Os direitos dos trabalhadores, sobretudo mais jovens, estão em perigo com a transformação económica. Grande parte dos novos empregos, criados por apps na chamada "gig economy" da Uber, da Airbnb, da TaskRabbit, etc., são temporários, contingentes, precários, mal pagos e sem garantias. O mundo ficou chocado com a descrição das condições laborais no armazém da multinacional Amazon em Tilbury, Essex, na reportagem do Sunday Mirror de Londres, publicada a 27 de Novembro do ano passado, depois de o jornalista Alan Selby lá ter trabalhado cinco semanas. Entretanto, muitos empregos são perdidos para países pobres, onde nas sweatshops se opera em circunstâncias aviltantes. Sempre houve exploração, mas estamos a entrar numa nova realidade, revivendo no mundo digital as piores condições do século XIX..As razões deste recuo civilizacional são fáceis de entender. A exploração é semelhante porque o fenómeno económico é paralelo. A aceleração tecnológica gera novas tarefas, novos equilíbrios e realidades que escapam a leis, regulamentos, acordos, práticas e exigências tradicionais. As regras do sistema económico, jurídico e social ficam obsoletas, abrindo vazios e oportunidades que permitem o regresso de abusos..Perante o sofrimento de tanta gente, surgem hoje, como há 150 anos, três atitudes de resposta. Era bom que, aprendendo com os erros do passado, escolhêssemos vias melhores para garantir uma sociedade justa e inclusiva..A primeira posição - que podemos corporizar em Karl Marx, o mais famoso dos seus muitos e variados proponentes - pretende mudar todo o sistema. A sociedade como a conhecemos está podre e temos de a repensar radicalmente. Esta solução, que foi entusiasticamente apoiada por várias gerações, perdeu muita da credibilidade ao revelar-se os terríveis dramas do "socialismo real" nos países que o abraçaram. O facto de hoje grande parte das sweatshops se localizarem em países alegadamente marxistas, como China, Laos e Vietname, constitui uma condenação tragicamente irónica do modelo. Isso não impede que ele esteja em crescimento. A influência de figuras como Bernie Sanders e Jeremy Corbyn, paradoxalmente nos países que mais se perfilaram em alternativa cultural à URSS, manifesta como condições semelhantes recriam respostas idênticas, mesmo das mais improváveis..A segunda atitude, que foi mais bem-sucedida e influente, pretende utilizar os mecanismos do Estado democrático e da economia de mercado para combater as injustiças e as desigualdades. Podemos simbolizar este modelo em John Stuart Mill, reformista e contemporâneo de Marx na Londres oitocentista. Esta tem sido a resposta da generalidade dos países às questões laborais, criando sistemas de protecção que, apesar da diversidade, mantêm o sistema como o conhecemos. Os sucessos desta alternativa são múltiplos, mas ela também contribuiu para a criação de uma elite laboral que, manipulando o sistema a seu favor, deixa outros desprotegidos, precisamente aqueles que estão a cair vítimas da nova economia. Apesar disso, a maioria dos políticos actuais envereda por esta via, que podemos corporizar em figuras de topo da actualidade como Angela Merkel e Emmanuel Macron..Estas duas abordagens têm grandes sucessos e muitos fiascos à sua conta, mas ambas esquecem um elemento central do processo. Os abusos não são cometidos pelo sistema ou pelas leis, mas por pessoas concretas, que se aproveitam do sofrimento de pessoas concretas. A única forma de realmente lidar com a injustiça é transformar os comportamentos dos intervenientes. Esta é uma observação óbvia, mas que passou ao lado da esmagadora maioria das intervenções, de ambos os tipos, porque ambas são herdeiras de uma atitude materialista. O objecto da sua intervenção são mecanismos, incentivos, normas, grupos e políticas, nunca atitudes, condutas, méritos, vícios e virtudes..Como se pode, numa sociedade livre e plural, mudar os procedimentos das pessoas? Esta é uma pergunta a que, ao longo dos séculos, toda a gente sempre soube responder, mas que, após 200 anos de materialismo, deixa genuinamente perplexos os nossos concidadãos. A resposta tem três níveis. O mais básico e rude é evitar explorar o empregado por medo de ir para o Inferno; mais elevada é a adopção de comportamentos justos pelo dever moral de seguir a virtude; finalmente vem tratar o trabalhador com genuíno amor ao próximo..A única maneira de realmente chegar ao âmago da questão laboral, como de tantas outras questões sociais, é lidar com a dimensão espiritual e transcendente da pessoa humana, algo que Mill ignorava e Marx atacava abertamente. Podemos identificar esta terceira atitude no Papa Leão XIII, contemporâneo de Marx e Mill e fundador da doutrina social da Igreja, com a encíclica "Rerum novarum" de 1891. Hoje o Papa Francisco repete que omitindo o sagrado ficamos limitados a um jogo de forças humanas que, como mostram os últimos séculos, deixa sempre muita injustiça e pode mesmo precipitar terríveis catástrofes históricas.
Os direitos dos trabalhadores, sobretudo mais jovens, estão em perigo com a transformação económica. Grande parte dos novos empregos, criados por apps na chamada "gig economy" da Uber, da Airbnb, da TaskRabbit, etc., são temporários, contingentes, precários, mal pagos e sem garantias. O mundo ficou chocado com a descrição das condições laborais no armazém da multinacional Amazon em Tilbury, Essex, na reportagem do Sunday Mirror de Londres, publicada a 27 de Novembro do ano passado, depois de o jornalista Alan Selby lá ter trabalhado cinco semanas. Entretanto, muitos empregos são perdidos para países pobres, onde nas sweatshops se opera em circunstâncias aviltantes. Sempre houve exploração, mas estamos a entrar numa nova realidade, revivendo no mundo digital as piores condições do século XIX..As razões deste recuo civilizacional são fáceis de entender. A exploração é semelhante porque o fenómeno económico é paralelo. A aceleração tecnológica gera novas tarefas, novos equilíbrios e realidades que escapam a leis, regulamentos, acordos, práticas e exigências tradicionais. As regras do sistema económico, jurídico e social ficam obsoletas, abrindo vazios e oportunidades que permitem o regresso de abusos..Perante o sofrimento de tanta gente, surgem hoje, como há 150 anos, três atitudes de resposta. Era bom que, aprendendo com os erros do passado, escolhêssemos vias melhores para garantir uma sociedade justa e inclusiva..A primeira posição - que podemos corporizar em Karl Marx, o mais famoso dos seus muitos e variados proponentes - pretende mudar todo o sistema. A sociedade como a conhecemos está podre e temos de a repensar radicalmente. Esta solução, que foi entusiasticamente apoiada por várias gerações, perdeu muita da credibilidade ao revelar-se os terríveis dramas do "socialismo real" nos países que o abraçaram. O facto de hoje grande parte das sweatshops se localizarem em países alegadamente marxistas, como China, Laos e Vietname, constitui uma condenação tragicamente irónica do modelo. Isso não impede que ele esteja em crescimento. A influência de figuras como Bernie Sanders e Jeremy Corbyn, paradoxalmente nos países que mais se perfilaram em alternativa cultural à URSS, manifesta como condições semelhantes recriam respostas idênticas, mesmo das mais improváveis..A segunda atitude, que foi mais bem-sucedida e influente, pretende utilizar os mecanismos do Estado democrático e da economia de mercado para combater as injustiças e as desigualdades. Podemos simbolizar este modelo em John Stuart Mill, reformista e contemporâneo de Marx na Londres oitocentista. Esta tem sido a resposta da generalidade dos países às questões laborais, criando sistemas de protecção que, apesar da diversidade, mantêm o sistema como o conhecemos. Os sucessos desta alternativa são múltiplos, mas ela também contribuiu para a criação de uma elite laboral que, manipulando o sistema a seu favor, deixa outros desprotegidos, precisamente aqueles que estão a cair vítimas da nova economia. Apesar disso, a maioria dos políticos actuais envereda por esta via, que podemos corporizar em figuras de topo da actualidade como Angela Merkel e Emmanuel Macron..Estas duas abordagens têm grandes sucessos e muitos fiascos à sua conta, mas ambas esquecem um elemento central do processo. Os abusos não são cometidos pelo sistema ou pelas leis, mas por pessoas concretas, que se aproveitam do sofrimento de pessoas concretas. A única forma de realmente lidar com a injustiça é transformar os comportamentos dos intervenientes. Esta é uma observação óbvia, mas que passou ao lado da esmagadora maioria das intervenções, de ambos os tipos, porque ambas são herdeiras de uma atitude materialista. O objecto da sua intervenção são mecanismos, incentivos, normas, grupos e políticas, nunca atitudes, condutas, méritos, vícios e virtudes..Como se pode, numa sociedade livre e plural, mudar os procedimentos das pessoas? Esta é uma pergunta a que, ao longo dos séculos, toda a gente sempre soube responder, mas que, após 200 anos de materialismo, deixa genuinamente perplexos os nossos concidadãos. A resposta tem três níveis. O mais básico e rude é evitar explorar o empregado por medo de ir para o Inferno; mais elevada é a adopção de comportamentos justos pelo dever moral de seguir a virtude; finalmente vem tratar o trabalhador com genuíno amor ao próximo..A única maneira de realmente chegar ao âmago da questão laboral, como de tantas outras questões sociais, é lidar com a dimensão espiritual e transcendente da pessoa humana, algo que Mill ignorava e Marx atacava abertamente. Podemos identificar esta terceira atitude no Papa Leão XIII, contemporâneo de Marx e Mill e fundador da doutrina social da Igreja, com a encíclica "Rerum novarum" de 1891. Hoje o Papa Francisco repete que omitindo o sagrado ficamos limitados a um jogo de forças humanas que, como mostram os últimos séculos, deixa sempre muita injustiça e pode mesmo precipitar terríveis catástrofes históricas.