Parar o que resulta, repetir o erro

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Se o método funciona, tem de ser alterado. Para serem totalmente honestos, os nossos governantes deviam fazer disto lema e anunciá-lo em parangonas em lugar da habitual propaganda de feitos sem efeito - como aquela devolução de 90 milhões em receita de IVA para aplacar a subida do preço dos combustíveis que na prática representava dois cêntimos em cada dois euros de gasolina, um quinto do que qualquer supermercado oferece aos seus clientes. Se facilitassem, não teriam como reagir à última hora, rasgar vestes e fazer-se salvadores afirmando a incrível capacidade de desenrascanço perante o caos.

Quando a vacinação anticovid arrancou, há um ano, achou-se boa ideia fazer a chamada aos idosos recorrendo a métodos modernos, impedindo farmácias, centros de saúde e outras rotineiras visitas das suas vidas de ir a jogo. Obviamente, a coisa não funcionou entre os muitos que nem telemóvel tinham, os imensos que não sabiam ler ou responder a SMS e os mais isolados, que vivem sem apoio, informação ou acesso.

Perante a crescente contestação social, lá entrou em cena o vice-almirante, que organizou a tropas, espalhou informação e explicações ao alcance de todos, recuperou atrasos, atalhou negociatas anunciadas e castigou quem se atravesse a sair da linha, liderando pelo exemplo de competência e rigor. Gouveia e Melo desenhou um sistema que funcionava e fez de Portugal o país mais vacinado e mais rapidamente protegido da covid. Em qualquer outro lugar, seria caso de estudo, um exemplo de modelo no qual colher lições e a replicar com as necessárias adaptações onde se detetasse deficiências de funcionamento. Não neste país de resistentes.

Aqui, bateram as devidas palmas ao único responsável pelo sucesso da campanha, enalteceram a conquista e voltaram felizes e contentes aos modelos de ineficácia habituais. A experiência que permitiria pôr a funcionar serviços foi desprezada, os métodos que se podia usar para recuperar atrasos brutais na saúde arrumados na gaveta e ignorados. E quando decidiu dar a terceira dose da inoculação contra a covid aos mais velhos, a grande líder Marta Temido achou que era tempo de retomar as práticas que comprovadamente não funcionaram antes: pôr os velhotes a escolher entre o auto-agendamento no portal digital e a resposta à convocação por SMS - até para acamados. E para tornar as coisas mais interessantes, juntou à receita para a asneira a vacina da gripe, deixando os maiores de 75 definitivamente confusos e o caos instalado nos centros de saúde e entre profissionais que tentam dar resposta a quem desespera para tratar o que ficou indefinidamente atrasado nos últimos dois anos e à nova missão de vacinação dupla. E que não têm vacinas ou mãos suficientes para as administrar.

E assim chegamos a um mês do prazo previsto ainda pelo vice-almirante para ter os 2,5 milhões de pessoas acima dos 65 anos devidamente protegidas com apenas 25% da inoculação contra a gripe cumprida e 350 mil com a terceira dose anticovid. Um ritmo que faz prever que chegaremos a meio de dezembro com três quartos da população mais vulnerável desprotegida para o inverno.

Resta saber se a mais recente militante socialista e ainda ministra da Saúde vai voltar a esperar pelas filas de ambulâncias à porta dos já saturados hospitais. E já agora, se avança com a vacinação prioritária do pessoal de saúde ou vai mesmo subir a parada e arriscar não ter médicos, enfermeiros, técnicos e auxiliares para garantir os serviços que tutela.

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