"Quase certo!" Bolsonaro escolhe partido para 2022
Depois de um ano e meio como independente, o presidente do Brasil vai optar, na esteira do primogénito, pelo pequenino Patriota, o nono partido da sua carreira. Quais os prós e os contra da decisão?

Para o cientista político Vinícius Vieira, Bolsonaro "vai reduzir o impacto de ter um partido pequeno, como fez em 2018, conectando-se diretamente com os eleitores via WhatsApp".
"Está quase certo, estamos negociando, mas é como um casamento, tem que ser programado, planeado, senão dá problema", disse Jair Bolsonaro, na terça-feira, dia 1, recorrendo a uma das suas conhecidas metáforas matrimoniais, sobre a anunciada possibilidade de escolher o Patriota como partido para concorrer às eleições de 2022. O presidente sabe do que fala: será o seu nono casamento partidário, após oito divórcios, alguns deles litigiosos, e um namoro ao longo do ano passado com o Aliança Pelo Brasil que não chegou ao altar.
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Um dos três filhos políticos, o senador Flávio Bolsonaro, antecipou o movimento do pai, ao trocar o Republicanos pelo Patriota, no último dia de maio. O presidente do partido, Adilson Barroso, ligado à igreja evangélica Assembleia de Deus e acusado de destinar 1,1 milhões de reais do fundo partidário atribuído ao partido para si e para os familiares, é o principal encorajador da adesão de Bolsonaro. No entanto, enfrenta fortes resistências internas, uma das razões para o presidente falar em "negociar, planear, programar bem".
O vice-presidente do partido, Ovasco Resende, e o deputado, Fred Costa, alegaram ilegalidades na convocação para a convenção que marcou a entrada no partido de Flávio. "Foi tudo às escuras, tenebroso", acusou Resende.
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Integrantes da direção executiva alegaram ter havido uma retirada forçada de dirigentes para abrir o caminho à "entrega" do partido à família Bolsonaro e entraram mesmo com um requerimento no Tribunal Superior Eleitoral contra as decisões de Barroso. Em paralelo, um vereador do Patriotas, Gabriel Azevedo, foi expulso por se "posicionar contra o atual presidente da República".
Finalmente, Arthur Mamãe Falei, competitivo pré-candidato ao governo de São Paulo pelo partido, considerou "um desastre" a provável adesão de Bolsonaro e ameaça sair.
O nado-morto Aliança
Se Flávio, o filho do presidente acusado de corrupção e organização criminosa num caso de desvio do salário dos seus assessores já está no Patriotas, os outros dois filhos políticos do presidente, o vereador Carlos e o deputado Eduardo, estão ainda no Republicanos e no PSL, respetivamente. Mas todos, incluindo o quarto filho, Renan, desejavam fazer parte do Aliança Pelo Brasil, formação criada em novembro de 2019 em torno do pai mas que não prosperou.
O nado-morto Aliança, entretanto, surgiu como resposta do bolsonarismo ao divórcio abrupto de Bolsonaro com o presidente do PSL, Luciano Bivar, força pela qual venceu as eleições de 2018. Uma troca de insultos por causa de um suposto esquema de corrupção em torno de candidaturas femininas falsas causou a rutura.
Ao alinhar-se ao Patriota, o presidente da República filiar-se-á ao nono partido da sua carreira política, depois de PDC, PPR, PPB, PTB, PFL, PP, PSC e PSL, sem contar os "namoros" com PRONA, o citado Aliança e, em 2017, com o Partido Ecológico Nacional (PEN), o antecessor do Patriota.
O Patriota, que se define como bolsonarista, militarista, anti-comunista, conservador social, liberal económico e ecológico ou, nas palavras de Barroso, "um partido que pega tudo", foi fundado em 2011, como PEN. Em 2017, fundiu-se com o PRP e mudou a designação para Patriota, no âmbito de um movimento de alterações de nomes dos partidos brasileiros após a Operação Lava-Jato. Nas eleições presidenciais de 2014 apoiou Aécio Neves (PSDB) e nas de 2018 lançou candidato próprio, o deputado e bombeiro Cabo Daciolo, sexto mais votado nas contas finais. Hoje tem seis deputados e um senador no Congresso, sem contar ainda com Flávio, além de 30 prefeitos espalhados pelas 5570 cidades do país.
Como candidato à reeleição em 2022, Bolsonaro fez da adesão o mais rapidamente possível a um partido uma das suas prioridades nos últimos meses - "já estou atrasado", admitia em abril. Para a sensação de "atraso", contribuiu a entrada em cena de Lula da Silva: o antigo presidente, de 2003 a 2010, recuperou os direitos políticos e substituiu o próprio substituto, Fernando Haddad, como candidato à presidência pelo já histórico e bem oleado PT.
Segundo as sondagens dos institutos Datafolha, Vox Populi, Poder360 e Exame Invest Pro, Lula lidera a corrida ao Palácio do Planalto com perto de 20 pontos de avanço sobre Bolsonaro.
Outro pré-candidato assumido, Ciro Gomes, tem no histórico PDT, onde milita desde 2015 e do qual é vice-presidente, um apoio firme. Os presidenciáveis João Doria e Eduardo Leite, por sua vez, vão disputar a nomeação pelo PSDB, mais um partido tradicional. E Luiz Henrique Mandetta, primeiro dos quatro ministros da saúde de Bolsonaro, é militante do DEM, também uma formação clássica.
Mas a pressa pode não ser boa conselheira, mais uma razão pela qual Bolsonaro hesita em assinar o casamento: a dúvida do presidente, e do seu núcleo duro, é entre optar por um partido maleável mas pequeno ou por um grande mas rígido.
Em 2018, a primeira daquelas opções - o PSL era pequeno e maleável - resultou na eleição; mas em 2022, com a aprovação ao governo no mínimo recorde de 24% pode não funcionar, alerta esse núcleo duro bolsonarista.
Ao longo do processo de escolha de força política, Bolsonaro negociou com partidos pequenos, como o Partido da Mulher Brasileira, sem assento parlamentar. "Eu tenho que dar um passo bastante seguro, há vários partidos, o da Mulher também está conversando comigo", revelou. E com grandes, como o PL (42 deputados), o PP (40) ou o Republicanos (32) e médios, como o PTB (11) ou o PSC (10). Estes, no entanto, embora aliados circunstanciais do governo, recusaram entregar o controle da direção ao presidente.
Resiliente e "duro na queda"
Para o cientista político Vinícius Vieira, "num partido forte, como um PP, mesmo tendo a vantagem da abrangência e o acesso ao Brasil profundo, ele teria de ceder muito aos líderes, pelo que a opção por um partido pequeno é apropriada para um movimento extremamente personalista e aguerrido nas redes sociais como é o bolsonarismo".
"Ele vai reduzir o impacto de ter um partido pequeno, como fez em 2018, conectando-se diretamente com os eleitores via Whatsapp e com setores, como o agronegócio ou os evangélicos, o que faz perceber que os partidos já não são tão importantes como no passado", continua o politólogo.
De qualquer forma, tendo em conta outros episódios de ascensão ao poder de um outsider na política brasileira, um mérito é reconhecido ao presidente da República, sublinha Vinícius Vieira: o da resiliência.
"O facto de Bolsonaro terminar o mandato sem partido é um feito único assim como é um feito único na história da democracia, de 1946 a 1964 e depois de 1985, ele, mesmo eleito por um partido pequeno, o PSL, terminar esse mandato, uma vez que os seus antecessores eleitos por partidos pequenos acabaram por renunciar, como Jânio Quadros (PTN), ou alvo de impeachment, como Collor de Mello (PRN), sinal de que, pelo menos, ele é duro na queda".
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