A forma como uma determinada sociedade se relaciona com a doença crónica acaba por ser um espelho de si mesma. É o caso da doença oncológica, a que comummente chamamos cancro e que, evoluindo rapidamente, todos os dias vê a sua incidência aumentada. Com números assustadores e talvez por ser uma doença determinada por fatores endógenos e exógenos, o que lhe confere uma certa aura de arbitrariedade, foram-lhe apontadas várias causas ao longo da história. Hoje em dia, o nosso entendimento sobre as causas do cancro é científico e, felizmente, outro. Caminhamos a passos largos para a cura do cancro e o acesso dos cidadãos aos tratamentos que incorporam a inovação terapêutica com grande evidência científica vai-se tornando a realidade que queremos para todos os que deles precisam. O impacto que implica na despesa do país é largamente ultrapassado pelo retorno que traz, pois é um enorme investimento nas pessoas, na vida, no trabalho e na felicidade. O direito à felicidade existe, não nos esqueçamos. Para trás ficaram as maldições desta doença, a publicidade enganosa e os videntes prometendo curas milagrosas, quem não se lembra?.A luta contra o cancro tem indiscutivelmente beneficiado de avanços tecnológicos e científicos que permitiram novas terapias e novas formas de prevenção e até de divulgação de informação que promove a precocidade - fundamental - do diagnóstico. A par destes progressos, não posso deixar de realçar também o que considero um dos grandes avanços na área do tratamento do cancro: o reconhecimento e a consciencialização da importância da afetividade e das emoções em todo o processo clínico oncológico..Todos conhecemos o estigma de sentença associado ao cancro. Todos conhecemos, por experiência própria ou interposta, a tensão associada ao momento da confirmação do diagnóstico. Todos sabemos o que é racionalizar uma lágrima ou forçar um sorriso quando olhamos para o sofrimento de um ente querido..Por isso afirmo que um dos grandes avanços na luta contra o cancro é também a mobilização em torno da mudança comportamental que rejeita a peruca e a maquilhagem do sofrimento e exibe os sinais da doença como cicatrizes de uma vitória que se conseguiu ou pela qual se luta. A luta contra o cancro, replicando de certa forma a maneira como a doença se espalha no organismo, tem uma capacidade de mobilização de vontades tremenda, da qual são exemplo os vários eventos de solidariedade e divulgação existentes. É necessário continuar a orientar esta onda de mobilização para tentar, como se de uma "metástase boa" se tratasse, aligeirar o estigma associado e substituí-lo pela consciência de que uma sentença de vida é, cada vez mais, a sentença possível. Temos razões para estar otimistas. As descobertas e os avanços sucedem-se. É um facto que a consciência do nosso desconhecimento se torna mais ampla à medida que o nosso conhecimento aumenta, mas a atribuição do Nobel da Medicina pela Assembleia Nobel a James P. Allison e Tasuku Honjo pelo desenvolvimento de terapias contra o cancro que utilizam o sistema imunitário enche-nos de esperança. Individualmente, o que podemos fazer? Podemos sorrir à vida e à saúde, adotando estilos e práticas de vida saudáveis. E, sobretudo quando em contexto oncológico, nosso ou alheio, estarmos conscientes de que a primeira batalha é mesmo pela vontade de lutar e de que assim chegaremos à vitória..Deputada do PS