Ferreira de Oliveira, o gestor que alargou os horizontes da Galp
Engenheiro de formação, mas gestor de carreira, Manuel Ferreira de Oliveira dedicou grande parte da vida profissional à indústria do petróleo, dentro e fora do país. Em 1995 assumiria os destinos da então Petrogal, pondo em marcha um plano que levaria a empresa, até então limitada à atividade de refinação e distribuição, a entrar na produção de petróleo.
"Foi uma aposta ambiciosa e bastante ousada tentar que a Petrogal ganhasse presença na produção. A verdade é que conseguiu", diz Nuno Ribeiro da Silva, presidente da Endesa Portugal, que o conheceu quando era secretário de Estado da Energia. Ferreira de Oliveira apostou na prospeção e exploração de gás e petróleo em regiões como Angola, Moçambique e Brasil, incluindo em águas profundas. "E hoje o grande valor da empresa está nesses ativos a montante", adianta Nuno Ribeiro da Silva.
O presidente da Endesa sublinha, ainda, que "a ele se deve o grande investimento na reabilitação das refinarias de Leça da Palmeira e de Sines. Agarrou essa batalha e, se não o tivesse feito, hoje essas refinarias estariam anacrónicas".
Ferreira de Oliveira, nascido em 1948, sairia da Petrogal em 2000, altura em que passaria a liderar a cervejeira Unicer (hoje Super Bock Group). Porém, seis anos depois, voltaria para o setor de que tanto gostava e no qual tanto tinha investido, também no estrangeiro - entre 1980 e 1995, trabalhou na Venezuela e no Reino Unido, em várias empresas ligadas à indústria petrolífera, como a PDV - Petróleos de Venezuela e a BP. O regresso à indústria petrolífera deu-se em 2006, quando assumiu a presidência executiva da Galp Energia, onde cumpriu três mandatos.
Abandonaria a empresa em 2015, em divergência com o acionista Américo Amorim. Ferreira de Oliveira defendia a abertura do capital da Galp para conseguir meios e recursos para sustentar a aposta na produção, mas o empresário do norte rejeitava esse caminho para não perder o controlo da petrolífera. Ferreira de Oliveira perdeu o braço-de-ferro.
Depois de sair da Galp, o gestor de Oliveira de Azeméis criou e liderou, em parceria com fundos, uma sociedade de investimentos na área da sua eleição, a PetroAtlantic. A empresa pretendia investir na produção de petróleo e gás natural no triângulo atlântico da lusofonia. Em 2016, a companhia chegou a liderar a corrida para a aquisição de três poços em águas profundas (offshore), no Brasil, que a brasileira Petrobras tinha postoo à venda.
Mais recentemente, entre 2016 e 2019, Ferreira de Oliveira foi presidente da comissão de nomeações, avaliação e remunerações da Caixa Geral de Depósitos.
Quem o conheceu destaca o rigor e a exigência (teimosia para alguns), o elevado profissionalismo e a capacidade para ensinar e comunicar.
"Guardo uma excelente memória dos momentos que partilhámos", diz Paulo Macedo, presidente executivo da Caixa Geral de Depósitos, ao Dinheiro Vivo. "Foi sempre exigente nos cargos que desempenhou, encarando de frente os desafios que teve de enfrentar ao longo da sua vida profissional", frisa.
Também o ministro das Finanças, que tutela a CGD, reagiu à morte do ex-presidente da Galp. "Lamento profundamente o desaparecimento do professor Ferreira de Oliveira", afirmou Mário Centeno, numa declaração incluída numa nota enviada à agência Lusa. "Portugal perde uma das suas mentes mais brilhantes e esclarecidas, com quem tive a felicidade e a honra de trabalhar nestes últimos quatro anos", prosseguiu o governante, expressando as suas condolências à família. "No momento do desaparecimento do professor Manuel Ferreira de Oliveira, o Ministério das Finanças destaca a sua carreira profissional preenchida, como gestor de excelência em diversas áreas, com destaque para o setor energético", refere o ministério, na nota, agradecendo "todo o seu empenho e trabalho nas funções que mais recentemente desempenhou como presidente da comissão de nomeações, avaliação e remunerações da CGD".
Carlos Tavares, ex-ministro da Economia e atual presidente do Banco Montepio, lamenta a perda de "um excelente gestor mas, acima de tudo, de um homem de bem", avança ao Dinheiro Vivo. "O engenheiro Ferreira de Oliveira foi um grande e digno profissional, que prestou relevantes serviços ao país num setor e numa época muito difíceis", acrescenta. "Quando fui ministro da Economia pude beneficiar dos seus conhecimentos e conselhos, que vieram a revelar-se muito valiosos." Carlos Tavares sublinha ainda que Ferreira de Oliveira "teve sempre um espírito independente e rigoroso".
O presidente da CIP - Confederação Empresarial de Portugal, António Saraiva, destaca "o elevado profissionalismo" de Ferreira de Oliveira, bem como "a obra que foi deixando" nas empresas por onde passou, sublinhando o valor que o gestor sempre trouxe ao capital das empresas que liderou. António Saraiva sublinha ainda que Ferreira de Oliveira era "muito discreto" e gostava de "fazer mais do que mostrar que fazia". "Era uma pessoa de trato fácil e afável", recordou.
Para o presidente da AESE Business School, José Ramalho Fontes, Ferreira de Oliveira deixou ao país "uma enorme criação de valor", sobretudo na área petrolífera. "Fomos colegas na universidade", recordou, frisando que, ao longo das últimas décadas, foi trocando com Ferreira de Oliveira "impressões sobre gestão e sobre a AESE".
"Era uma pessoa extremamente inteligente e comunicativa, com uma enorme sensibilidade para as pessoas, uma a uma", afirmou. Destacou "a sua visão global, estratégica para o detalhe, sem esquecer o seu traço de engenheiro, o que era um pouco incómodo, por vezes".
José Ramalho Fontes privou de perto com Ferreira de Oliveira. "A sua relação com a doença, ao longo dos últimos três anos, foi muito intelectual, de análise científica. Encarou-a sempre com grande objetividade. Só nos últimos tempos começou a pensar que podia acontecer isto. Tinha intuído", revelou ao Dinheiro Vivo.
José Ramalho Fontes diz ainda que o gestor "era muito racional, mas também muito delicado. Podia ser duro mas era uma pessoa muito delicada. Era muito racional, mas com uma grande ternura pela sua esposa, os filhos e as netas", adianta. "Era muito dedicado à família."
António Comprido, secretário-geral da APETRO, recorda o papel do gestor na revitalização da associação que representa as empresas petrolíferas. Foi Manuel Ferreira de Oliveira que, no final dos anos de 1990, lhe deu um novo impulso, quando liderava a Petrogal, considera António Comprido, secretário-geral da associação. "O engenheiro Ferreira de Oliveira tornou a associação uma voz ouvida e respeitada, o mérito foi dele", disse ao Dinheiro Vivo.
António Comprido recorda o "homem de trato fácil, delicado e de imensa elegância". Considera que o gestor "marcou claramente a indústria petrolífera em Portugal", pelo seu percurso internacional, e pelo seu trabalho na Galp Energia. "Lançou a Galp como verdadeira empresa internacional, com a aposta no Brasil. A Galp hoje é uma empresa média a nível internacional, e a muito se deve ao engenheiro Ferreira de Oliveira."
Mas quem fala de Manuel Ferreira de Oliveira não deixa passar o seu gosto pelo ensino. Foi professor catedrático da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), ligação que manteve sempre, fazendo parte do seu Conselho de Curadores desde 2015.
"Um professor fantástico que desfrutava, não só porque explicava bem mas porque gostava de ensinar", salienta o presidente da AESE.
Também Nuno Ribeiro da Silva destaca essa "outra valência, a parte universitária, académica, a grande disponibilidade e estímulo para os estudantes. A Galp deve ser a empresa com mais protocolos com universidades", diz Ribeiro da Silva. Explica o presidente da Endesa que Ferreira de Oliveira "criou uma escola" na Petrogal, tendo ir buscar técnicos à Partex, uma empresa privada com muito know-how no setor petrolífero, para formar recursos.
Numa entrevista em 2016, questionado sobre quão realizado se sentia como gestor, de 1 a 10, Manuel Ferreira de Oliveira respondeu: "Sete, porque já tenho uma carreira longa (...). Mas 10... ainda falta uma escalada. Apesar da minha idade ainda penso tudo fazer para subir mais uns degraus", disse ao Portal da Liderança. A exigência acompanhou-o até ao fim.