Isto não é o que parece
Há boas razões para votar nas eleições europeias e critérios para escolher em quem votar. A probabilidade de se discutir umas e outras nas próximas semanas é, infelizmente, baixa. Mas podemos tentar.
Para começar, nós não vamos eleger "a Europa". Mesmo que destas eleições dependa a escolha do presidente da Comissão, é só um em 28 (ou 27, logo se vê). Além disso, nestas eleições não se elege o Conselho (os governos que reúnem entre si), que é metade do processo de decisão europeu. Nem os próprios governos, já agora.
Achar, portanto, que numas eleições europeias se decide o futuro do continente é o equivalente a achar que Merkel (ou a sucessora), Macron, Salvini ou o nosso Costa não mandam nada nas decisões europeias, e que os os comissários europeus também não contam. Ora, como a Europa ainda é uma associação de Estados e não uma federação, e a Comissão não é um governo que responde apenas perante um parlamento, essa diferença faz toda a diferença.
Mas isto não equivale a dizer que as eleições europeias então não interessam nada. Interessam, e muito. Bem mais de metade das leis a que obedecemos e que recorrentemente discutimos são decididas em Bruxelas. Não por aliens ou "burocratas não eleitos", como os eurocéticos gostam de dizer mesmo sabendo (os que sabem) que é mentira, mas precisamente pelos comissários, pelos governos e, lá está, pelos deputados europeus. Se as eleições fossem sobre o que está de facto em causa, era sobre isto que estaríamos a falar.
Na Europa, e sobre a Europa, há duas discussões que verdadeiramente interessam. Uma é institucional e parece interminável. Tem que ver com o modelo mais ou menos centralizado, e com o poder de a "Europa" ser mais ou menos entregue ao Conselho ou ao Parlamento. É saber se queremos mais integração ou não, e se a queremos governada sobretudo no Conselho ou mais em partilha com o Parlamento Europeu. Sobre isto, queremos ouvir os candidatos a deputados (e até costumam falar, quando os deixam).
A outra discussão que interessa é menos fascinante, mas absolutamente decisiva (e a que realmente acontece todos os dias no Parlamento Europeu). É a discussão sobre as ditas "leis". Sobre a União bancária, a União energética, os acordos de livre comércio com países terceiros, a revisão, ou não, das regras da concorrência, a reindustrialização da Europa e a forma de a fazer e pagar. Sobre isto, devíamos saber o que pensa em quem vamos votar
Aquilo que se espera dos candidatos ao Parlamento Europeu é que digam que Europa querem, que Europa não querem, que políticas apoiam e quais as que rejeitam. Falar das virtudes do Erasmus, das maravilhas de não haver roaming ou mesmo de 60 anos de paz são tudo coisas muito bonitas, mas não distinguem o Bloco do CDS, o PS do PSD, o PCP do Aliança e por aí fora. Dizer, como alguns sugerem, que a "Europa é um sonho" é não dizer coisa alguma. Falar bem do governo e mal da oposição (e ao contrário), a menos que seja sobre temas europeus, é enganar os eleitores.
Consultor em assuntos europeus