O bairro da Graça e a colina de Santana, em Lisboa, vão ficar abrangidos por restrições à abertura de novos alojamentos locais. Não se trata de zonas de contenção - como acontece atualmente com Alfama, Mouraria, Castelo, Bairro Alto e Madragoa -, mas de um patamar intermédio, que vai ser criado pelo novo regulamento camarário sobre o alojamento local (AL). O documento está a ser ultimado e deverá ir a votos do executivo municipal ainda neste mês de abril..A proposta de regulamento estabelece três níveis diferenciados, em função do rácio entre o número de alojamentos locais e o número de habitações permanentes (ocupadas por residentes). Os bairros que tiverem mais de 20% das habitações afetas ao alojamento local são declarados como zonas de contenção - a percentagem desce cinco pontos percentuais em relação ao valor aplicado atualmente, mas não há novos bairros a juntar-se aos cinco que já estão nesta categoria. A novidade é que surge agora um segundo patamar, para os bairros em que o alojamento local atinja uma quota entre os 10% e os 20% do número total de habitações. Nestes casos, adianta ao DN o presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, a abertura de novas unidades continua a ser admitida, mas com restrições. "Nessa zonas é permitido o registo de novos alojamentos locais desde que seja feito em prédios ou frações que resultem de reabilitação de edifícios que estivessem devolutos e em que a reabilitação permita subir dois níveis em matéria de eficiência energética. Ou desde que estes fogos não tenham estado com contratos de arrendamento habitacional num período anterior de cinco anos", refere o autarca. Ou seja, "é admissível que haja registos de novos alojamentos locais, que terão uma licença por cinco anos, desde que o prédio ou a fração não estejam a ser retirados da habitação" para fins permanentes. É neste patamar que vão entrar os bairros da Graça e da colina de Santana. Também serão admitidos novos registos de alojamento local nos casos em que haja mudança de uso de serviços (por exemplo, escritórios) ou indústria para habitação. Já no caso de espaços comerciais, não será permitida a mudança para AL..De acordo com o estudo urbanístico apresentado pela câmara no passado mês de outubro, a colina de Santana apresentava então um rácio de 18% de ocupação por alojamento local, enquanto a Graça estava nos 10%. Neste último bairro, que pertence à junta de Freguesia de São Vicente, há uma ressalva - o Largo da Graça, que foi incluído na zona de contenção de Alfama, vai permanecer com essa classificação, com uma interdição (quase) total à abertura de novas unidades de alojamento temporário..Nos bairros em que o AL estiver abaixo dos 10%, a abertura de novos alojamentos não terá qualquer condicionamento, princípio que se aplicará a zonas como a Lapa e Estrela (7% de AL), Avenidas Novas (6%), na zona envolvente à Avenida Almirante Reis (6%), Ajuda (4%), Parque das Nações (4%), Alcântara (3%), Penha de França (3%) ou Campo de Ourique (2%)..25% de AL, nenhuma restrição.Mas há outras áreas da cidade que não vão ter restrições ao alojamento local apesar de terem quotas de 25% de ocupação por AL, segundo os dados do estudo divulgado em outubro. São elas a Baixa pombalina, a Avenida da Liberdade, a Avenida da República e a Avenida Almirante Reis. Medina argumenta que esta medida se justifica pelo facto de estas zonas serem predominantemente comerciais. "Enquanto em Alfama, por exemplo, a percentagem é atingida porque há muitas casas em alojamento local face às casas de habitação [permanente], na Baixa essa percentagem é elevada porque praticamente não há casas de habitação. Na Baixa, como na Avenida da Liberdade, a função habitacional é muito reduzida", diz o autarca lisboeta, sublinhando que esta é "uma forma de incentivar que haja mais habitação tradicional". Como? "Permitir que temporariamente possa haver alojamentos locais pode dar origem a que apartamentos de serviços sejam convertidos em apartamentos de habitação.".O facto de o alojamento local ser considerados uso habitacional é uma questão polémica, que já provocou decisões divergentes nos tribunais portugueses. Medina defende que deve ser assim: "Uma das coisas pelas quais nos batemos muito na lei, e ficou consagrada, é que o alojamento local tem licença de habitação e não uma licença turística ou uma licença de outro uso. O que é que isso permite? Permite que edifícios que estejam afetos ao alojamento local no dia seguinte possam deixar de o ser e ter um contrato de arrendamento para habitação permanente, sem que seja necessário um projeto, um processo de alteração de uso.".Proibição total com exceções.O regulamento vai trazer uma outra novidade em relação às zonas de contenção, onde a abertura de novos alojamentos locais está proibida desde novembro de 2018, na sequência da aprovação da nova lei do alojamento local, que entrou em vigor em outubro. A interdição mantém-se, mas vai passar a admitir exceções, desde que aprovadas pelo executivo camarário. Segundo Fernando Medina, este regime excecional poderá ser utilizado "por exemplo em casos em que haja recuperação de prédios em ruínas". "Não há novos licenciamentos, quando houver abate dos existentes essas licenças não são colocadas a concurso. O que há é um regime excecional, para casos excecionais, de interesse para a cidade. É um regime que tem de ser aprovado em plenário da câmara, que pode atribuir uma licença por um período temporário, para que haja uma rentabilização do imóvel", afirma o presidente da Câmara de Lisboa..Depois de votada em reunião da câmara, a proposta de regulamento será submetida a consulta pública, podendo sofrer ainda "alguns ajustamentos". O documento final terá de ser aprovado pela Assembleia Municipal de Lisboa..A nova lei do alojamento local permitiu às autarquias avançar de imediato com restrições, mas de caráter temporário - foi ao abrigo dessa disposição que cinco bairros de Lisboa foram decretados como zona de contenção. Mas essa decisão é temporária e tem de ser substituída, no prazo de um ano, por um regulamento que estabeleça as regras para o AL, precisamente o documento que a câmara está agora a ultimar. As áreas de contenção estipuladas no regulamento terão de ser reavaliadas, no mínimo, a cada dois anos..De acordo com o registo nacional de alojamento local, Lisboa tem nesta altura 16 202 apartamentos afetos ao alojamento local. Santa Maria Maior é a freguesia da cidade com mais unidades dedicadas ao arrendamento de curta duração. De acordo com números avançados na tarde de sexta-feira pela junta de freguesia, há atualmente 4498 unidades de AL nesta zona da cidade, que abrange bairros como Alfama, Mouraria, Castelo, Baixa e Chiado. Santa Maria Maior também foi a freguesia mais afetada pela corrida ao registo de novos alojamentos locais, nos meses que precederam a entrada em vigor da nova lei - chegou a registar um crescimento de 10% no espaço de pouco mais de um mês..Na passada semana, o Bloco de Esquerda - que tem um acordo com os socialistas na vereação da câmara - defendeu a suspensão imediata do alojamento local na colina de Santana e na Graça, bem como na Baixa, Avenida da Liberdade e Almirante Reis - todas as zonas onde o alojamento local esteja acima dos 10%.