Uns mais iguais do que outros
Todos os anos, 50 milhões de euros do Orçamento do Estado são usados para compensar as universidades públicas pelo desconto nas propinas que se vem fazendo aos alunos. Aos que não podem pagar os custos da escola e associados - que muitas vezes incluem deslocação, além de alimentação, casa, livros, etc. - e aos que podem, por igual.
Imagine-se o que poderíamos fazer com esse valor se o aplicássemos a apoiar jovens talentosos e com vontade de estudar que se afastam do ensino superior porque não têm como se sustentar. Quem lança o tema é o reitor da Nova de Lisboa, que critica a demagogia de uma lei das propinas que tem reduzido mensalidades sem olhar a quem, com prejuízo claro e sério daqueles que mereciam ser apoiados.
Infelizmente, este não é exemplo único de uma igualdade de régua e esquadro apenas temperada por discriminação ideológica e demagogia, que tem criado situações de profunda injustiça e desigualdade. Como a decisão de oferecer manuais escolares a todos os alunos... desde que estudem em escolas públicas - ignorando e discriminando todos os pais que fazem enormes sacrifícios para pagar a escola dos filhos. Sem vergonha e sem recuo, privilegia-se quem escolhe a oferta pública sobre a privada sem olhar quer a parâmetros de qualidade quer a rendimentos e situações individuais das famílias que dela usufruem.
Outros casos existem - muitos, cada vez mais - em que se decide com base na crença de que há uns que são mais iguais do que outros porque estão do lado que aqueles que decidem acham que é o correto. E que querem impor aos demais. Como as sucessivas desconsiderações e inacreditáveis discriminações de que o setor cultural tem sido alvo - quer nas regras para assistir a espetáculos quer no tipo de espetáculos que podem realizar-se, que este governo parece acreditar que é sua determinação escolher. Depois de ignorar durante meses os esforços do setor cultural para voltar a trabalhar, inclusivamente substituindo-se ao Estado na organização e concretização de eventos-bolha - cujos resultados continuamos à espera que governo e DGS façam o favor de partilhar -, decidiu-se por achómetro as regras que ditariam os limites da cultura.
Seguindo a pauta da ideologia que tem determinado que direitos dos cidadãos são para defender e quais os que devem ser desprezados, decidiu-se passar por cima daquilo que a Constituição consagra e pelo menos um terço da população portuguesa defende e proibir espetáculos tauromáquicos onde e quando todos os outros eventos culturais podem acontecer, mesmo que sujeitos a apertadas e injustificadas restrições.
Entre a demagogia e a cegueira de considerar que uns estão acima dos outros, que uns sabem melhor e aos outros resta obedecer, ataca-se boa parte da população portuguesa sem olhar para trás. Há quem ande feliz e contente porque partilham as ideias que servem de base às decisões. Não entendem, esses, que o ataque aos direitos de alguns e a ideologia associada às políticas públicas pode chegar a bater-lhes à porta, cortando a direito e amputando também as suas liberdades. É só uma questão de tempo até o desrespeito lá chegar.