A parceria estratégica entre a Europa e o Sudeste Asiático
Nesta semana realizou-se a 23.ª Reunião Ministerial de Negócios Estrangeiros entre a União Europeia (UE) e a Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), cujo principal resultado foi a elevação do diálogo entre as duas organizações ao nível de parceria estratégica. É uma decisão muito importante, porque significa aprofundar o relacionamento e estendê-lo a áreas-chave como o ambiente, a economia e a segurança. A UE já dispõe de parcerias estratégicas com países como o Brasil ou a Índia, e será agora muito útil desenvolver estoutra com essa parte tão relevante da Ásia. Por várias razões.
A primeira é uma questão de dimensão. A ASEAN é composta por dez países do Sudeste Asiático, representando 650 milhões de pessoas e mais de um décimo do produto mundial. Entre esses países encontram-se alguns dos mais populosos do globo, como a Indonésia (270 milhões de habitantes), as Filipinas (108 milhões) ou o Vietname (96 milhões), ou um entreposto comercial e financeiro tão relevante como Singapura. Acresce que Timor-Leste é candidato à organização.
A segunda razão prende-se com a intensidade dos laços já existentes. A UE é o segundo parceiro comercial da ASEAN (depois da China) e a ASEAN é o terceiro parceiro comercial da UE fora do espaço europeu (depois dos Estados Unidos e da China). A UE é também a primeira fonte de investimento direto estrangeiro nos países da ASEAN; e tem sido um dos maiores doadores no auxílio ao combate à pandemia de covid-19.
Mas se os laços existentes são significativos, eles são ainda insuficientes. E eis uma terceira e decisiva razão. Há acordos comerciais bilaterais entre vários países europeus e vários membros da ASEAN. Mas falta um acordo económico entre os dois blocos regionais e desde 2007 que se tenta avançar nas negociações, sem resultados concretos.
Ora, no passado mês de novembro, celebrou-se o acordo da Parceria Económica Regional Abrangente, que reúne a China, o Japão, a Coreia do Sul, a Nova Zelândia, a Austrália e todos os países da ASEAN, formando um bloco comercial estruturado em toda a região. É um facto muitíssimo importante, que a Europa não pode ignorar. Os 15 países signatários deste acordo representam quase um terço da população e do PIB mundial.
E a União Europeia tem procurado incrementar o seu relacionamento económico com vários destes países. Concluiu neste ano o Acordo de Parceria Económica com o Japão, cujos resultados começam a ser visíveis. Concluiu também o Acordo de Cooperação sobre Proteção de Denominações Geográficas de Origem com a China e negoceia presentemente um Acordo de Proteção de Investimentos. Estão ainda em curso as negociações sobre acordos comerciais com a Austrália e a Nova Zelândia. Não se perceberia, pois, que não se priorizasse as conversações com o Sudeste Asiático.
É certo que a União Europeia passa por algumas dificuldades e mostra demasiadas hesitações sobre esse instrumento fundamental da sua política económica e externa que são os acordos de comércio livre. Veja-se o que está sucedendo com a conclusão do acordo com o Mercosul. A menos de um mês da saída plena do Reino Unido, não são ainda claras as perspetivas de um acordo sobre a relação futura entre a UE e os britânicos. Mas tivemos, por outro lado, a boa notícia da eleição de Joe Biden, que abre caminho para retomar uma relação económica e comercial entre a UE e os Estados Unidos como ela deve ser, entre amigos, próximos e aliados.
Porém, não são apenas os aspetos económicos e comerciais que tornam tão relevante a Parceria Estratégica entre a União Europeia e a ASEAN. Ainda mais crucial é o alcance geopolítico. A Europa está a redefinir o seu relacionamento com a China. Está a relançar o diálogo com a Índia (o qual será, aliás, uma das prioridades de política externa da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia). Vários países da UE, os Estados Unidos e a diplomacia europeia procuram uma abordagem integrada da região do Indo-Pacífico. A Coreia do Sul, o Japão e os países da Oceânia são parceiros tradicionais e sólidos da Europa.
Por todos estes motivos, o aprofundamento da relação com os países do Sudeste Asiático é essencial para o cumprimento dos três objetivos centrais da política externa europeia: a defesa do multilateralismo; a afirmação da União Europeia como ator global; e o relacionamento equilibrado com todas as regiões do mundo, da América Latina ao mundo árabe, da China à Índia, dos Estados Unidos ao Japão, etc.
Portugal tem um papel a desempenhar. Há vários séculos que conhecemos o Sudeste Asiático, como bem testemunham as comunidades de origem portuguesa e os portugueses radicados na região, da qual faz parte Timor-Leste, nosso importante parceiro e membro da CPLP. Sabemos resolver problemas, mesmo os mais difíceis, como bem demonstra a excelente relação que atualmente temos com a Indonésia. Falamos com todos, ouvimos todos, preferimos o diálogo ao antagonismo, construímos pontes.
Por isso, a concretização da Parceria Estratégica UE-ASEAN será também um tópico da nossa presidência do Conselho da União Europeia.
Ministro dos Negócios Estrangeiros