Turquemenistão. Darvaza, a infinita porta do inferno
Mala de viagem (182). Um retrato muito pessoal do Turquemenistão.

No deserto de Karakum, que cobre 70% da área do Turquemenistão, há uma cratera que "cospe" fogo há décadas e não se extingue. O grupo de visitantes colocou-se à sua volta e o guia informou, antes, que se tratava de um poço de gás derretido. Há duas versões sobre a sua origem. Uma que remonta ao início da década de 1970, quando geólogos soviéticos perfuravam o terreno em busca de petróleo e encontraram uma bolsa de gás natural e, como a terra não conseguiu suportar o peso do equipamento pesado, acabou por entrar em colapso e formar três grandes buracos, porém, de forma a evitar que o metano vazasse para a atmosfera, surgiu a versão de que os cientistas decidiram queimar o gás, uma vez que não pode ser capturado. Os investigadores esperavam que o processo demorasse algumas semanas, mas estavam errados: as chamas estão a arder desde então. Esta história não é, porém, aceite por todos os cientistas. Alguns creem que a mais importante cratera, Darvaza, se formou na década de 1960 e só foi iluminada na década de 1980. Certo é que a fogueira improvável que expele gás metano se tornou numa das atrações turísticas mais populares do país. A chamada "Porta para o Inferno" fica próximo da aldeia de Darvaza, ou Derweze, que significa "portão", em turcomeno, localizada a 260 quilómetros a norte da capital, Asgabate. Creio que este cenário apocalítico é único no Planeta, tanto de dia, como sobretudo de noite. Chegámos a uma hora propícia para nos mantermos até ao início da noite. Seguidamente, voltámos na carrinha branca alugada. Aliás, não é despiciendo falar da cor, pois ela é a fascinação do atual governante do país, a tal ponto que Gurbanguly Mälikgulyýewiç Berdimuhamedow acredita, veementemente, que a cor branca prospera sorte. Assim, em 2014, ele exigiu que todos os automóveis do alto escalão do Governo fossem trocados por uma Mercedes E300 da cor branca. No ano seguinte, decretou que a importação de carros pretos estava proibida e, em 2018, declarou a cor branca como oficial dos veículos. Desse modo, em Ashgabat, todos os automóveis não-brancos foram apreendidos e os seus donos foram multados por desobedecerem ao decreto. Além disso, eles tiveram de pintar os seus automóveis de branco, ou, então, de prateado. A "nossa" carrinha era, portanto, de cor branca, até porque o regresso à capital já foi de noite e assim melhor se via, digo eu, com a ironia que se justifica. Resta dizer que o nosso motorista e guia era um elemento masculino, excelente a conduzir e fluente em inglês. É que, também em 2018, o mesmo governante decretou uma nova ordem em que proibiu que as mulheres continuassem a tirar a carta de condução ou guiassem qualquer automóvel no país, porque elas foram acusadas de causar a maioria dos acidentes de trânsito no país. Talvez se lhe convenha dizer que o bom senso é, enfim, o único veículo capaz de conduzir o ser humano à construção de uma sociedade, onde direitos e deveres sejam prioridades e a palavra "cidadão" seja sinónimo de respeito e autenticidade.
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Jorge Mangorrinha, professor universitário e pós-doutorado em turismo, faz um ensaio de memória através de fragmentos de viagem realizadas por ar, mar e terra e por olhares, leituras e conversas, entre o sonho que se fez realidade e a realidade que se fez sonho. Viagens fascinantes que são descritas pelo único português que até à data colocou em palavras imaginativas o que sente por todos os países do mundo. Uma série para ler aqui, na edição digital do DN.
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