Alterações climáticas: "Nós temos uma ameaça à nossa sobrevivência"
A investigadora Joana Castro Pereira co-assina um estudo sobre o que leva a humanidade a negligenciar e a não agir perante este risco. Há um aumento do fosso entre a ciência e a ação política para lidar com o problema, conclui.
O futuro não se apresenta risonho, mas ainda é possível agir para evitar um cenário de alterações climáticas catastróficas. É esta a opinião da professora e cientista Joana Castro Pereira, coautora do estudo "Catastrophic climate change and forest tipping points: blind spots in international politics and policy". Neste trabalho, conclui-se que este é um risco sério e muito mais provável do que se supõe. O estudo fala mesmo numa catástrofe climática ainda durante este século, que "não está a ser tida em conta pelos decisores políticos", considera a investigadora da Universidade Lusíada do Porto e do Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova (IPRI-NOVA).

A professora e investigadora Joana Castro Pereira, co-autora do estudo sobre o risco de alterações climáticas catastróficas
© Cristiana Milhão / Global Imagens
O risco de catástrofe climática é mais provável do que se supõe, conclui o estudo que co-assina, "Catastrophic climate change and forest tipping points: blind spots in international politics and policy". Porquê?
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Em primeiro lugar, porque há várias evidências que nos demonstram que à partida já passámos a fronteira planetária relativa às alterações climáticas. Isto significa que muito provavelmente já passámos o limite entre as alterações climáticas incrementais (que são aquelas alterações climáticas em que há um aumento de 0,1 graus por década, e é isso que nós temos tido desde 1950) e as alterações climáticas perigosas. Portanto, já passámos esse limiar e entre 2030 e 2040 podemos entrar num cenário de alterações climáticas perigosas.
"Não há nada que nos dê a certeza de que as florestas vão continuar a funcionar como até aqui"
O que implica um cenário de alterações climáticas perigosas?
Que haja um aumento de temperatura global superior a 1,5 graus. A literatura [cientifica] não é muito clara nesse sentido, mas é algo entre 1,5 e os dois graus. O primeiro ponto é esse. À partida já passámos o limite entre alterações climáticas incrementais e as perigosas, que podem acontecer já em 2030, 2040. Um cenário de alterações climáticas perigosas implica uma maior frequência, uma maior intensidade de eventos climáticos extremos, aliás, como vimos agora no último relatório do IPCC - o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas das Nações Unidas, que saiu no mês passado. Para evitarmos um cenário de alterações climáticas perigosas temos de começar a reduzir drasticamente as emissões já a partir de 2020, que já está aqui ao virar da esquina. Depois é preciso ver que o planeta tem vindo a experienciar temperaturas recorde e mesmo um aumento de dois graus de temperatura pode conduzir-nos à passagem de pontos de não retorno do sistema terrestre. Ou seja, há determinados pontos do sistema terrestre que passando um determinado limite de temperatura poderão deixar de funcionar como funcionavam até aqui.
Um exemplo.
O artigo aborda essencialmente os grandes biomas florestais. Se a Amazónia, por exemplo, for desflorestada em cerca de 20%, 25%, a sua estrutura vegetal pode modificar-se por completo. Ou seja, a Amazónia pode transformar-se numa savana, pelo menos parte. Isto significa que a floresta passou o tal ponto de não retorno que não lhe permite regressar ao seu equilíbrio inicial. O sistema não consegue regressar ao seu equilíbrio anterior, deixa de funcionar como funcionava atualmente, acaba-se a resiliência do sistema em causa. Se a Amazónia se transformar numa savana, todo o carbono que estava armazenado na floresta vai ser libertado, e isso vai potenciar as alterações climáticas. Verificamos, analisando os artigos científicos de 2013 a 2017 sobre o assunto, que nada garante que as florestas mantenham a sua resiliência e que continuem a absorver carbono e a armazenar o carbono que lá têm. Não há nada que nos dê a certeza de que as florestas vão continuar a funcionar como até aqui.
"O Acordo de Paris é claramente insuficiente."
O que é que implica um cenário de alterações climáticas catastróficas?
Seria um cenário em que teríamos um aumento da temperatura global superior a três graus.
E o que é que acontece num cenário de alterações climáticas catastróficas?
De acordo com a literatura cientifica sobre riscos catastróficos globais, uma catástrofe global levaria à morte de, pelo menos, 10% da população mundial ou teria um impacto equivalente. Podemos ter vários tipos de catástrofe globais levadas a cabo por diferentes fatores: pandemias naturais, um desastre nuclear, etc. No caso em particular deste artigo, estamos a falar de uma catástrofe global levada a cabo por alterações climáticas, e aí entramos na área das alterações climáticas catastróficas. Implicaria, por exemplo, fortíssimos riscos para a segurança alimentar a nível global e regional, uma extinção de espécies muito substancial, um aumento significativo do nível dos mares, iríamos ter várias zonas que certamente ficariam submersas, e implicaria também, e esta perturba-me particularmente - não é que as outras não sejam graves -, que é o facto de num cenário deste género termos uma combinação de elevadas temperaturas com um elevado índice de humidade, o que pode fazer com que em determinadas zonas e em determinados momentos do ano, não seja possível estar fora de casa, porque não conseguiríamos respirar.
O Acordo de Paris não é uma ferramenta para minimizar estes riscos?
É claramente insuficiente para prevenir um cenário de alterações climáticas perigosas e, neste momento, é também insuficiente para evitar um cenário de alterações climáticas catastróficas, que como disse seria aquele cenário em que teríamos um aumento da temperatura global superior a três graus.
Por que razão é insuficiente?
O acordo é vinculativo, mas as metas de redução de emissões não são vinculativas, portanto a parte essencial não é obrigatória. Os países não têm obrigação nenhuma de levar a cabo uma redução significativa das suas emissões. Não há especificamente uma meta de redução de emissões neste acordo. Por que é que o acordo foi ratificado tão rapidamente? Porque ele é fraco. É fácil para os países assinarem-no e ratificarem-no. As metas de redução de emissão de cada país são voluntárias, cada país decide quanto deve reduzir.
E esses compromissos não chegam?
Se olharmos para o conjunto dessas metas, dessas promessas feitas pelos Estados, nós percebemos que se fossem todas cumpridas à risca, mesmo assim, a probabilidade de ficar abaixo dos dois graus é inferior a 10% e a probabilidade de ultrapassar os três graus no final de século, que é o tal limite que nos leva ao cenário catastrófico [de alterações climáticas], é superior a 50%.
Mas há uma meta global?
Não. Todos têm de reduzir tendo em mente que o objetivo é ficar abaixo dos dois graus, preferencialmente ficar em 1,5 graus. Além disso não existem no acordo ferramentas para punir as partes que não cumprem, não existem sequer sanções morais. Temos um nível de ambição e ao mesmo tempo estamos completamente desprovidos de ferramentas que nos permitam alcançar esse grau de ambição. Depois, devido à resistência de países como a China e a Índia, o sistema que está previsto no acordo para monitorizar a implementação das metas que foram prometidas pelos Estados é muito fraco, porque a China e a Índia consideram que um sistema mais forte é uma intromissão na sua soberania nacional. Portanto, temos um sistema fraco. Depois não existem datas estabelecidas no acordo para que os Estados alcancem o seu pico de emissões. O que nós vemos no acordo é "as soon as possible" [assim que for possível]. É tudo vago. É interessante ver que estamos em conversações desde 1992 e conseguimos chegar a 2015 e dizer "as soon as possible". O acordo também não faz referência ao fim dos subsídios aos combustíveis fósseis, que é outra coisa que tinha de lá estar e não está.
"É raro assumir-se que no final do século possamos ter um aumento da temperatura global superior a três graus."
Tudo isto conjugado demonstra que o risco de catástrofe climática é mais provável do que se pensa.
Há uma probabilidade muito significativa de no final do século termos num cenário de alterações climáticas catastróficas, mas isso não está a ser tido em conta pelos decisores políticos.

A professora e investigadora Joana Castro Pereira
© Cristiana Milhão / Global Imagens
O estudo fala mesmo numa catástrofe climática ainda durante este século...
Sim, até 2100. É uma probabilidade mais forte do que se assume, sem dúvida. Porque se olharmos para os debates políticos a nível internacional, é raro assumir-se que no final do século possamos ter um aumento da temperatura global superior a três graus. É raríssimo assumir-se isto e é errado.
Isso é uma consequência do aumento do fosso entre o que a ciência nos diz e a ação política que o estudo refere. Porque é que isto acontece?
Se olharmos para o Acordo de Paris e olharmos para as evidências das ciências naturais percebemos que há um fosso enorme.
Não há um compromisso?
Não há. Se nós vemos que as metas que foram acordadas pelos países, neste momento, têm uma probabilidade superior a 50% de levar a um aumento da temperatura global acima dos três graus no final do século, isto mostra aqui um fosso brutal entre aquilo que os cientistas nos dizem que está a acontecer e aquilo que a ação política deveria fazer.
Porque existe esse desfasamento tão grande?
Para que o poder político se mova verdadeiramente em relação a uma determinada questão é preciso, muitas vezes, que o público tome consciência da gravidade da situação para poder pressionar a esfera política. No entanto, o que acontece? E isto é algo que expomos no nosso artigo: há ou parece haver pelo menos nas sociedades ocidentais uma tendência, e isto já está estudado, para descartar a realidade quando é desagradável. E há também uma tendência para pensar positivo. Ou seja, na cultura ocidental há uma tendência para acreditar que o mundo caminha inevitavelmente rumo a um estado material e moral superior, e aqui no nosso artigo utilizamos as palavras de Chris Hedges, e ele diz que há uma ideologia de "progresso inevitável" que mina a nossa capacidade para levar a cabo mudanças profundas. Contudo, e não querendo enveredar pelo alarmismo que nos remete para a inércia, a verdade é que, na ausência de vigorosas ações, não há nada que nos garanta um futuro seguro. No artigo também expomos as palavras da escritora Margareth Atwood, de que a humanidade está "condenada pela esperança". Há uma tendência para acreditar sempre que tudo se vai resolver, a tecnologia vai resolver, qualquer coisa vai resolver e nós não vamos ter de mudar.
"Há três tipos de alterações climáticas: as incrementais, as perigosas e as catastróficas, e estas são sempre negligenciadas. E é sobretudo negligenciado que há uma probabilidade de em 2100 o mundo entrar num cenário deste género."
O que leva a humanidade a negligenciar e a não agir perante o risco da catástrofe climática, conforme conclui o estudo?
De facto, as pessoas tendem a ser demasiado otimistas quanto ao futuro e a acreditar que o problema se vai resolver de alguma forma.
Se o cidadão não agir, a ação política também não promove medidas para minimizar o problema?
Sim, porque os governos movem-se muito por aquilo que é a pressão da opinião pública. Portanto, se a opinião pública não está consciente disto ou não tem interesse em pressionar o poder político em relação à questão é complicado.
Por que razão o cidadão não pressiona para a mudança?
É preciso perceber, por exemplo, que os indivíduos tendem, e isto é algo que está estudado pela psicologia, a negligenciar questões de elevada magnitude, porque alimentam um sentimento de impotência que leva à desmobilização. Uma pessoa que se depara com uma situação que tem uma dimensão muito grande pensa: "Bem, o meu contributo não vai fazer diferença." Então, não age. Depois também é preciso ter em conta algo que é o seguinte: os indivíduos tendem mais a agir se o alvo da ação for descrito em pormenor, se esse alvo tiver um rosto, porque isso estimula sentimentos de compaixão. A natureza é um sujeito extremamente vasto, não tem um rosto propriamente dito, o que torna difícil criar nos indivíduos compaixão pelo meio ambiente, o que faz que as pessoas não se movam nesse sentido. Os indivíduos tendem a preocupar-se muito mais com algo que já viram ou que já experienciaram. Como ainda não experienciaram nenhuma catástrofe global não têm noção da dimensão nem da gravidade de algo deste género e, portanto, a sua preocupação é limitada. Isto na psicologia chama-se disponibilidade psicológica. Todos estes fatores levam, claramente, a uma negligência da opinião pública em relação ao problema e, consequentemente, a uma negligência por parte da esfera política.
As pessoas não estão conscientes do risco de catástrofe climática, mas há cada vez mais informação sobre as alterações climáticas. Não é uma contradição?
Informação há, o que não há é uma informação específica sobre a subdivisão das alterações climáticas catastróficas.
Estamos na era da informação e depois há esta falta de ação de consciencialização quando praticamente todos os dias se fala em alterações climáticas.
Uma coisa é falar das alterações climáticas e outra coisa é falar das alterações climáticas catastróficas, e não se fala habitualmente de alterações climáticas catastróficas. Esse é um ponto, mas depois há outros que podemos destacar que tornam difícil para a humanidade lidar com a perspetiva de um cenário deste género e com as suas características e consequências. Algumas têm que ver com as questões psicológicas que já referi.
"É preciso que a opinião pública se mobilize. É preciso perceber de uma vez por todas que a natureza e a sociedade não são duas entidades separadas."
Mas praticamente quase todos os dias se fala nos riscos que advêm das alterações climáticas.
Há três tipos de alterações climáticas: as incrementais, as perigosas e as catastróficas, e estas são sempre negligenciadas. E é sobretudo negligenciado que há uma probabilidade não negligenciável de em 2100 o mundo entrar num cenário deste género, e isso não é normalmente abordado. Depois é preciso perceber que há uma série de limitações cognitivas, que fazem que não consigamos lidar bem com a questão, isto porque o cérebro humano está programado, digamos assim, para processar correlações lineares. As nossas mentes não estão preparadas para dar sentido a mudanças repentinas, rápidas e exponenciais, como as que podem ser desencadeadas ultrapassando-se pontos de não retorno. É difícil para o cérebro humano lidar com estas características porque nós estamos mesmo programados para lidar com correlações lineares.
E as instituições políticas...
Depois toda a lógica das instituições políticas que temos baseia-se na estabilidade ambiental. Isto porque nós até há relativamente pouco tempo vivíamos no holoceno, era uma época geológica de grande estabilidade ambiental. Foi essa estabilidade ambiental que permitiu que as sociedades se devolvessem e chegassem àquilo que são hoje. No entanto, as ações do homem levaram a que o mundo entrasse numa nova época geológica - o antropoceno -, que é exatamente o oposto do holoceno. O antropoceno é uma época de grande instabilidade, de grande complexidade, de grande incerteza, o que desafia não só a nossa lógica mental como desafia o nosso sistema político-legal por inteiro. É preciso perceber que o ambiente já não é estável. E se as alterações climáticas continuarem a avançar, e tudo indica que sim, ainda será mais difícil dizer que o ambiente é estável. Não é.
Então o que é preciso para fazer mudar esta realidade?
Que as nossas instituições se adaptem e consigam lidar com questões de muito maior complexidade, de muita incerteza. Neste momento não se vislumbra que as instituições que nós temos sejam capazes de o fazer, porque ainda estão naquela lógica do holoceno. É difícil prever que isso possa acontecer pelo menos num curto prazo.
"Desta vez, o inimigo somos nós"
E o que é preciso fazer para mudar a ação política?
É preciso que a opinião pública se mobilize. É preciso perceber de uma vez por todas que a natureza e a sociedade não são duas entidades separadas. É preciso perceber que desta vez temos uma ameaça existencial e que essa ameaça existencial não advém de nenhum fator externo, advém do nosso modo de vida, de toda a nossa lógica organizacional.
Acredita que é isso que vai acontecer, uma catástrofe?
Eu não acredito de todo que haja até ao final do século um cataclismo como a extinção da espécie humana, por conta das alterações climáticas. Isso não acredito. Mas olhando para um horizonte temporal mais longínquo, o que é preciso perceber é isto: nós temos uma ameaça à nossa sobrevivência, que não advém de nenhum inimigo externo. Desta vez, o inimigo somos nós. Ou nós modificamos a nossa lógica de funcionamento ou será muito difícil alterar o que quer que seja.
O que deve fazer o cidadão?
Tem de demonstrar ao poder político que isto é uma forte preocupação e que está, e esta parte é difícil, aberto a que haja mudanças profundas em toda a lógica de funcionamento da sociedade.
"Não há, neste momento, nenhum país no mundo no bom caminho para evitar e/ou para gerir o risco climático catastrófico."
A mudança tem de começar então a partir do indivíduo?
Claro que tem de haver uma conjugação de fatores políticos, mas também tem de haver aqui um papel ativo por parte dos cidadãos, sem dúvida. Nunca irei advogar que só os cidadãos podem modificar tudo. Não é isso. Tem de haver aqui um equilíbrio.
Portugal está no bom caminho em minimizar os efeitos das alterações climáticas?
Penso que não há, neste momento, nenhum país no mundo no bom caminho para evitar e/ou para gerir o risco climático catastrófico. Não é só Portugal.
O que espera da 24ª Conferência da Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climática (COP24), que está a decorrer na Polónia?
A COP24 é importante, pois é suposto que, durante a conferência, se definam direções e diretrizes para tornar o Acordo de Paris operacional, ou seja, o chamado "Livro de Regras" para o Plano de Trabalho do Acordo de Paris; sejam dados claros sinais de que os países irão fortalecer os seus compromissos de redução de emissões até 2020; e se fomente a confiança de que o financiamento necessário para auxiliar os países em desenvolvimento a mitigar o problema e a adaptar-se ao problema será transferido.
O que a surpreendeu neste estudo?
O estudo foi feito no âmbito de um pós-doutoramento que fiz na Universidade de Brasília. Quando comecei a ver a literatura das ciências naturais percebi que há muitos autores que falam da possibilidade de as florestas estarem a perder a sua resiliência e de poderem ultrapassar os seus pontos de não retorno até ao final do século. O facto de nada disto ser tido em conta na esfera política foi algo que me surpreendeu.
Como chegou a esta área de investigação?
Licenciei-me em Línguas e Relações Internacionais na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP). Quando estava a terminar a minha licenciatura falei com os meus professores para pedir uma orientação relativamente ao meu mestrado. Aquilo que os meus professores me disseram foi que devia enveredar diretamente pelo doutoramento. Portanto, entrei no doutoramento em Relações Internacionais com 21 anos. Entrei na Universidade Nova de Lisboa, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, em 2009. Até 2010, o ambiente não me dizia absolutamente nada. Quando entrei em doutoramento não era para abordar questões ambientais, a minha ideia era algo relacionado com a pobreza. No entanto, mais tarde li um artigo do professor Eduardo Viola, que é coautor deste estudo, sobre o papel do Brasil na política ambiental internacional. Eu li e posso dizer que mudou a minha carreira académica. Achei superinteressante e nesse momento decidi: a minha tese não vai ser sobre pobreza, mas sobre questões ambientais, mais especificamente alterações climáticas, e depois concentrei toda a minha investigação no Brasil, que é um ator que tem muita importância, sobretudo a Amazónia, a nível mundial.
Terminou o doutoramento com 25 anos e nunca parou de investigar na área.
De janeiro de 2017 até abril deste ano estive a fazer um pós-doutoramento na Universidade de Brasília com o professor Eduardo Viola como meu orientador, e este artigo é precisamente um resultado dessa investigação que estive a fazer no meu pós-doutoramento.
O que a atrai nesta área de investigação das alterações climáticas?
É a sua globalidade e o facto de o ambiente ser aquela área que nos demonstra - isto é um bocadinho romântico - que não há fronteiras. É o que me atrai mais nessa área. É precisamente essa noção de que as questões ambientais não podem de todo ser solucionadas por um só Estado, elas exigem uma ação coordenada a nível global. É isso que me atrai tanto nesta questão, e também a sua complexidade.
"Em relação às alterações climáticas catastróficas podemos perfeitamente evitá-las. Mas para as evitar temos de agir"
Sente que é uma batalha perdida?
Se pensarmos naquilo que é um cenário de alterações climáticas perigosas, penso que sim, que será extremamente complexo alcançar, por exemplo, a meta dos 1,5 graus. Por tudo aquilo que já estudei, não acredito que sejamos capazes de as evitar porque isso exigiria que já a partir de 2020 houvesse uma mudança profundíssima, uma redução muito intensa das emissões. Sinceramente não estou a ver que daqui até 2020 isso aconteça e que tudo ocorra de uma forma tão favorável e imediata, o que também poderá potenciar o uso de algumas tecnologias no âmbito da geoengenharia, as quais, por sua vez, acarretarão novos riscos e introduzirão incerteza acrescida.
E acha que podemos evitar um cenário de alterações climáticas catastróficas?
Em relação às alterações climáticas catastróficas podemos perfeitamente evitá-las. Mas para as evitar temos de agir. O que acho que não pode ser evitado é um cenário de alterações climáticas perigosas.
Tem esperança de que haja uma maior consciencialização não só dos cidadãos mas também da esfera política?
Eu tenho esperança porque por natureza sou uma pessoa otimista. Mas quando analiso os factos não consigo estar muito otimista. Quando analisamos o cenário político internacional no que diz respeito às negociações ambientais, especificamente às climáticas, percebemos que a lógica que prevalece é a soberanista. Os estados têm muita dificuldade em ceder a sua soberania, perder parte da sua soberania para termos uma ação efetivamente coordenada e global. Não consigo estar muito otimista olhando para o cenário político internacional, mas a catástrofe pode ser evitada, sim. E acho que essa é principal mensagem de esperança no meio de toda a problemática.