Doença fatal, lesão de gravidade extrema: a versão final da eutanásia

Os cinco projetos de lei aprovados em fevereiro de 2020 foram unificados num único documento, fechado ontem. Marcelo não terá de decidir antes das eleições presidenciais
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A morte medicamente assistida poderá ser pedida por cidadãos portugueses (ou legalmente residentes em Portugal), maiores de idade, com uma doença incurável ou uma lesão definitiva de gravidade extrema. Terá lugar no Serviço Nacional de Saúde ou em estabelecimentos do setor privado ou social. Para que se concretize é preciso que o doente esteja consciente.

Esta é a versão final que saiu do grupo de trabalho que, ao longo dos últimos meses, esteve a consensualizar os cinco projetos de lei sobre a eutanásia aprovados pelos deputados no final de fevereiro do ano passado. O texto foi fechado na tarde de ontem e terá agora de passar pela comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, após o que irá a votação final global.

Um dos pontos que ficaram para o final foi precisamente aquele que define as condições em que a eutanásia é permitida por lei, nomeadamente quando não está em causa uma doença incurável. Além da situação de "sofrimento extremo" que já estava especificada na lei, foi aprovada uma proposta de alteração que estabelece que a morte medicamente assistida é possível nos casos de "lesão definitiva de gravidade extrema, de acordo com o consenso científico". A formulação ainda motivou debate entre os deputados - a proposta inicialmente avançada pelo BE falava, aliás, em "lesão definitiva de especial gravidade", mas a deputada Mónica Quintela (que coordenou o grupo de trabalho) defendeu que este conceito seria demasiado aberto. Acabou por ficar "extrema gravidade", com os deputados a admitirem que o texto deixará sempre alguma liberdade de interpretação aos profissionais de saúde.

Na versão aprovada no grupo de trabalho (que ainda poderá sofrer alterações em comissão, embora não sejam habituais mudanças significativas) "considera-se eutanásia não punível a antecipação da morte por decisão da própria pessoa, maior, em situação de sofrimento extremo, com lesão definitiva, de gravidade extrema, de acordo com o consenso científico, ou doença incurável e fatal, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde". O pedido tem de ser feito por um cidadão português ou legalmente residente.

Como já estava estabelecido, o processo implicará a intervenção obrigatória de dois médicos - o orientador, escolhido pelo paciente, e um especialista na patologia que afeta o doente. Poderá haver recurso a um terceiro clínico se houver dúvidas sobre a capacidade do requerente para manifestar uma "vontade séria, livre e esclarecida".

A eutanásia poderá realizar-se nos "estabelecimentos de saúde do Serviço Nacional de Saúde", mas também no privado e no setor social. Terá de ser feita sempre na presença de um médico, sendo certo que os profissionais de saúde podem invocar objeção de consciência, "a todo o tempo" e sem necessidade de fundamentação. O ato em si - toma da substância letal - poderá ser feito pelo paciente ou administrado por um terceiro, obrigatoriamente um profissional de saúde.

Impedidos de pedir a morte medicamente assistida ficam as pessoas sobre as quais impenda um processo judicial com vista à sua incapacidade. Fator de exclusão é também a perda de consciência durante o processo de morte assistida, que é interrompido se o doente ficar inconsciente e só é retomado se recuperar a consciência e mantiver a decisão.

O texto fechado no grupo de trabalho terá agora de ser ratificado pela comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais. A próxima reunião da comissão está marcada para quarta-feira, mas não é certo que o tema seja agendado. Caso o seja, pode subir a votação final global na sexta-feira seguinte.

Após esta última aprovação no Parlamento, o decreto ainda tem um prazo de três dias para reclamações e terá de ser publicado no Diário da Assembleia da República antes de seguir para Belém. O que significa que Marcelo Rebelo de Sousa não terá de se pronunciar sobre a morte medicamente assistida antes das eleições presidenciais, dado que após a chegada do texto a Belém o Presidente da República tem oito dias para enviar o diploma para o Tribunal Constitucional ou 20 dias para decidir a promulgação.

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