Guerra comercial obriga Draghi a admitir novos estímulos na zona euro

BCE mantém juros a mínimos históricos até, pelo menos, meados de 2020, devido ao arrefecimento da economia. Mas a incerteza geopolítica pode forçar maiores descidas e a retomar o programa de compra de ativos.

Não falta margem para insuflar as economias do euro com novos estímulos num cenário de recessão, garante o Banco Central Europeu. Para já, o curso da política monetária deverá manter-se inalterado até junho do próximo ano, com taxas de juro a mínimos históricos, mas Frankfurt já admite a possibilidade de baixar a taxa de juro dos depósitos e reativar a compra de ativos, ao mesmo tempo que mantém uma política generosa de financiamento a longo prazo.

O sinal foi dado ontem por Mario Draghi, presidente do BCE, a semanas de os EUA tomarem uma decisão sobre a imposição de novas tarifas à China. É a prolongada incerteza geopolítica que põe em perigo o cenário base do banco central, com o sentimento dos agentes económicos a deteriorar-se de forma generalizada. E a economia mundial a perder vapor.

Depois de um corte acentuado nas perspetivas de crescimento no espaço do euro há três meses, o BCE ajustou o cenário de 2019 com uma ligeira revisão em alta. As economias da moeda única devem crescer em conjunto 1,2% (mais 0,1 p.p. do que o esperado em março), mas o que entra nas contas melhoradas são sobretudo fatores temporários.

A antecipação de importações pelo Reino Unido frente ao primeiro calendário do Brexit, a compra de veículos pelas famílias alemãs após uma quebra de produção, o bom tempo que animou a construção em vários países e o espevitar de alguma indústria italiana produziram uma aceleração ligeira na zona euro no primeiro trimestre - 0,4% de crescimento, contra os 0,2% do trimestre anterior, nas estimativas do Eurostat.

Quanto ao horizonte alargado, este surge um pouco mais toldado nas contas do BCE. As previsões de crescimento para 2020 levam um corte de 0,2 pontos percentuais para 1,4%, "sobretudo devido a uma fraqueza mais persistente no comércio mundial".

Ainda que o BCE tenha decidido protelar até meados de junho qualquer alteração nos juros, Mario Draghi consentiu ontem em encaixar as expectativas dos mercados no discurso que sucedeu a decisão de política monetária. "Se tivermos de encontrar novos desafios, o conselho de governadores está preparado para agir com todas as suas ferramentas", assegurou, revelando que foi já discutida a possibilidade de corte na taxa de depósitos do BCE, atualmente -0,40% e limite inferior nos juros fixados pela instituição.

"Os mercados parecem ver algo maior"

"Os mercados parecem ver algo maior do que simples disputas comerciais", reconhece o presidente do BCE. Poderão estar certos ou errados, mas Frankfurt garante que está alerta. "Da nossa parte, temos de levar esta leitura a sério e estar preparados."

O Fundo Monetário Internacional relembrou na quarta-feira que a economia mundial poderá vir a perder 0,5% do seu produto potencial - tanto quanto vale uma economia como a sul-africana - devido à guerra comercial EUA-China. E apelou a que se recue nas medidas protecionistas e, depois, se mantenha na mesa todas as ferramentas de estímulo ao crescimento possíveis, da política monetária à fiscal.

No mesmo dia, o Banco Mundial alinhou as suas previsões com as expectativas mais pessimistas: o crescimento mundial deverá ficar em 2,6% neste ano e o da zona euro em 1,2%, com a confiança aos níveis mais baixos desde 2017.

O cenário base de Frankfurt admite uma dissipação das tensões comerciais e uma recuperação da procura externa ao espaço do euro, ao mesmo tempo que assume que o Reino Unido sairá neste ano da União Europeia sem maiores percalços. Ainda assim, o investimento das empresas deverá cair "consideravelmente", enquanto o consumo privado se mantém sólido, o imobiliário modera o passo, e a criação de emprego abranda.

Já o pior dos cenários, o de uma recessão, não encontrará os países do euro no mesmo sítio onde se encontravam na última crise, defendeu Draghi. É que, entretanto e desde 2013, foram criados 10,8 milhões de postos de trabalho, nas contas do Eurostat divulgadas ontem e sublinhadas pelo presidente cessante do BCE. "Não creio que alguma vez tenham sido criados tantos empregos em tão curto espaço de tempo nesta zona do mundo."

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