Merkel despede-se da CDU à espera da vitória da sua protegida

Os 1001 delegados do congresso da CDU, a decorrer hoje e amanhã em Hamburgo, vão escolher quem substitui Angela Merkel como líder do partido: Annegret Kramp-Karrenbauer, Friedrich Merz ou Jens Spahn.
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À porta do Atlantic Hotel, onde os dirigentes da União Democrata-Cristã (CDU) se reuniram, sobressaía um cartaz vermelho de uma manifestação dos trabalhadores das indústrias química, de energia e mineira: "É tempo para [darem] um sinal!" Os 1001 delegados do partido conservador vão hoje dar um sinal ao escolherem quem sucede na chefia a Angela Merkel, uma vez que os dois principais concorrentes têm uma abordagem tão diversa à política que uma é apodada de mini-Merkel e o outro de anti-Merkel.

Annegret Kramp-Karrenbauer, conhecida como AKK ou mini-Merkel, é a preferida da chanceler, embora esta não o tenha dito em público. Nem é preciso: foi Merkel quem indicou AKK para o cargo de secretária-geral da CDU, cargo que a própria exerceu entre 1998 e abril de 2000, quando ascendeu ao topo da hierarquia partidária.

AKK, preferida dos eleitores

Além de ter sido promovida em fevereiro de 2018 por Merkel, é também a preferida dos votantes da CDU. Segundo a mais recente sondagem publicada pelo canal ARD, 48% do eleitorado da CDU votaria na mulher que foi ministra-presidente do Sarre entre 2011 e 2018. A segunda escolha, com 35%, é Friedrich Merz e, por fim, Jens Spahn. O ministro da Saúde, de 38 anos, caiu 10% em relação à anterior sondagem e só recolhe dois pontos percentuais.

AKK, de 56 anos, reúne ainda apoios de peso, entre atuais e ex-ministros do governo nacional e estadual. "Tem experiência no governo, ganhou eleições, é dura, foi ministra do Interior [no Sarre], sabe afirmar-se e tem um coração com pendor social", disse o antigo ministro do Interior Thomas de Maiziere.

Tem também a preferência de algumas organizações partidárias, como a CDA, Associação dos Trabalhadores Democratas-Cristãos, que marca presença no congresso com 250 delegados.

Na disputa entre os dois principais candidatos não caiu bem o apoio público do presidente do Bundestag (Parlamento alemão), Wolfgang Schäuble, a Friedrich Merz. Em resposta, o ministro da Economia, Peter Altmeier, mostrou a sua "surpresa" pelo gesto do ex-ministro das Finanças. "Uma vez que Wolfgang Schäuble rompeu o silêncio, posso dizer: estou convencido de que, com Annegret Kramp-Karrenbauer, temos a melhor hipótese de unir a CDU e de ganhar as eleições."

As primeiras sondagens davam preferência a Merz, de 63 anos, que é visto como o mais competente, mas Kramp-Karrenbauer tomou a dianteira e é também vista como a mais credível, mais simpática e quem representa melhor os interesses do cidadão comum.

Merz, viragem à direita

Friedrich Merz, afastado por Merkel da liderança do grupo parlamentar em 2002 por ela própria, acabou por abandonar a vida política há dez anos. O advogado é hoje um bem-sucedido administrador de empresas, em especial da filial alemã do banco de investimento BlackRock.

Se AKK representa a continuidade de uma política pragmática e centrista, apesar de ter posições mais conservadoras do que Merkel, Merz promete a rutura. As suas ideias são mais liberais do ponto de vista económico, mas mais conservadoras nos temas sociais, a ponto de ser comparado com Donald Trump.

Quer competir com o eleitorado da AfD, o partido de extrema-direita que não para de subir nas eleições. Como Jens Spahn, é adepto de uma política de imigração mais fechada. "A abertura das fronteiras não pode ser um convite para permitir um afluxo não controlado à Alemanha, sobre o qual ainda hoje não recuperámos o controlo. Ainda há de 200 mil a 250 mil migrantes na Alemanha cujo paradeiro e origens desconhecemos", afirmou.

Também faz parte do seu discurso declarações como a "lei da sharia não vai existir em solo alemão", num claro piscar de olho ao eleitorado antimigração.

Merz propõe ainda a entrada do Estado no mercado bolsista para "criar uma melhor riqueza e acumulação de capital a longo prazo para os agregados familiares" e um suplemento à poupança-reforma.

Já Kramp-Karrenbauer prefere, para já, fazer um discurso virado para o partido, ao afirmar que é "profunda conhecedora do partido" e que tem experiência em vencer eleições "mesmo contra ventos adversos", uma referência à sua reeleição no Sarre quando o SPD liderava as sondagens.

Além de darem sinais opostos para os trabalhadores que se manifestavam em Hamburgo, não é indiferente a Merkel quem sai do congresso no cargo de presidente da CDU. Quando, no fim de outubro, anunciou que iria deixar a liderança do partido, afirmou que mantinha o compromisso de completar a legislatura, até 2021. No entanto, se Merz for o vencedor é de esperar que a vingança se sirva, 16 anos depois.

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