Europa prepara novas regras para dívida e défice
"A Europa dos 3% para o défice e dos 60% para a dívida não é sustentável, obrigar os países a reduzir a dívida além da sua capacidade de gerar riqueza, é absurdo. As regras do défice e da dívida tornaram-se objetivos e não instrumentos. Já se percebeu que as regras tal como existem não funcionam". A certeza de Margarida Marques, eurodeputada, antiga secretária de Estados dos Assuntos Europeus e ex-chefe da representação da Comissão Europeia em Portugal, assenta na ideia de que "estas regras não tiveram a capacidade de se adaptar à evolução da própria situação económica e orçamental e limitaram significativamente o crescimento económico na União Europeia".
A consequência, afirma, foi óbvia: "Obrigou os países a seguir políticas de austeridade que já se percebeu que não funcionam. Na altura, poucos achavam que não funcionavam, hoje em dia já todos perceberam que não funcionam".
A revisão das regras de governação económica é urgente até porque "o nível de cumprimento é baixíssimo. Entre a falta de capacidade orçamental e a falta de vontade política, o que é facto é que, por exemplo, 85% das recomendações [da Comissão Europeia] por país não eram respeitadas. A Comissão já percebeu que é necessário rever as regras".
"Não podemos dizer aos países que têm de reduzir a dívida a cada ano, não há condições para fazer isso e hoje em dia muito menos. Se só pedirmos aos países dívida sustentável, bloqueamos o investimento", argumenta Margarida Marques.
A solução pode passar, é essa a proposta, por "encontrar uma forma de os países conseguirem fazer redução da dívida, mas que seja adequada à própria situação do país. Ou seja, que esteja ligada ao crescimento económico do país".
Na prática, é permitir que haja "um percurso por país, que haja um acordo entre a Comissão Europeia e os Estados-membros, em que cada país faz o seu percurso até atingir os valores da dívida que vierem a ser fixados".
"Fundamental", para a eurodeputada que foi a relatora da proposta do Parlamento Europeu aprovada por "uma larguíssima maioria", é que "todas as regras de governação económica se façam no quadro comunitário" e não como na crise de 2011 em que "algumas das instituições criadas" eram de "natureza intergovernamental". A explicação é simples: "é mais democrático do que na base intergovernamental, até porque não há controlo por parte do Parlamento.
E depois há a "necessidade" de "conjugar conjuntamente a política orçamental e a política monetária" que obteve resultados "durante a crise da covid, que foi pôr a funcionar conjuntamente a política orçamental, no âmbito comunitário, e a política monetária no âmbito do BCE".
O que falta agora são as "propostas" da Comissão Europeia que deveriam ser apresentadas "a seguir ao Verão" de forma a que "quando chegarmos à primavera no próximo ano, quando saírem as previsões, a Comissão Europeia possa apontar aos Estados-membros as orientações políticas para a elaboração dos orçamentos do ano seguinte. Na próxima primavera os Estados-membros têm de saber como vão preparar os respetivos orçamentos para 2024".
Como a "cláusula de escape" estará ativada em 2023 e "deverá ser desativada em 2024, e apesar disso a Europa tem funcionado e não se tem desmoronado, é preciso perceber no dia 1 de janeiro de 2024, se a cláusula for desativada, se é para aplicar as regras antigas ou se há uma transição. O que propomos é que haja uma transição, que se faça por país, mas que essa transição seja assente nos objetivos das novas regras. Ou seja, mesmo que ainda não tenhamos as novas regras ativadas, pelo menos já temos orientação política para as novas regras. O que não faz sentido é que, se a cláusula for desativada no dia 1 de janeiro de 2024, toda a gente tenha os 3/60, isso não faz qualquer sentido . O que posso dizer é que as conversas com a Comissão têm corrido bastante bem".
Sem uma regra comum fixa de 3% para o défice e dos 60% para a dívida será necessário criar "uma grelha" que reflita as "diferentes economias", mas como não envolve só a Comissão Europeia e o Parlamento Europeu há que "olhar para as posições dos Estados-membros".
E é aqui que tudo se vai decidir porque "há Estados que dia 1 de janeiro de 2024 vão querer regras puras e duras, tudo igual para todos e há outros que percebem que há diferenças". O que pode ser uma "bela ideia para Portugal, Espanha, Itália e outros" pode não agradar à Alemanha que "está numa situação muito complicada".
"O que posso dizer", destaca Margarida Marques, "é que a Alemanha ainda não deu nenhum passo para mostrar abertura, mas, apesar de tudo, da parte [do chanceler] Olaf Scholz há mais abertura do que por parte do ministro das Finanças. Pode existir 3/60, isso não é um fantasma. Preferia que o número pudesse passar, por exemplo, de 60 para 90, mas preocupa-me mais o ritmo do que o número que lá está. Essa é que é a questão fundamental".
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