Nova reunião dos BRICS, desta vez dos cinco ministros dos Negócios Estrangeiros, na Cidade do Cabo, e de novo a defesa por todos de um mundo multipolar, num claro desafio àquilo que os governantes do Brasil, da Rússia, da Índia, da China e da África do Sul consideram ser a ambição do Ocidente, e em especial os Estados Unidos, de continuar a ditar as regras..Se ouvirmos as declarações dos vários ministros presentes na cidade sul-africana, há sempre presente um ressentimento contra as potências ocidentais (não é por acaso que alguns veem os BRICS como um contraponto ao G7), mesmo que disfarçado de declarações a favor de uma nova ordem internacional que seja mais favorável aos países em desenvolvimento..No seu conjunto, os cinco países dos BRICS representam 3,3 mil milhões de pessoas, cerca de 40% da população mundial. Já o G7 (EUA, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Canadá) representa 700 milhões de pessoas, um pouco menos de um décimo da humanidade. Mas se a comparação for em termos de PIB, a supremacia é claramente do G7, que conta com a 1.ª, 3.ª, 4.ª, 6.ª, 7.ª, 8.ª e 9.ª maiores economias..Para se perceber o ressentimento que marca o discurso dos BRICS, e com bases históricas, nada como ver algumas entrevistas de Subrahmanyam Jaishankar, o chefe da diplomacia indiana. Num inglês perfeito e com argumentos perfeitamente estudados, Jaishankar tem-se multiplicado em explicar, por exemplo, as razões de o seu país não condenar a Rússia nas votações na ONU e continuar a comprar o petróleo russo. Descreve sempre o que considera a hipocrisia ocidental e em última instância explica que para um país de 1400 milhões de pessoas como a Índia, pobre apesar de ser já a 5.ª economia mundial, o racional é comprar petróleo a quem vende mais barato..Apesar de estarem longe de ser um bloco coerente do ponto de vista político (muito menos certamente do que o G7, todos democráticos e com elevado índice de desenvolvimento) os BRICS tentam fazer da união força, mas são evidentes as fricções entre os seus membros, em especial entre a China e a Índia e também a dificuldade do Brasil em estar 100% com os outros membros na questão da Rússia, pois tanto com Jair Bolsonaro na presidência, como com Lula da Silva agora, tem votado na ONU a condenar a invasão da Ucrânia, mesmo que não aplique sanções. Também a África do Sul vai ser testada em agosto quando acolher a próxima cimeira dos BRICS, pois por integrar o Tribunal Internacional de Justiça terá de prender Vladimir Putin se o presidente russo entrar no país. Há manobras legais para evitar ter de cumprir o mandato de captura internacional, relacionado com a guerra na Ucrânia, mas é uma situação terrível para a diplomacia sul-africana, por um lado agradecida ao Kremlin por ter apoiado a luta contra o Apartheid, por outro sem vontade de entrar em choque com o Ocidente..Sergei Lavrov, o MNE russo, bem pode dizer na Cidade do Cabo que há uma dezena de candidatos a juntar-se aos BRICS, que de início eram só uma sigla criada pelo Goldman Sachs identificando quatro potências emergentes (o S de África do Sul veio depois já da institucionalização), mas tirando ser uma voz de protesto e desafio, o grupo continua pouco capaz de agir conjuntamente de modo a mudar mesmo as regras ditadas pelo Ocidente. Veremos o que resulta da cimeira de Joanesburgo.