Como a Boeing está a travar a Ryanair - e já ameaça Portugal
É a maior companhia aérea de baixo custo da Europa, mas foi forçada a rever os planos de crescimento. No próximo inverno, a Ryanair vai cortar rotas e encerrar bases um pouco por todo o continente. Em Portugal, a companhia liderada por Michael O'Leary tem três infraestruturas deste tipo: em Lisboa, Porto e Faro. Mas, diz, o Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC) esta última deixará de funcionar já em 2020. Estão em causa 100 postos de trabalho.
Ainda que não confirme o fecho em Portugal, a Ryanair já tinha admitido que teria de rever o crescimento. É que ao Brexit e às condições económicas juntou-se a crise na Boeing que, depois de ter visto cair dois aviões na Indonésia e Etiópia - que mataram 346 pessoas -, está impossibilitada de entregar as encomendas aos seus clientes. Só a Ryanair tem uma reserva de 210 aviões 373 MAX-200 (135 de uma encomenda firme de 75 de opção) que deveriam ter começado a chegar no final de junho desde ano, mas que não se esperam para tão cedo.
"Lamentamos o atraso na entrega dos nossos primeiros cinco Boeing 737 Max, que eram esperados para a primavera de 2019. A impossibilidade de o MAX voar, e a nossa expectativa de que não vamos receber o primeiro avião até janeiro ou fevereiro de 2020, significa que estamos a fazer os planos para o verão de 2020 com base na entrega de 30 novos aviões em vez do plano original que previa a chegada de 58 aeronaves", refere a Ryanair no seu relatório anual divulgado o mês passado.
"Isto vai abrandar o crescimento", acrescenta a companhia sem esconder que está a trabalhar "em criteriosos cortes de bases aéreas para o inverno de 2019 para acomodar a redução do número de aviões e reajuste dos horários no verão de 2020".
A empresa, inclusivamente, reviu em baixa o aumento do tráfego para 2021 de 10 para 5 milhões de passageiros para um total de 157 milhões de pessoas transportadas. Isto, partindo do princípio que haverá menos 30 mil voos disponíveis.
As novas estimativas obrigam a uma redução do número de funcionários. No final de julho, Michael O"Leary comunicou aos trabalhadores que a companhia aérea tem 500 pilotos e 400 tripulantes de cabine a mais para as novas necessidades. Além disso, e perante o novo desenho de rotas, O'Leary acrescentou que os reforços estimados para o verão não vão ser necessário. São outras 600 pessoas. Esta realidade contrasta com a vivida há um ano, altura em que a companhia admitiu um verão muito duro onde, entre outros factores, destacou a "falta de pessoal". A somar aos funcionários a menos, a Ryanair lamentada a onda de calor no Norte da Europa, "a distração" do Campeonato do Mundo na Rússia (para onde não voa) e os milhares de cancelamentos e atrasos que as greves de controladores de tráfego aéreo provocaram.
A 31 de março, a Ryanair contava com 5446 pilotos, 9095 tripulantes de cabine. Havia ainda 992 administrativos e técnicos de informática, 426 técnicos de manutenção e 704 pessoas nas operações de terra, como os responsáveis por bagagens e embarques. Dos quadros da empresa fazem ainda parte 177 elementos afectos à gestão.
A notícia do encerramento da base aérea da Ryanair em Faro apanhou o Algarve de surpresa. "A confirmar-se, é de facto uma má notícia para o País, para o Algarve e para o Turismo. Trata-se da companhia aérea a operar no Aeroporto de Faro com maior volume de passageiros, quase 30% do total", disse ao Dinheiro Vivo, Elidérico Viegas, presidente da Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve (AHETA).
Habituado a ter de lidar com o fim de rotas, e até o encerramento de companhias aéreas, o representante da hotelaria no Algarve assume que "pelo menos numa primeira fase, vai haver, não tenho disso quaisquer dúvidas, cancelamento de voos", mas acredita que "progressivamente os passageiros se vão distribuir por outras companhias aéreas". Foi isto que aconteceu aquando da falência da Monarch em outubro de 2017 ou da Air Berlin, um mês depois.
"A base era importante manter, mas mais importante é manter as ligações diretas com a Europa, que é o que abastece um fluxo regular de turistas para o Algarve", frisou, notando que a região "está numa ponta da Europa" e é preciso continuar a garantir esse fluxo de passageiros, reforça por sua vez, Jorge Botelho, presidente da Comunidade Intermunicipal do Algarve, à Lusa.
João Fernandes, presidente da Associação de Turismo do Algarve, diz por sua vez o encerramento desta base não vai pôr em causa a acessibilidade à região, lembrando também que haverá um reajustamento das rotas. "Há no entanto a lamentar a perda de emprego qualificado na região", salientou João Fernandes, em declarações à Lusa.
Ao final da tarde, o ministério da Economia respondeu à Lusa dizendo que está a acompanhar o encerramento da base da Ryanair em Faro e garantiu que "não existem apoios por parte do Turismo de Portugal para instalação de bases de companhias aéreas", ao contrário do que chegou a ser avançado por vários players do turismo.
São especialmente utilizadas pelas companhias aéreas low-cost e servem para operar rotas, e destacar aviões e funcionários de forma direta. No caso da Ryanair são 86 as bases, duas delas fora da Europa (Fez e Marraquexe). Em regra, as companhias têm aviões afetos a cada base, o que significa que regressam sempre a essa casa no final do dia ou da operação.
O mesmo acontece com a tripulação - no caso do Algarve, 100 tripulantes. A manutenção diária e as pequenas reparações também são geralmente feitas nas bases onde os aviões estão alocados, apenas as reparações de grande porte são feitas nas oficinas principais.