro mínimas atuais, pelo menos para já.
Ou seja, Draghi abandona a presidência do BCE no final de outubro, portanto vai terminar o seu mandato sem nunca ter subido taxas de juro.
Além disso, reforçou a ideia de que Frankfurt estará sempre do lado dos bancos para que estes passem financiamento às empresas e anunciou mais uma ronda (uma nova linha) de dinheiro muito barato, uma vez que o quantitative easing, o enorme programa de compra de ativos (sobretudo dívida pública), já terminou.
"Será lançada uma nova série de operações de refinanciamento de prazo alargado direcionadas trimestrais (ORPA direcionadas III ou TLTRO III, na sigla em inglês), que terá início em setembro de 2019 e terminará em março de 2021, tendo cada operação um prazo de dois anos. As novas operações ajudarão a preservar condições de financiamento bancário favoráveis e a transmissão regular da política monetária", declarou Draghi.
"Num quarto escuro, temos de nos mover com passos pequenos. Não correremos, mas movemo-nos", ilustrou. Este pequeno passo vai permitir dar mais oxigénio à banca na reta final deste ano. Os TLTRO "são operações que permitem aos bancos pedir emprestado ao BCE em condições mais favoráveis do que as que existem no mercado, se não houvesse esses subsídios [do BCE) ninguém aceitaria aderir aos TLTRO", observou.
Para se ter uma noção da importância deste tipo de programa de empréstimo aos bancos, o Banco de Portugal (BdP) informa que em apenas uma operação, a última da segunda série dos TLTRO, realizada em março de 2017, "o montante total obtido pelas contrapartes [os bancos comerciais] foi de 233 mil milhões de euros na área do euro e de 3,6 mil milhões de euros em Portugal".
Antes disso, "no total das oito operações da primeira série de TLTRO, o montante colocado na área do euro foi de 432 mil milhões de euros; em Portugal, foram alocados a estas operações 12 mil milhões de euros".
Entretanto, os bancos foram pagando ao BCE. No final de 2017, os bancos sediados em Portugal deviam "mil milhões de euros" ao abrigo deste instrumento, confirmou o Banco de Portugal.
Em setembro de 2019 virá então a terceira rodada de TLTRO, mesmo a tempo de ajudar a pagar o que ainda falta dos programas anteriores e outras dívidas não mencionadas.
A ajudar também (e muito) continua o QE, o programa gigante de compra de ativos. Só em dívida pública portuguesa, o BCE comprou nos mercados secundários 37,7 mil milhões de euros (que conserva no seu balanço), o que foi decisivo para fazer baixar as taxas de juro da República até mínimos históricos.
Ontem, esses patamares foram novamente furados (mínimo de sempre nas OT a dez anos, de 1,3%) com a promessa, da parte de Frankfurt, de juros zero e negativos até final deste ano; e de que as obrigações do Tesouro portuguesas (e as dos outros países, claro) ficarão no balanço do BCE até que as suas taxas de juro oficiais comecem a subir. Ou mais tarde, até, relembrou ontem Draghi.
Ou seja, o BCE só vai despejar essa quantidade enorme de títulos soberanos daqui a bastante tempo, tendo em conta que as condições da economia do euro estão cada vez mais tremidas. Isso ajudará os governos e os contribuintes a não terem de arcar já com um fardo adicional em juros.
Se Frankfurt se livrasse das obrigações, Portugal, que tem uma fatura anual de juros superior a oito mil milhões de euros, teria, certamente, muita dificuldade em reduzir o défice público.