Prémios na TAP: acordo ditou gestão privada, Estado não decide

A fatia de 50% que o Estado recuperou no acordo de reversão da venda da TAP só lhe dá 5% de poder de decisão. Prémios fazem sentido, diz CEO.
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Governo em brasa, ataques da oposição e uma reunião de emergência com o representante do Estado, Miguel Frasquilho, que começou às 16.00 e terminou perto da meia-noite com o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, a agendar novo encontro para esta sexta-feira, com os representantes do acionista público da TAP.

Foi o resultado da decisão da gestão da transportadora de pagar prémios de desempenho a 180 funcionários, num total de 1,171 milhões de euros, incluindo dois de 110 mil a dois quadros superiores. Uma reação que, mesmo acontecendo num ano em que a companhia teve prejuízos de 118 milhões, surpreendeu o CEO da transportadora.

"Esse plano de prémios poderia até ter sido maior se tivéssemos tido lucros, e não há nada de errado nisso", defendeu Antonoaldo Neves, explicando que a TAP tem hoje uma "cultura de meritocracia, gestão de empenho e entrega de resultados", transparente e objetiva, que prevê prémios todos os anos para quem os mereça. "É esta cultura que a faz crescer e gerar rendimento em Portugal. "Estou muito seguro daquilo que a TAP tem feito e de como tem evoluído e os trabalhadores merecem o reconhecimento", disse o CEO, lembrando que todos os anos a empresa paga quase 703 milhões de euros aos seus mais de dez mil trabalhadores.

Ainda assim, o governo reagiu mal à notícia, com Pedro Nuno Santos a exigir agora explicações. Já ontem, o primeiro-ministro, António Costa, chegara a afirmar que o modelo de distribuição de prémios decidido pela comissão executiva da TAP é "incompatível com os padrões de sobriedade" que devem existir em participadas pelo Estado, e o ministro do Planeamento a falar em quebra de confiança. Afirmando não ter sabido da distribuição de prémios antes de esta acontecer, Pedro Nuno Santos considerou que a atitude da gestão da TAP "constitui uma quebra da relação de confiança entre a comissão executiva e o maior acionista da companhia, o Estado português".

Acontece que o maior acionista da TAP não tem poder de gestão na companhia.

A transportadora aérea portuguesa foi vendida em 2015 (depois de 20 anos de planos não concretizados nesse sentido) mas um ano mais tarde o atual governo negociou a reversão desse processo de privatização, recuperando 50% das ações. Essa metade do bolo, porém, confere-lhe apenas 5% dos direitos económicos da companhia.

Significa isto que o acordo assinado pelo governo com a TAP manteve o poder executivo, ou seja, todas as decisões de gestão, nas mãos do consórcio de David Neeleman e Humberto Pedrosa (que detém 45% do capital, sendo os restantes 5% dos trabalhadores). Pelo que a gestão é privada, sem intervenção do Estado - à exceção de um possível voto de qualidade do chairman, nomeado pelo Estado, nas reuniões periódicas da administração.

"O Estado tem responsabilidades significativas (...) mas uma intervenção muito limitada", avisou em 2018 o Tribunal de Contas, na sua análise à recompra da companhia pelo Estado. O alarme já antes soara em Bruxelas, quando ainda decorriam as negociações para a reversão, em 2016, com a Comissão a temer que este processo pudesse "implicar riscos orçamentais suplementares".

No acordo assinado com o governo, o que se garantiu não foi poder de decisão na gestão mas antes uma maior representatividade do Estado no conselho de administração e o tal voto de qualidade do chairman, Miguel Frasquilho. Porém nenhum dos seis administradores que o governo sentou na companhia (além do chairman, o antigo secretário de Estado do Turismo, Bernardo Trindade; o advogado e amigo de Costa, Lacerda Machado; a ex-presidente da SAG, Esmeralda Dourado; o ex-CEO da SATA, António Gomes de Menezes; e a ex-presidente da Fundação Serralves, Ana Pinho) tem funções executivas.

A somar aos seis administradores do Estado, têm ainda assento no conselho os três acionistas privados (Neeleman, Pedrosa e Li Neng, indicado pela Hainan Airlines) e os três administradores executivos: Antonoaldo Neves (CEO), Raffael Quintas (CFO) e David Pedrosa.

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