20 anos do Zoo de Lagos. O sonho de criança de Paulo
Em criança, Paulo Figueiras demorava-se no caminho entre a escola e a casa da família em Lagos, distrito de Faro, para passar pelos quintais onde sabia que havia animais. Na sua casa, não podia ter nenhum, porque a mãe lhe dizia que sujavam muito. Mas nem por isso o conseguiu manter afastado da sua maior paixão e vocação. À medida que ia crescendo, também a distância que percorreu para ver as diferentes espécies se tornou maior. Observou, estudou e, há 20 anos, concretizou o seu sonho: abriu um jardim zoológico, em Barão de São João, a 16 quilómetros da cidade algarvia de Lagos.
Quem o vê chegar ao zoo, à hora de abertura (10.00), de calções, T-shirt e chinelos, percebe que Paulo Figueiras - hoje com 56 anos - está em casa. Literalmente. Porque a sua casa fica por cima da bilheteira do parque que criou. Acorda com os sons que vêm da pequena floresta e, na maioria dos dias, pelas 08.00 já por aqui anda a ver se está tudo bem com os cerca de 1500 animais.
"Quero viver aqui descansado. Isto não é só um negócio. Se fosse, se calhar devia ter pensado melhor na localização geográfica. Se calhar o parque tinha de ser em Albufeira, onde há mais turistas. Mas eu sou daqui. Não quero um parque de massas, quero que possamos sustentar-nos e que continuemos a crescer, mas à nossa medida", diz. Por ano, passam pelo Zoo de Lagos cerca de 70 mil visitantes.
A lógica do parque é ser o mais natural possível. Sempre que permitido não foram construídas barreiras entre os animais e as pessoas. Os caminhos são de terra batida, ladeados por plantas, cujos nomes nunca falham a Paulo. Tudo construído em redor da joia da coroa: uma ilha de primatas, que contém uma das maiores coleções do mundo de macacos capuchinhos, 33 no total. São animais com um grau de inteligência superior. "Se mandar para lá um coco, eles sabem que não é para comer com casca. Sabem que têm de o partir com uma pedra ou na madeira antes de comer", explica Agostinho Costa, responsável pelos tratadores do zoo.
Os capuchinhos saltam de corda em corda e brincam uns com os outros no terreno delimitado apenas pela água, onde se passeiam os pelicanos, que de vez em quando também se chegam até às pessoas. Especialmente quando chega a hora da refeição. Apesar de os animais conhecerem o seu espaço e o dos tratadores e visitantes. No total, o Zoo de Lagos tem três hectares e o terreno já pertencia à família de Paulo ainda antes de terem ido para África, de onde regressaram depois do 25 de Abril. O pai, militar de carreira, comprou-o por 30 contos ainda antes de partir da terra natal.
Já nas mãos de Paulo, turistas e grupos de escolas pediam-lhe para visitar a quinta com cães e cavalos, dando-lhe força para cumprir o seu "projeto de vida". Pelo meio ficam anos e anos de planeamento. Paulo estudou agropecuária em Tavira, depois viajou para conhecer os habitats dos animais, os diferentes tipos de jardins zoológicos espalhados pelo mundo, fez formações sobre bem-estar animal, participou em encontros, congressos sobre as mais diversas temáticas relacionadas com jardins zoológicos. E mesmo os seus destinos de férias denunciam a sua vocação: há três anos esteve no Brunei para ver orangotangos e há dois foi para a Patagónia por altura da reprodução dos pinguins.
"Eu já sabia o que queria, mas era preciso adquirir mais conhecimento", conta o proprietário do parque. "Não se acorda um dia para se fazer um Zoo. São anos e anos. É o tipo de projeto em que ninguém acredita. Não dá dinheiro. É um projeto que tem de amadurecer para as pessoas acreditarem", continua Paulo Figueiras.
Pensou, observou os animais e outros projetos semelhantes, foi ao banco pedir um empréstimo e abriu as portas do Zoo de Lagos no dia 16 de novembro de 2000. Desde então nunca tinha fechado - nem durante o Natal ou o Ano Novo -, mas a pandemia de covid-19 quebrou a rotina das visitas. Encerraram entre 17 de março e 3 de maio. Os quase 30 funcionários continuaram a trabalhar e a dar assistência aos animais, mas sem público. Também as comemorações dos 20 anos, que incluem um livro, atividades e um congresso internacional de aves, foram adiadas para 2021.
Nas últimas duas décadas multiplicaram os projetos, tornaram-se membros da Associação Ibérica de Zoos e Aquários e da Associação Europeia de Zoos e Aquários e as espécies do parque cresceram. Acolhem atualmente 150 espécies, cerca de 1500 animais com origens em cinco continentes. Têm aves (ema, faisão-temminck, cisne-coscoroba, por exemplo), mamíferos (cangurus, lince, lontras, saguim-comum, pigmeu e imperador, macaco-esquilo) répteis (tartaruga-de-orelha-vermelha, tartaruga-grega), peixes (carpa koi, peixe-gato-sugador) e anfíbios (salamandra-de-pintas-amarelas).
Os preferidos de Paulo são os primatas, especialmente os chimpanzés. O parque tem dois, há cerca de uma década: Lucas, resgatado das ruas de Tenerife, Espanha, onde posava para turistas, e Lulu que veio do circo. São os que recolhem mais exclamações dos visitantes. Estão num espaço verde, com água, uma instalação em madeira e um lugar interior. Se não lhes apetece nem se mostram, independentemente de quem os chame. A exceção é Agostinho Costa, o responsável pelos tratadores e o único que os consegue alimentar por causa do respeito que estes animais impõem. Havia outra pessoa que o fazia, mas Lulu mandou-lhe um safanão que o deixou dois meses de baixa médica.
"Como foram criados com pessoas, a Lulu até à mesa comia, às vezes, adoram-nas. Outras vezes não. Já tivemos de fazer várias alterações nesta instalação para chegar mais para trás o muro, porque eles às vezes até pedras mandavam", diz Agostinho, 50 anos, que está no parque há 14. Trabalhou durante muitos anos com pessoas numa grande empresa nacional, um dia despediu-se e virou-se para os animais, por quem, tal como Paulo, tem uma paixão.
O respeito de Agostinho por Lucas e Lulu é evidente. "Sonho muito com eles. Sonhos de medo e de respeito. Já sonhei que estava a comer piza com o Lucas frente a frente e frequentemente também sonho que deixei o cadeado da porta deles aberto. Não é fácil tratar destes animais, as pessoas têm medo." Ao tratador de Ponte de Lima atrai a inteligência dos dois chimpanzés. "Se eu der uma lata de refrigerante ao Lucas, ele sabe que tem de abrir para beber. E se eu lhe der um copo, ele sabe que tem de colocar a bebida no copo", explica Agostinho Costa.
O segredo é respeitar o espaço dos animais. E eles reconhecem essa atitude pela voz e pela farda. "Eles sabem muito bem quem é do parque e quem não é", diz o tratador. Quando entra na casa deles, Agostinho segue linhas invisíveis no chão e não se desvia. Entra e sai para lhes levar o comer. Só a limpeza é um pouco mais trabalhosa, mas tem também uma logística associada.
Agostinho abre a porta do espaço dos lémures-de-cauda-anelada e deixa passar Sílvia Almeida e o filho Andy. Vieram de Lisboa para passar uma semana de férias na costa vicentina e aproveitaram para vir ao zoo. À entrada pediram o bilhete para a família de quatro e compraram a experiência de alimentação dos lémures para a mãe e para o filho mais velho. Agostinho coloca-lhes nas mãos passas para darem aos animais. Seis ou sete rodeiam a família e aceitam as festas e a comida.
Andy está delirante. "São tão fofinhos", diz enquanto lhes afaga o pelo. A mãe repete-lhe o gesto e vai registando o momento com a câmara que traz ao peito. "O rapaz dá-se mesmo bem com eles", comenta Agostinho e dá-lhe mais passas para distribuir.
As experiências de alimentação dos animais permitem ao parque juntar mais algum dinheiro e conscientizar os visitantes para o trabalho que aqui se desenvolve. A educação é um dos pilares basilares do projeto de Paulo Figueiras. Recebem milhares de crianças e jovens por ano desde o pré-escolar à universidade em visitas de estudo. No caso das universidades, estreitaram ainda mais as relações para dar oportunidade a alunos de fazerem ali investigação, tal como acontece com biólogos, antropólogos que encontram no Zoo de Lagos vários motivos de interesse.
O parque dedica-se ainda à proteção das espécies, recolhendo animais que não têm para onde ir ou que vivem em condições desadequadas, e à conservação de espécies em vias de extinção. Participam em mais de 50 programas de reprodução em cativeiro e financiam, por exemplo, ninhos artificiais para animais que os perderam por causa da desflorestação, desde a Índia à Indonésia ou à Tailândia.
"O nosso trabalho também é garantir que as espécies não desaparecem da natureza ou que possam voltar, mesmo quando desaparecem. A maior parte das pessoas que nos visitam ainda pensam que vamos buscar elefantes a África, mas, neste momento, o papel dos zoos é completamente diferente", diz o gerente e criador do Jardim Zoológico de Lagos. Para Paulo Figueiras, "os zoos só fazem sentido se for para educar o público e salvaguardar a vida de algumas espécies."