Trump em visita ao estado a que a Inglaterra chegou
Trump em Londres. A visita era de Estado mas rapidamente se viu que não. As visitas de Estado são a mais alta forma de contacto diplomático entre duas nações. Porém, logo se baixaram as expectativas, Estado caiu para estado e tudo passou a ser feito em letras pequeninas: visita de estado de negação (a velha Albion a abdicar do que foi). Enfim, visita ao estado a que chegaste, poderosa e orgulhosa Grã-Bretanha!
No limite, uma visita como os reis ingleses faziam antigamente às suas colónias. Certo, Trump foi ao Palácio de Buckingham, mas também a rainha Isabel II foi à palhota do então chefe tribal da Bechuanalândia, nas vésperas da independência. Nessa altura, a rainha aconselhou-o a tornar-se o primeiro presidente do Botswana.
Donald Trump, ainda estava no avião, também distribuiu conselhos. Pegou no altifalante (chama-se Twitter, hoje em dia), apontou para Sadiq Khan, o mayor da cidade que o ia receber, e chamou-lhe: "um falhado à quinta casa" ("a stone cold loser"). E, para o caso de não o terem percebido, acrescentou: "Kahn lembra-me muito o nosso muito estúpido e incompetente mayor de Nova Iorque, De Blasio." Poderia parecer diplomacia a todos os azimutes - Trump ofende tanto os mayors estrangeiros como os mayors compatriotas -, mas há subtilezas: o nome do estrangeiro foi mal escrito, é Khan, não "Kahn", já o do americano foi bem escrito, é mesmo Bill de Blasio. Com Trump é sempre "America First".
No Air Force One, o presidente americano encerrou os seus tweets assim: "Agora vamos aterrar!" Como quem diz, agora a tática é mais terra-a-terra. Bwana aterrou e pôs-se logo a dar ordens aos indígenas. Apontou para o mais branco dos aborígenes, o mais louro deslavado como se se tratasse de um filho dileto de si próprio, e proclamou: "Este é que é!" O Partido Conservador, que teve nove por cento nas últimas e recentíssimas eleições mas governa sempre, vai escolher novo líder, há 12 candidatos. E o presidente americano, que governa sempre e agora até mais, pois designa o governador das ilhas caribenhas entre o canal da Mancha e o mar da Irlanda, já disse quem deve ganhar: Boris Johnson.
Poderia pensar-se que é por "American First" que Trump ama Boris. Este nasceu em Nova Iorque e teve a nacionalidade americana. Mas o que deve ter convencido Trump é Boris Johnson ter sido americano e ter renunciado à dupla nacionalidade em 2016 porque não quis pagar impostos na América. Não se discute se ele estava certo ou não, facto é que não há nada que comova mais o presidente americano, nada que lhe toque mais fundo, até ao bolso, do que poder fugir a impostos. Daí a desmedida admiração de Trump pelo seu indígena preferido.
Eleição acabada no Partido Conservador inglês - ainda não se começou a votar e o resultado só se saberá em julho, meras formalidades -, Donald Trump tratou da atual governante do Reino Unido. Até agora, Theresa May tinha sido desconsiderada pela forma como cuidou do quintal. Trump achava-a desleixada por negociar com a União Europeia, em vez de bater com a porta.
Desta vez, Bwana foi condescendente e ontem até jantou com Theresa May. O presidente americano prometeu um "acordo comercial extraordinário" e até o estendeu ao NHS, o serviço de saúde britânico. Reparem como isto está tudo ligado: no referendo do Brexit, em 2016, o admirado Boris Johnson e Nigel Farage (o criado do quarto de Trump) prometeram que os milhões ganhos com a saída da UE iriam para o NHS. Anunciaram isso em autocarros vermelhos que se passearam por Londres. No dia seguinte ao referendo, Boris e Farage confessaram que a promessa era uma brincadeirinha.
Desta vez, o "acordo comercial extraordinário" entre a metrópole e a colónia é mesmo a sério. Os jornais, que são todos vendidos e mentirosos, é que não querem mostrar as provas. Durante o jantar, Bwana Trump mostrou à ainda chefe tribal May o que tinha para oferecer. Um deslumbramento: pedrinhas de vidro, panos estampados, whisky marado destilado nas montanhas do Kentucky... "Great!", dizia o Grande Chefe alourado deslavado de cada vez que mostrava uma bugiganga. May dizia que sim com cabeça, derrotada, conformada. Foi ontem.
Amanhã, 6 de junho, Dia D, o dia!, faz 75 anos que a América, a Inglaterra e a Europa se abraçaram. Há datas que às vezes não celebram, confirmam a decadência.