"É preciso naturalizar o facto de em democracia se poder pensar de maneira diferente", defendeu o líder da Unidas Podemos, Pablo Iglesias, numa entrevista à Telecinco. O problema é que o vice-primeiro-ministro pensa de maneira diferente do primeiro-ministro e líder da coligação de governo, o socialista Pedro Sánchez. E o tema do qual discordam é o futuro da monarquia e do pacto constitucional de 1978..Os escândalos em torno da ex-amante e das contas secretas de Juan Carlos, que levaram à decisão do rei emérito de deixar Espanha, estão a causar mais uma brecha na frágil coligação de governo - que está no poder desde janeiro..Sánchez defendeu na terça-feira que "o pacto constitucional está plenamente vigente" e que nele está incluída "a monarquia constitucional". Da mesma forma, lembrou que se há um crime - Juan Carlos está a ser investigado tanto em Espanha como na Suíça - este afeta o rei emérito, não a coroa enquanto instituição. "Julgam-se pessoas, não instituições", indicou, numa declaração em nome do governo que acaba por envolver os quatro ministros da Unidas Podemos..O primeiro-ministro procurava assim afastar as críticas expressas por Iglesias e pela Unidas Podemos à saída - que apelidaram de fuga - do rei emérito de Espanha. Um acontecimento que lhes serve de argumento para voltar a defender um debate sobre a forma do Estado, contando para tal com o apoio dos partidos independentistas..Duas repúblicas e o regresso à monarquia.Depois de duas curtas experiências de República (a primeira entre 1873 e 1874 e a segunda entre 1931 e 1939), Espanha voltou a ser oficialmente uma monarquia ainda durante a ditadura, com a aprovação em 1947 da Lei da Sucessão na Chefia do Estado, em que se estabelecia que Franco deveria ser líder vitalício e teria o poder de designar um sucessor - o que faria em 1969, designando Juan Carlos (neto do rei Afonso XIII, que a Segunda República derrubara, saltando o herdeiro natural, o seu pai, Juan de Borbón)..Uma vez morto Franco, em 1975, Juan Carlos foi proclamado rei e empreendeu as reformas políticas que acabaram com a ditadura e marcaram a transição espanhola para um regime constitucional, sendo contudo sempre percebido por parte da sociedade como o herdeiro do ditador. Espanha tornou-se "juancarlista" após a tentativa de golpe militar de 23 de fevereiro de 1981, quando o rei apelou à defesa da Constituição, desautorizando os militares golpistas..A popularidade da monarquia espanhola estava em queda quando, em 2015, o Centro de Investigações Sociológicas (CIS, oficial) perguntou pela última vez no seu barómetro sobre o grau de confiança que os cidadãos tinham nesta instituição - desde então a pergunta desapareceu. Em abril desse ano, já com Felipe VI no trono, a confiança era de 4,34 (numa escala na qual zero é nenhuma confiança e dez é muita confiança), um valor ligeiramente superior aos 3,72 do ano anterior quando Juan Carlos ainda era o rei. Em dezembro de 1995, era de 7,48..Segundo a sondagem Electomania, feita após o anúncio da saída do rei emérito de Espanha, o apoio à monarquia está no seu valor mais baixo, com 39,4%, frente a 55,5% de apoio à república..Sánchez e Iglesias republicanos.Na prática, tanto Sánchez como Iglesias são republicanos. "O PSOE é um partido historicamente republicano, mas constitucional", defendeu o então deputado socialista em 2014, aos microfones da RTVE, numa altura em que Juan Carlos se preparava para abdicar a favor do filho, Felipe VI, e o debate entre monarquia e república estava a ser feito dentro do partido socialista - é a organização de juventude do partido a mais ativa na defesa de um novo sistema..Dois anos depois, já secretário-geral do PSOE, Sánchez reiterava que era republicano, mas que se sentia "muito bem representado nesta monarquia constitucional". Numa entrevista à rádio Onda Cero, reiterava que para ele o republicanismo eram "valores"..Também é bem conhecida a posição de Pablo Iglesias sobre a monarquia. Em 2018, num artigo escrito no El País, defendia que a sua função histórica para a democracia espanhola - após décadas de ditadura e concluída com sucesso a transição - tinha perdido o seu sentido e lembrando que o sistema já só entusiasma um setor conservador, sendo cada vez mais incómodo aos progressistas..E criticava a posição de Felipe VI após o referendo ilegal na Catalunha, em outubro de 2017. "Uma nova república será a melhor garantia para uma Espanha unida sobre a base do respeito e da livre decisão dos seus povos e gentes", escreveu então. Os independentistas catalães são republicanos, ao contrário, por exemplo, do Partido Nacionalista Escocês, que no referendo de 2014 defendia a independência da Escócia mas com a continuação da rainha Isabel II no trono - e um outro referendo mais tarde sobre esta questão..Já no governo de coligação, onde é vice-primeiro-ministro para a Área Social, e no meio deste escândalo mais recente, enquanto os socialistas procuravam afastar Felipe VI de Juan Carlos, Iglesias deixava a mensagem: "É complicado ignorar que a monarquia é uma instituição hereditária na qual a legitimidade reside precisamente na filiação", indicou, defendendo um debate sobre a monarquia..Após a saída de Juan Carlos de Espanha, o líder do Podemos escreveu no Twitter: "A fuga para o estrangeiro de Juan Carlos de Borbón é uma atitude indigna de um ex-chefe de Estado e deixa a monarquia numa posição muito comprometida", defendendo que por respeito à cidadania e à democracia devia responder pelos seus atos em Espanha.."Um governo democrático não pode olhar para o outro lado e muito menos justificar ou saudar comportamentos que abalam a dignidade de uma instituição-chave que é a chefia do Estado e que são uma fraude à justiça", acrescentou numa outra mensagem, tendo também criticado o facto de Sánchez se esconder atrás do "segredo de confidencialidade" para não falar das negociações que terá mantido com o Palácio da Zarzuela (sem alertar o parceiro de governo ou a oposição) para a saída de Juan Carlos..Na entrevista na terça-feira à Telecinco , Iglesias disse contudo que não era "ingénuo" e que tem consciência de que a atual correlação de forças no Congresso não é favorável a uma reforma constitucional no curto prazo, mas mostrou-se confiante no movimento histórico. "Acho que mais tarde ou mais cedo os jovens deste país vão impulsionar uma república em Espanha", disse, lembrando ainda que já não é tabu falar de corrupção e do rei..Sobre as diferenças com Sánchez, deixou claro que "sobre a monarquia pensamos de forma diferente, mas estamos muito satisfeitos com o nosso trabalho no governo"..Pressão interna.Mas o facto de as declarações de Sánchez vincularem o resto do governo não está a cair bem no resto da Unidas Podemos, que inclui a Esquerda Unida (à qual pertence o Partido Comunista de Espanha), sendo que estes defendem a construção da Terceira República..Alberto Garzón, comunista e coordenador da Esquerda Unida, é ministro do Consumo e foi contido no Twitter. "A única coisa que cabe numa democracia do século XXI é investigar todas as operações suspeitas do cidadão Juan Carlos de Borbón, julgá-lo e revelar todos os responsáveis e cúmplices de uma trama que não pode ser tecida e mantida por uma só pessoa.".Mas a vertente catalã da aliança, liderada por Ada Colau, está a aplicar maior pressão. O grupo do En Comú Podem quer que a Unidas Podemos se junte às outras formações republicanas para exigir que a vice-primeira-ministra Carmen Calvo, que terá planeado da parte do governo a saída de Juan Carlos, seja ouvida no Congresso. "É inaceitável que os ministros e as ministras da Unidas Podemos e de En Comú Podem não estivessem informadas dos contactos da vice-primeira-ministra com a Casa Real", disse Ada Colau.
"É preciso naturalizar o facto de em democracia se poder pensar de maneira diferente", defendeu o líder da Unidas Podemos, Pablo Iglesias, numa entrevista à Telecinco. O problema é que o vice-primeiro-ministro pensa de maneira diferente do primeiro-ministro e líder da coligação de governo, o socialista Pedro Sánchez. E o tema do qual discordam é o futuro da monarquia e do pacto constitucional de 1978..Os escândalos em torno da ex-amante e das contas secretas de Juan Carlos, que levaram à decisão do rei emérito de deixar Espanha, estão a causar mais uma brecha na frágil coligação de governo - que está no poder desde janeiro..Sánchez defendeu na terça-feira que "o pacto constitucional está plenamente vigente" e que nele está incluída "a monarquia constitucional". Da mesma forma, lembrou que se há um crime - Juan Carlos está a ser investigado tanto em Espanha como na Suíça - este afeta o rei emérito, não a coroa enquanto instituição. "Julgam-se pessoas, não instituições", indicou, numa declaração em nome do governo que acaba por envolver os quatro ministros da Unidas Podemos..O primeiro-ministro procurava assim afastar as críticas expressas por Iglesias e pela Unidas Podemos à saída - que apelidaram de fuga - do rei emérito de Espanha. Um acontecimento que lhes serve de argumento para voltar a defender um debate sobre a forma do Estado, contando para tal com o apoio dos partidos independentistas..Duas repúblicas e o regresso à monarquia.Depois de duas curtas experiências de República (a primeira entre 1873 e 1874 e a segunda entre 1931 e 1939), Espanha voltou a ser oficialmente uma monarquia ainda durante a ditadura, com a aprovação em 1947 da Lei da Sucessão na Chefia do Estado, em que se estabelecia que Franco deveria ser líder vitalício e teria o poder de designar um sucessor - o que faria em 1969, designando Juan Carlos (neto do rei Afonso XIII, que a Segunda República derrubara, saltando o herdeiro natural, o seu pai, Juan de Borbón)..Uma vez morto Franco, em 1975, Juan Carlos foi proclamado rei e empreendeu as reformas políticas que acabaram com a ditadura e marcaram a transição espanhola para um regime constitucional, sendo contudo sempre percebido por parte da sociedade como o herdeiro do ditador. Espanha tornou-se "juancarlista" após a tentativa de golpe militar de 23 de fevereiro de 1981, quando o rei apelou à defesa da Constituição, desautorizando os militares golpistas..A popularidade da monarquia espanhola estava em queda quando, em 2015, o Centro de Investigações Sociológicas (CIS, oficial) perguntou pela última vez no seu barómetro sobre o grau de confiança que os cidadãos tinham nesta instituição - desde então a pergunta desapareceu. Em abril desse ano, já com Felipe VI no trono, a confiança era de 4,34 (numa escala na qual zero é nenhuma confiança e dez é muita confiança), um valor ligeiramente superior aos 3,72 do ano anterior quando Juan Carlos ainda era o rei. Em dezembro de 1995, era de 7,48..Segundo a sondagem Electomania, feita após o anúncio da saída do rei emérito de Espanha, o apoio à monarquia está no seu valor mais baixo, com 39,4%, frente a 55,5% de apoio à república..Sánchez e Iglesias republicanos.Na prática, tanto Sánchez como Iglesias são republicanos. "O PSOE é um partido historicamente republicano, mas constitucional", defendeu o então deputado socialista em 2014, aos microfones da RTVE, numa altura em que Juan Carlos se preparava para abdicar a favor do filho, Felipe VI, e o debate entre monarquia e república estava a ser feito dentro do partido socialista - é a organização de juventude do partido a mais ativa na defesa de um novo sistema..Dois anos depois, já secretário-geral do PSOE, Sánchez reiterava que era republicano, mas que se sentia "muito bem representado nesta monarquia constitucional". Numa entrevista à rádio Onda Cero, reiterava que para ele o republicanismo eram "valores"..Também é bem conhecida a posição de Pablo Iglesias sobre a monarquia. Em 2018, num artigo escrito no El País, defendia que a sua função histórica para a democracia espanhola - após décadas de ditadura e concluída com sucesso a transição - tinha perdido o seu sentido e lembrando que o sistema já só entusiasma um setor conservador, sendo cada vez mais incómodo aos progressistas..E criticava a posição de Felipe VI após o referendo ilegal na Catalunha, em outubro de 2017. "Uma nova república será a melhor garantia para uma Espanha unida sobre a base do respeito e da livre decisão dos seus povos e gentes", escreveu então. Os independentistas catalães são republicanos, ao contrário, por exemplo, do Partido Nacionalista Escocês, que no referendo de 2014 defendia a independência da Escócia mas com a continuação da rainha Isabel II no trono - e um outro referendo mais tarde sobre esta questão..Já no governo de coligação, onde é vice-primeiro-ministro para a Área Social, e no meio deste escândalo mais recente, enquanto os socialistas procuravam afastar Felipe VI de Juan Carlos, Iglesias deixava a mensagem: "É complicado ignorar que a monarquia é uma instituição hereditária na qual a legitimidade reside precisamente na filiação", indicou, defendendo um debate sobre a monarquia..Após a saída de Juan Carlos de Espanha, o líder do Podemos escreveu no Twitter: "A fuga para o estrangeiro de Juan Carlos de Borbón é uma atitude indigna de um ex-chefe de Estado e deixa a monarquia numa posição muito comprometida", defendendo que por respeito à cidadania e à democracia devia responder pelos seus atos em Espanha.."Um governo democrático não pode olhar para o outro lado e muito menos justificar ou saudar comportamentos que abalam a dignidade de uma instituição-chave que é a chefia do Estado e que são uma fraude à justiça", acrescentou numa outra mensagem, tendo também criticado o facto de Sánchez se esconder atrás do "segredo de confidencialidade" para não falar das negociações que terá mantido com o Palácio da Zarzuela (sem alertar o parceiro de governo ou a oposição) para a saída de Juan Carlos..Na entrevista na terça-feira à Telecinco , Iglesias disse contudo que não era "ingénuo" e que tem consciência de que a atual correlação de forças no Congresso não é favorável a uma reforma constitucional no curto prazo, mas mostrou-se confiante no movimento histórico. "Acho que mais tarde ou mais cedo os jovens deste país vão impulsionar uma república em Espanha", disse, lembrando ainda que já não é tabu falar de corrupção e do rei..Sobre as diferenças com Sánchez, deixou claro que "sobre a monarquia pensamos de forma diferente, mas estamos muito satisfeitos com o nosso trabalho no governo"..Pressão interna.Mas o facto de as declarações de Sánchez vincularem o resto do governo não está a cair bem no resto da Unidas Podemos, que inclui a Esquerda Unida (à qual pertence o Partido Comunista de Espanha), sendo que estes defendem a construção da Terceira República..Alberto Garzón, comunista e coordenador da Esquerda Unida, é ministro do Consumo e foi contido no Twitter. "A única coisa que cabe numa democracia do século XXI é investigar todas as operações suspeitas do cidadão Juan Carlos de Borbón, julgá-lo e revelar todos os responsáveis e cúmplices de uma trama que não pode ser tecida e mantida por uma só pessoa.".Mas a vertente catalã da aliança, liderada por Ada Colau, está a aplicar maior pressão. O grupo do En Comú Podem quer que a Unidas Podemos se junte às outras formações republicanas para exigir que a vice-primeira-ministra Carmen Calvo, que terá planeado da parte do governo a saída de Juan Carlos, seja ouvida no Congresso. "É inaceitável que os ministros e as ministras da Unidas Podemos e de En Comú Podem não estivessem informadas dos contactos da vice-primeira-ministra com a Casa Real", disse Ada Colau.