Adelino Amaro da Costa e a moderação
Nunca me vi como especial cultor da moderação em política, talvez porque tivesse crescido para ela em tempos de moderação, uma espécie de dado adquirido que não distingue ninguém. Cheguei mesmo a ser acusado do contrário, pela forma enfática como fui dando conta das minhas ideias, tantas vezes mais liberais do que a norma, ou ainda pelo meu especial gosto em contextualizar a minha ação política e governativa numa luta pela liberdade.
Nunca atribuí muita importância a essa acusação porque o meu percurso pessoal e político, por mais afirmativo e enfático que seja, nunca dispensou a legitimação do outro, nunca desdenhou a consensualização como prática, nunca advogou uma qualquer exclusividade identitária - talvez porque tenha aprendido desde cedo, em casa e com os meus avós, que não há democracia nem convivência nem paz nem harmonia sem a profunda convicção de que o outro existe e pensa e ama e sente e luta como nós.
Mas os tempos são outros, e oiço hoje a acusação contrária, a de ser um tíbio moderado, logo um cúmplice, um acobardado, um vendido à espera de aceitação ou aplauso pelo lado contrário. São os tempos de polarização, em que há dois lados e só um é bom e só um pode vencer e para vencer há que esmagar o outro. Já aqui escrevi sobre isso.
Há nesse ideia, a de vendido e cobarde, uma certa ideia de traição, de abastardamento dos valores fundacionais do meu espaço político. E oiço muitas vezes que é preciso voltar aos valores fundacionais, que é preciso ir às origens, à raiz, como se a moderação os desonrasse.
E não é percurso que desdenhe, esse, o de ir aos valores fundacionais, ainda que ir aos valores fundacionais não seja regressar a 1974 como alguns pretendem, como se a contemporaneidade lhes metesse nojo. Mas sobre isso, sobre essa coisa de valores fundacionais, terei oportunidade de escrever mais tarde. Interessa-me hoje citar Adelino Amaro da Costa, invocado tantas vezes em auxílio desse regresso, tantas vezes com a profunda ignorância de quem se aproveita de quem cá não está para elaborar e justificar perseguições ideológicas:
"A moderação, em política, é um estilo e não uma máscara ou uma linguagem. Pressupõe saber ouvir sem dogmatismo nem preconceito e saber falar sem retóricas nem demagogia. Exige tratar o real como um dado objetivo da corrente histórica e não como um elemento mais ou menos afim da subjetividade de quem o encara. Implica uma séria consideração das relações de força sociais e culturais em presença ou em conflito, mais do que a simples análise dos jogos de poder entre as superestruturas políticas, impõe o reformismo e rejeita o revolucionarismo. Serve-se da mudança para evitar a rutura.
"Pode ser-se moderado na esquerda ou na direita, porque a moderação é um modo de estar em política. E sem moderação não há democracia que sobreviva."
Advogado