Salário mínimo no Estado parte à frente do privado, mas até pode ficar para trás

No privado, parte-se de uma remuneração mínima de 600 euros. No público, de 635. Mas o curso das negociações das próximas semanas pode aproximar os valores ou, no limite, alterar mesmo as posições relativas.
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Partem de posições diferentes, mas podem voltar a ficar próximos. Depois de, neste ano, ter deixado de estar ligado à evolução do salário mínimo nacional, o salário mais baixo da função pública está agora nos 635,07 euros, mais de 35 euros à frente da retribuição mínima que passou assim a valer apenas para o setor privado. As negociações são separadas, mas vão correr praticamente em paralelo ao longo das próxima semanas. E, no final, não é certo qual destes salários mínimos ficará a valer mais.

O Conselho Permanente de Concertação Social inicia esta quarta-feira as negociações para decidir a retribuição mínima no setor privado com 750 euros no horizonte de quatro anos, de acordo com o programa do governo. Mas, para já, a tarefa é acertar um valor para 2020. A UGT é o único parceiro com meta pública já para o próximo ano: 660 euros. Já a CGTP mantém ainda o foco na legislatura completa, para a qual pede 850 euros. Entre as organizações patronais, a CIP também mantém o horizonte a quatro anos. Em entrevista recente ao Jornal de Negócios e Antena 1, o presidente, António Saraiva, considerou "razoável" chegar aos 700 euros em 2023.

Já as negociações quanto à atualização salarial na função pública arrancarão um pouco mais tarde. A ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública, Alexandra Leitão, começa amanhã a reunir-se durante a tarde com os sindicatos da Administração Pública. O calendário negocial virá depois, mas o rumo para 2020 está traçado no programa do governo. Os salários serão atualizados em função da inflação, que o Ministério das Finanças prevê por agora que fique em 1,6% segundo o esboço de proposta de Orçamento do Estado enviado à Comissão Europeia (o Banco de Portugal previa 1,2% em junho e avança nova projeção só a 17 de dezembro; a OCDE está a projetar 1,3%).

Caso venha a ser este o valor aplicar, o salário de entrada para assistentes técnicos e assistentes operacionais, o escalão mais baixo da função pública, passará aos 645,23 euros. E poderá acabar por ficar bastante mais próximo do salário mínimo nacional, num cenário de um faseamento proporcional de subidas até aos 750 euros. Aí, o salário mínimo poderia chegar aos 637,5 euros no próximo ano.

Mas o indicador de inflação para os salários da função pública pode ser também menor (2019 deverá terminar com 0,4% de inflação, segundo o Banco de Portugal) e ditar uma subida no Estado inferior à do privado. Ou, noutro limite possível, o salário mínimo nacional de 2020 poderá ter um aumento mais baixo que os 37,5 euros e continuar assim a ficar aquém da primeira posição remuneratória da função pública.

Sem condicionantes

Para as estruturas que representam os trabalhadores na definição do salário mínimo nacional - e, por via das organizações filiadas, também naquela que será a primeira atualização dos salários da função pública desde 2009 - um e outro salário mínimo são, no entanto, questões que não se tocam, nem se influenciam.

"São duas coisas distintas", defende Arménio Carlos, o secretário-geral da CGTP. Para intersindical, o importante é que todos os salários subam, mesmo que o da função pública se venha a manter mais elevado. "Não há nenhuma condicionante para que o Estado não possa dar o exemplo e, neste caso concreto, definir salários superiores para os seus trabalhadores. Tal como no setor privado não existe nenhuma condicionante que impeça as empresas de pagar acima do salário mínimo nacional. O que entendemos é que os salários têm de aumentar. Não vamos entrar na discussão de se uns têm mais ou se os outros têm menos. Todos ganham muito mal".

O secretário-geral adjunto da UGT lembra também que "na Concertação Social só está em cima da mesa o setor privado". "Não condicionamos uma coisa com a outra", assegura. E dá o exemplo: "No ano passado até aconteceu uma coisa curiosa. Estávamos nós a discutir o salário mínimo e estava o ministro das Finanças a anunciar os 635 euros para a função pública". O salário mínimo nacional não foi além dos 600 euros.

Apesar disso, Sérgio Monte põe de parte uma subida de salário mínimo que fique abaixo dos 645 euros a que parece, neste momento e com base nos dados do governo, estar atada a negociação na função pública. "O salário mínimo tem que aumentar forçosamente acima deste valor". O responsável da UGT justifica lembrando a ausência de atualizações do salário mínimo durante os anos da troika. "Se não tivesse estado congelado estaria neste momento nos 638,8 euros".

Já entre os sindicatos que representam os trabalhadores da função pública, a ideia de um valor de primeira posição remuneratória abaixo do salário mínimo nacional surge como "inaceitável". Mas, em tese, poderá sempre acontecer. Desde este ano, a tabela remuneratória da função pública deixou de ter como patamar mínimo de retribuições o salário mínimo nacional - e a legislação deste deixou igualmente de fazer menção ao emprego de vínculo público. O objetivo do governo foi porém o de colocar o valor para entrada no Estado acima do privado, lembra José Abraão, secretário-geral da Fesap, na órbita da UGT. Mudar, diz, seria "andar para trás".

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