À entrada da quarta presidência do Conselho da União Europeia, Portugal enfrenta um contexto diametralmente diferente das anteriores, marcado por três dimensões com impactos na execução do roteiro previsto..A primeira resulta do Tratado de Lisboa, fechado na presidência portuguesa de 2007, consolidando hierarquicamente um "ministro para as relações externas" da UE, o que diminui o espaço de manobra das presidências rotativas nessa área. Ora, essa era uma marca de água dos semestres liderados por Portugal, aproveitando a nossa agenda multirregional e a maximização política através de grandes eventos. Apesar disto, e bem do ponto de vista da marcação do interesse nacional/europeu, este semestre terá três cimeiras importantes, mesmo que duas delas venham a ocorrer em Bruxelas: União Africana, Índia e EUA projetam os interesses geopolíticos europeus num arco de equilíbrio com a passada ascendente de Pequim no pós-crise 2008, assumindo a expectativa de uma relação com Washington redesenhada numa base mais construtiva, desanuviada e equilibrada..Porém, a visão otimista sobre este ciclo pode sempre ser atropelada pelo que o antigo primeiro-ministro britânico, Harold Macmillan, apelidou de "oposição dos eventos", contrariedades mais ou menos inesperadas que determinam o sucesso político. Por exemplo, um descontrolo pandémico em cima de uma vacinação mais demorada, inviabilizando cimeiras presenciais; bloqueios parlamentares aos planos de recuperação económica, atrasando o desbloqueio de verbas comunitárias, que terão ainda de ser levantadas por emissão de dívida conjunta no segundo trimestre; ataques cibernéticos do exterior, minando uma presidência eminentemente digital..A segunda dinâmica resulta do momento histórico que representa a saída do primeiro Estado da UE. Esta novidade política, mesmo que não assente totalmente na competência da presidência rotativa, exigirá coordenação extra com a Comissão e o Conselho naquilo que previsivelmente marcará os próximos anos da relação com o Reino Unido: negociação setorial permanente, disputas jurídicas desgastantes. Um acrescento de valor político que Lisboa poderia dar ao pós-Brexit seria inaugurar um diálogo institucional entre UE, EUA e Reino Unido capaz de reconstruir este espaço estratégico, evitando condicioná-lo a ciclos eleitorais. É importante manter Londres politicamente perto de Bruxelas, Lisboa e Washington, dando assim escala triangular a eixos que marcarão a política internacional nesta década: combate às desigualdades, governação digital, alterações climáticas, ascensão chinesa e nacionalismos. Contudo, será novamente a "oposição dos eventos" a marcar o semestre, abrindo-se uma nova frente quando a ambição da Escócia em integrar a UE, contrariando Londres, resultar da vitória da proposta independentista nas legislativas de 6 de maio..A terceira dinâmica resulta do total desarrumo internacional que vivemos. O Brexit, o nível de desconfiança transatlântica, a tensão entre grandes potências, a fragmentação partidária e o avanço populista nas democracias, os limites das organizações internacionais e a desregulação da globalização acabam por moldar o contexto em que Lisboa e a UE se movem. Há alguns sinais de correção e vontade em desanuviar o ambiente, mas mais uma vez a "oposição dos eventos" pode fazer ouvir-se mais alto: pelos atropelos políticos, constitucionais e sociais com que Trump minará a administração Biden; pelo alcance neo-otomano das ações do perturbador turco no arco de vizinhança europeu; pelas respostas chinesas pouco construtivas após o recente passo dado pela UE, defraudando expectativas e alimentando brechas na coesão europeia..O plano português pode fazer todo o sentido, mas é normalmente Macmillan quem tem razão..Investigador