Noronha, nhonho, ninho
Há mais ou menos um ano, o senador Flávio Bolsonaro viajou a Israel para assistir ao Shalon Game, partida de futebol com Ronaldinho Gaúcho, Rivaldo e outros reformados, e para conhecer "o local onde é gerida toda a segurança pública de Israel".
Só em diárias pagas pelo Senado (logo, pelo contribuinte) o passeio do primogénito presidencial, conhecido mundo afora não pela sua atuação política mas por ser acusado de organização criminosa, desvio de fundos, lavagem de dinheiro e apropriação indevida do salário de assessores, custou 8,6 mil reais, noticia Rubens Valente, colunista do UOL.
Já neste ano, o 01 esteve em Las Vegas e em Miami, ao custo de 12,5 em diárias, para visitas inadiáveis ao ateliê do pintor kitsch Romero Brito, que ultimava retrato do pai, e a hotéis, segundo o site O Antagonista.
Subscreva as newsletters Diário de Notícias e receba as informações em primeira mão.
O tour partiu de uma sugestão do membro do governo que tocou o Ave Maria em homenagem às vítimas de covid-19 na qualidade de vocalista e sanfoneiro da banda Brucelose.
Na semana passada, Flávio foi a Fernando de Noronha, arquipélago paradisíaco na costa de Pernambuco, passar o feriado de dia 2 de novembro. Mesmo sem compromissos oficiais, pediu ao Senado o reembolso das passagens aéreas. Depois de o jornal Metrópoles ter noticiado o esquema, apressou-se a dizer que fora um equívoco de um dos seus cerca de 20 assessores.
Os assessores são o inferno, mesmo no paraíso de Fernando de Noronha, do senador.
Por falar em Noronha e em políticos que sacodem as culpas para anónimos assessores, Ricardo Salles (este, ao contrário de Flávio, conhecido mundo afora pela sua atuação política, que chegou a valer-lhe o título de pior ministro do Meio Ambiente do mundo) também foi ao arquipélago por estes dias.
Mas em trabalho - liberou a pesca da sardinha, contra a opinião de dez em cada dez ambientalistas.
Pelo meio, chamou nas redes sociais Rodrigo Maia, o presidente da Câmara dos Deputados e terceiro na linha de sucessão no país, de "Nhonho", numa referência de elevado teor intelectual a um programa infantil.
Estabelecida uma linha do tempo pela imprensa, Salles publicou o insulto durante um jantar, regado a garrafas de vinho branco, da comitiva governamental.
O certo é que, na ressaca do episódio, o ministro disse que não foi ele o autor do tweet sobre Maia e culpou - adivinhou! - um assessor.
Ele já havia culpado assessores por se apresentar em artigos na imprensa como "formado em Yale", sem que Yale alguma vez tivesse registo da sua existência.
O que gerou o "Nhonhogate" foi um ataque de Maia a Salles em que o primeiro acusava o segundo de, além de destruir o meio ambiente, destruir também o governo.
É que Salles, desta vez assumidamente, chamara o colega Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria-Geral do governo com quem Maia tem boa relação, de "Maria Fofoca".
Luiz Eduardo Ramos é general, o que nos leva a uma reflexão: ao longo dos governos dos civis Fernando Henrique Cardoso, de centro-direita, e de Lula da Silva, de centro-esquerda, ambos eleitos nos escombros da ditadura militar, jamais os oficiais foram ultrajados.
Sob Bolsonaro, que escapou por pouco da expulsão da instituição, Ramos foi chamado de "Maria Fofoca" e o general Eduardo Pazuello, titular da Saúde, humilhado em público pelo presidente a propósito da compra de vacinas da China, no intervalo de uma semana.
Após ser exonerado sem glória, o general Rego Barros, ex-porta-voz do governo, escreveu no fim de semana que o poder "inebria, corrompe e destrói".
O vice-presidente general Hamilton Mourão, mesmo vítima de uma campanha do chamado "gabinete do ódio", liderado por Carlos Bolsonaro, o 02, vai resistindo no cargo.
O general Santos Cruz, comandante das forças brasileiras no Haiti e no Congo e antecessor de Ramos na Secretaria do governo, foi forçado a demitir-se. Saiu, acusando o núcleo bolsonarista de ser um ninho de cobras.
Flávio e Salles é que continuam, firmes, no exército do capitão.
Correspondente em São Paulo
Partilhar
No Diário de Notícias dezenas de jornalistas trabalham todos os dias para fazer as notícias, as entrevistas, as reportagens e as análises que asseguram uma informação rigorosa aos leitores. E é assim há mais de 150 anos, pois somos o jornal nacional mais antigo. Para continuarmos a fazer este “serviço ao leitor“, como escreveu o nosso fundador em 1864, precisamos do seu apoio.
Assine aqui aquele que é o seu jornal