Mongólia. Por dentro de uma tenda redonda

Mala de viagem (122). Um retrato muito pessoal da Mongólia.

No caminho para a fronteira com a Mongólia, o comboio parou em Ulan Ude, ainda em território russo, mas a maior curiosidade estava mais adiante, em Ulan Bator, a capital e a maior cidade da Mongólia, país que fascina mesmo antes de se pisar. A cidade foi fundada em 1649 e designada Örgöö (Urga) até ao ano de 1924, a partir do qual recebeu o atual nome, "Ulaanbaatar", em mongol tradicional, que significa "herói vermelho". Nos primeiros tempos, a cidade foi levada para vários locais ao longo dos rios Selenga, Orkon e Tuul, até alcançar a sua presente localização no final do século XVIII, a cerca de 1100 quilómetros a noroeste de Pequim. Ulan Bator foi a cidade sagrada dos mongóis e a residência do "Buda Vivo", ou seja, aquele que as tribos "khalkha" colocaram como o terceiro em grau de veneração entre as divindades do clero lamaísta. Ulan Bator prosperou na década de 1860 como um centro comercial, na rota do chá entre a Rússia e a China. Em 1904, por ocasião da expedição britânica ao Tibete, o Dalai Lama retirou-se da capital tibetana, Lassa, e foi para Ikh Khüree, onde permaneceu até 1908. Após a proclamação da independência, com o colapso do Império Manchu, a cidade tornou-se na capital da atual República Popular da Mongólia. Assim, no primeiro dia de visita, o passeio pela manhã serviu para conhecer alguns dos monumentos de "Öndgiin sürgiin nutag", uma espécie de centro urbano e patrimonial. No dia seguinte, a visita foi aos Alpes da Mongólia, apelidados de "Suíça mongol", com almoço numa tenda redonda dos pastores nómadas, seguido de um espetáculo hípico mongol. Por causa destes dois aspetos, importa referir que a Mongólia é o único país do mundo onde o número de cavalos supera o de pessoas e as tendas redondas são cobertas com plástico e lã. Precisamente, numa das tendas e ligeiramente aquecidos pelo chá de manteiga a acompanhar o prato da refeição, reunimo-nos num pequeno grupo. O guia explicou o sentido destas tendas tradicionais, mas também se referiu à arquitetura da Mongólia de inspiração mongol, tibetana ou chinesa. Estes estilos existem isolados ou em combinação. E ainda outras construções com influências da Índia, especialmente no desenho de estupas budistas, que são monumentos construídos sobre restos mortais. Batbayar era investigador no Instituto de Investigação para o Desenvolvimento Regional e da Cidade, na Escola de Artes e Ciências da Universidade Nacional da Mongólia, e, em simultâneo, trabalhava regularmente junto de agências de turismo para acompanhamento de visitantes estrangeiros. Com ele, estabelecemos convívio com a população local. Batbayar foi o principal promotor do espírito alegre daquele encontro entre civilizações diferentes, em que cada qual se enriquece, porque nenhuma é superior à outra. Saber encontrar a alegria na alegria dos outros é o segredo da felicidade, disse-nos Batbayar, nome que em mongol significa precisamente "grande alegria". Naquela terra, cultiva-se o pão e, também, o culto do silêncio, afinal o mensageiro mais perfeito da alegria. 

Jorge Mangorrinha, professor universitário e pós-doutorado em turismo, faz um ensaio de memória através de fragmentos de viagem realizadas por ar, mar e terra e por olhares, leituras e conversas, entre o sonho que se fez realidade e a realidade que se fez sonho. Viagens fascinantes que são descritas pelo único português que até à data colocou em palavras imaginativas o que sente por todos os países do mundo. Uma série para ler aqui, na edição digital do DN.

Mais Notícias

Outros Conteúdos GMG