A averiguação da pureza ideológica da direita

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O surgimento do Bloco de Esquerda marcou a superação do infantil estado da extrema-esquerda, então em permanente estado de sítio, em campeonato de pureza ideológica, à procura do mais extremo dos extremos. Mas não há país que se ganhe assim, em permanente conflito, num desfile ideológico que acaba no "poucos, mas bons", no aparente conforto de quem não cede um milímetro. E a reunião de esquerdas antes inimigas permitiu um projeto que compete no espaço político, que o influencia e condiciona. Não faço ideia se isso se ficou a dever à constatação de que os campeonatos de pureza ideológica acabam em estilhaços inúteis, mas sei que a estratégia provou e que só por devaneio a esquerda reunida no Bloco voltará aos divertidos anos 1980.

A direita, por seu turno, resistiu a esses campeonatos, com maturidade. E é de maturidade que falo, porque nunca lhe faltou espaço e oportunidade e gente para se entreter nesses exercícios. Só néscios acreditam que a direita é feita do mesmo nervo: não é, apenas aprendeu que a política é feita para as pessoas, não para os egos, que serve para melhorar a vida das pessoas, não para experimentar compêndios.

Não se tratou de desdenhar a ideologia. Tratou-se de a partir dela ir construindo os consensos no espaço da direita. Foi uma opção, e acertada. Em Espanha não foi assim, e a direita só pôde governar depois de se federar no PP nos anos 1990.

E o muito que ficou por fazer, o muito que a direita tem deixado a desejar na afirmação de políticas alternativas, não se deve à falta de campeonatos de pureza ideológica nem à falta de uma direita musculada, a pulsar de testosterona, que agora aparece a reclamar-se como sendo a mais pura, a verdadeira e a querer fazer testes de pureza.

Deve-se à preocupante falta de conhecimento e pensamento sobre políticas liberais - um afunilamento do espaço de intervenção das políticas, sempre centrado no Estado.

E dessa direita musculada, que se derrete com Bolsonaro e impressiona com Kaczyński, que adormece a pensar em Putin (sim, há disso) e acorda a pensar em Orbán, nunca virá contributo algum para o reforço da liberdade, um valor que relativizam ao primeiro contratempo.

Seria um erro que a direita portuguesa, que vive há demasiados anos à procura de se refundar, utilizasse esse processo para outra coisa que não para federar e dar sustentação política e ideológica àqueles que acreditam que a principal função do Estado é garantir a liberdade de lutar pelo projeto de felicidade de cada um.

O que mais faltava à direita era recuperar os tristes exemplos da extrema-esquerda nos anos 1980 e 90. É ver o que está a passar-se em Espanha, onde até Aznar já foi classificado pelo VOX de "direita molezinha", numa delirante competição de "não há direita mais forte do que eu" que há quem queira editar por cá: a fragmentação identitária da direita contribui para a perpetuação da esquerda, não para vencê-la.
Advogado

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