Tavares Pereira: "Não quero ter vencimento nem da SAD nem do Sporting"

Aos 62 anos, o empresário orgulha-se de ter construído um império (mais de 700 empregados em cinco países) apenas com a quarta classe. Foi apontado por duas vezes como candidato à presidência do clube do coração, mas só agora avançou. Vai a votos neste sábado, pela lista G.
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Homem de fé e devoto a Nossa Senhora de Fátima, "o Senhor Fernando de Tábua", como se apresenta Fernando Tavares Pereira, marcou encontro com o DN em Fátima. Foi lá, com o Santuário "a olhar por ele", que o candidato à presidência do Sporting pela lista G explicou que viu a morte à sua frente e foi "a Senhora de Fátima" que o salvou. "No regresso de um Sporting-FC Porto, final da Taça de Portugal 2008 (2-0, golos de Tiuí), parei nas bombas de gasolina de Leiria e, de repente, os adeptos dos dois clubes envolveram-se em cenas de pancadaria. Uma coisa violenta, brutal mesmo. Eu fui apanhado no meio, atiraram-me ao chão, fui espezinhado, levei pontapés na cabeça, socos, tudo, vi a minha vida a andar para trás. Acabei no hospital e acredito que foi Ela quem me ajudou, porque paro sempre aqui cada vez que vou a Lisboa ver um jogo", contou ao DN o empresário que, nem de propósito, ali em pleno santuário, foi reconhecido pelo futuro padre da sua paróquia.

Para quem não o conhece, Fernando Tavares Pereira "é uma pessoa do interior, alguém que já teve uma universidade no Brasil e podia passar diploma a ele próprio, mas que defende que um país não se pode fazer só de doutores e prefere ser apenas o Senhor Fernando de Tábua, um homem de trabalho". "Não podem ser todos CR7", diz.

A vida foi dura, demasiado dura, mas Fernando Tavares Pereira fez por a melhorar: "Com 5 anos andava nas feiras com os meus pais a vender laranjadas, com 10 fui para serralheiro e nas férias do Natal e no verão vendia seguros aos emigrantes. Isso deu-me noção do trabalho e responsabilidade. Com 18 anos estabeleci-me por minha conta. Fiz coisas que não me deram dinheiro algum... Umas, encarei-as como investimento, outras, como visão estratégica."

A fé que o move é a mesma com que se empenha no trabalho e o ajudou a construir um verdadeiro império com a quarta classe. "Tudo o que ganhei reinvesti." Ajudou milhares de famílias, incluindo a dele (tem oito irmãos). Hoje é dono de uma "multinacional familiar", como lhe chama, "com funcionários que são família" e dá emprego a mais de 700 pessoas em Portugal e no estrangeiro. Tem negócios nas áreas ligadas à saúde, hotéis, agricultura, habitação, construção, media e centros de inspeção automóvel.

Foi como empresário e como homem que sofreu com os incêndios que devastaram parte da região centro a 15 de outubro de 2017. "Arderam-me umas 20 casas, numa delas até tinha um quadro muito bom, um Picasso ou Van Gogh. Não sei bem de quem era, mas era um quadro muito valioso, que tinha ficado no recheio quando comprei a casa. Além disso, perdi milhares de oliveiras, milhares de hectares de vinha e até a minha casa ia ardendo. Eu e a minha mulher estivemos a tentar durante muito tempo, sem ajuda, combater o fogo e ainda sofri umas queimaduras nas pernas e na cabeça", contou Tavares Pereira, que, depois disso, criou uma associação, a MAAVIM (Movimento Associativo de Apoio às Vítimas do Incêndio em Midões) com outros empresários para ajudar as pessoas que perderam tudo.

"Se me chatearem a cabeça para me candidatar vou dizer que sim"

A mulher foi a primeira a saber da sua intenção de aceitar o desafio de ser candidato a presidente do Sporting: "Não gostou muito da ideia, embora ela soubesse que quando o Sporting precisasse eu teria de ir servir o clube." E, segundo ele, a mulher não se pode queixar, pois até soube por antecipação."Disse-lhe: 'Vou a Lisboa votar [a destituição do antigo presidente], e se me chatearem a cabeça para me candidatar vou dizer que sim.'A resposta foi 'tu és doido...' Enfim, aquelas coisas de quem gosta muito de nós."

A verdade é que foi a Lisboa e uns amigos lançaram-lhe o repto de imediato. Mal chegou a casa, disse à mulher que se ia candidatar. Aí, ela já tinha "assimilado a ideia". Depois calou-se e não disse nada a ninguém. Só falou com os dois filhos, mais tarde. Eles também ficaram renitentes, mas agora são mais dois apoiantes e marcam presença nas sessões de esclarecimento. Os "filhos já tomam conta das empresas" e é por isso que Tavares Pereira tem "tempo e disponibilidade para o Sporting".

A mudança para Lisboa em caso de eleição não será um problema. Já tem lá casa e seria uma forma de "dar uma alegria" à mulher, que adorava ir viver para Lisboa, por isso "a mudança não será um grande transtorno".

Leitão para conversar com Jesus Correia, Hilário...

Nunca ter estado no Sporting ajudou-o ou prejudicou-o nesta campanha? "Isso é uma falsa questão. Eu nunca estive lá dentro mas sempre acompanhei o Sporting com aquilo que podia e de muito perto nas modalidades. Na antiga sala dos núcleos, cheguei a levar muito leitão e muito queijinho para comermos lá. Ainda no outro dia um amigo me lembrou disso, de quando dividíamos conversas lá com o Jesus Correia, o Hilário...", respondeu, lamentando "que o passado, por vezes, seja esquecido". Pois, como garante, sempre esteve ao lado do Sporting "de corpo e alma".

Tavares Pereira sempre sentiu o respeito e o carinho dos adeptos e dos parceiros, como trata os adversários e os rivais. E os leões têm de "fazer mais e melhor do que os parceiros", leia-se Benfica e FC Porto, se quiserem vencer. "Gostava muito que o Sporting fosse campeão já neste ano, mas sei que é difícil. O nosso principal objetivo é unir os sportinguistas", disse o empresário, que, embora perceba de futebol, ressalva que não está a candidatar-se ao cargo de treinador: "Como presidente tenho de saber liderar uma boa equipa e não querer ser o treinador."

Núcleos e voto eletrónico

O empresário defende o voto eletrónico deslocalizado e teme que o voto eletrónico tradicional (só em Lisboa) o possa penalizar. "Se houvesse voto eletrónico pelo país, tenho a certeza de que ganhava", atirou convicto na confiança dos votos de muitos sócios que não poderão deslocar-se à capital para votar no dia 8.

Mesmo assim, considera que já tem duas vitórias: "Lançar a campanha em Coimbra foi uma vitoria enorme. Fui o primeiro a fazê-lo fora de Lisboa. Tive lá uns 200 sócios de todo o país, o que provou que sou capaz de mobilizar e unir. Por isso o nosso lema é - Unidos Venceremos. A outra vitória foi obrigar os outros candidatos a ir também aos núcleos. Nós já fizemos uns 30 mil quilómetros pelo país. Agora, no dia 8 espero a terceira vitória."

De facto, o empresário de Tábua foi o primeiro a liderar um movimento eleitoral fora de Lisboa desde 1984, ano em que começaram as eleições com mais do que um candidato.

Durante a campanha sentiu o respeito dos sportinguistas, mas considera que foi tratado de maneira diferente pela comunicação social."Custa-me dizer isto, mas a nível da comunicação social temos sido prejudicados e preteridos por outros. Não tem havido igualdade. Se calhar temos 2% da atenção e do espaço de outros", queixou-se, explicando que foi por se sentir "excluído" que decidiu deixar de ir a debates a dois.

"É falta de respeito fazer campanha com nomes"

Exigência, responsabilidade, transparência e união são palavras que o acompanham para onde for. E estabilidade, aliás, é o que o clube mais precisa nesta altura: "Estabilidade financeira, estabilidade na ligação com a SAD, estabilidade nas relações laborais, estabilidade jurídica, estabilidade estatutária..."

Tavares Pereira foi o único a fazer campanha sem nomes, preferindo apostar numa campanha mais pessoal e no "passa-palavra" dos sócios. "É uma falta de respeito dizer que A, B ou C está comigo só para ganhar votos. Eu não quero nomes para ganhar votos, posso perder votos, mas prefiro não andar para aí a dizer mal dos outros. Cada um é aquilo que é... tal como eu. Nós temos ideias e pessoas competentes para pôr as coisas em prática", defendeu o candidato da lista G.

Não quer ser remunerado

Homem de palavra, Fernando Tavares Pereira prometeu ser candidato quando pudesse. E assim foi. Agora promete ir até ao fim e já deu nega a três candidatos para uma aliança eleitoral. "Penso que a nossa candidatura é a única que pode receber todos os outros candidatos. Vamos para servir o Sporting, não para nos servirmos a nós. E há outra coisa que quero dizer: não quero ter vencimento nem da SAD nem do Sporting. Enquanto o Sporting estiver na situação em que está, precisa de apoio. Eu abdico do vencimento em prol do clube", prometeu, lembrando que "o Sporting não precisa de mais amadorismos", mas sim de gente capaz e experiente.

O líder da lista G lamenta a "falta de gestão e de resultados" e a "desunião" que têm marcado o passado recente do clube. E disse que a sua experiência em lidar com situações de crise o ajudará a reerguer o clube: "O Sporting ainda tem garantias para dar em troca de algum financiamento que seja necessário. Tem as colaterais da NOS, ainda existirá cerca de 340 milhões de euros (ME). Não é fácil, mas ainda temos garantias para dar e que fazem face aos cerca de 100 ME que são necessários para o empréstimo obrigacionista e para o curto prazo e sem perder a maioria do clube na SAD."

E promete fazer uma revolução na Academia. "Vou ter de mexer em muita coisa na Academia, se calhar, em alguns casos são pessoas de valor, mas que não estão no lugar certo. Aquilo que para mim interessa é arrumar a casa, é o mais importante agora e para o futuro do Sporting". Palavra do " Senhor Fernando de Tábua".

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