Obesidade, falta de vacinação, médicos de família e psicólogos. Problemas das crianças portuguesas
O combate à obesidade infantil deve ser intensificado, com mais medidas de limitação de acesso e publicidade a produtos alimentares não saudáveis, é necessário um reforço na atribuição de médico de família a todos os menores de 18 anos, na oferta de psicólogos e nas medidas de apoio social à infância, no âmbito do combate à pobreza.
Estas são algumas das recomendações do Conselho Nacional de Saúde, decorrentes do estudo "Gerações mais Saudáveis - Políticas Públicas de Promoção da Saúde das Crianças e Jovens em Portugal", divulgado nesta quarta-feira.
Um relatório que se debruça sobre as políticas públicas de proteção e promoção da saúde das crianças e jovens até aos 18 anos. Identifica os "problemas de grande prevalência que afetam o desenvolvimento saudável das crianças e que têm grande impacto social: a obesidade infantil, os problemas de saúde oral, mental, os acidentes e as doenças respiratórias relacionadas com o ambiente".
Em matéria de acesso aos cuidados de saúde primários, o relatório salienta "obstáculos" à atribuição de médicos de família a todos os menores de 18 anos. Os números divulgados pelo estudo são "particularmente preocupantes" na região de Lisboa e Vale do Tejo.
"Em outubro de 2018, mais de dois anos após a entrada em vigor da lei que estipula que nenhuma criança devia ficar privada de médico de família, existiam ainda mais de 150 000 crianças (menores de 18 anos) em todos o território nacional sem médico de família atribuído", revela o Conselho Nacional de Saúde. Só no continente são 130 mil, sendo a região de Lisboa e Vale do Tejo a que regista o maior número de crianças sem médico de família (109 440).
Portugal apresenta elevadas taxas de cobertura vacinal, mas é necessário colmatar as discrepâncias geográficas. Em 2017, "na segunda dose da vacina contra o sarampo, parotidite epidémica e rubéola, nas crianças que completaram 6 anos de idade nesse ano, a cobertura vacinal apresenta muitas disparidades geográficas, sendo em muitos ACES [agrupamentos de centros de saúde] inferior a 95%, percentagem desejável para assegurar a proteção da comunidade contra o sarampo, através da imunidade de grupo".
Em relação a esta vacina, o estudo especifica ao referir que "nenhum dos ACES da região do Algarve regista uma cobertura vacinal superior a 95%, registando o ACES Algarve Central uma cobertura vacinal inferior a 90% (89,4%). O mesmo se passa nos ACES da área urbana de Lisboa, com os ACES de Lisboa Norte (85,5%), Cascais (86,7%) e Amadora (88%) a registarem coberturas vacinais particularmente baixas".
"Este elemento ganha relevância se for tida em conta a intensa atividade epidémica do sarampo na Europa, facto que, nos últimos dois anos, foi responsável por três surtos de sarampo em Portugal", indica o documento.
"Com coberturas vacinais mais elevadas, mas ainda assim inferiores a 95% contam-se os ACES Lisboa Ocidental/Oeiras (90,2%), Lisboa Central (90,9%), Loures/Odivelas (91,0%), Sintra (93,8%) e Almada/Seixal (94,1%)", revela o relatório.
Na região Centro, o ACES Pinhal Interior Norte regista uma cobertura vacinal de 91,7% e o ACES Baixo Mondego alcança uma cobertura de 94,2%. Na região Norte, o ACES Braga é o único que regista uma cobertura vacinal ligeiramente inferior a 95%.
Atualmente, há dois surtos de sarampo ativos na região de Lisboa, que já infetaram pelo menos 22 pessoas, segundo o último balanço feito pela Direção-geral de Saúde.
Apesar de haver uma tendência de melhoria, o relatório do Conselho Nacional de Saúde conclui, com base nos diversos estudos realizados nos últimos anos, "prevalências elevadas e mais preocupantes [de obesidade] nas crianças mais novas"."Os números mais alarmantes foram registados nos Açores, atingindo os 17% nas crianças do 1.º ciclo do ensino básico."
Os dados do estudo Childhood Obesity Surveillance Initiative (COSI), conduzido em 2016, "encontrou uma prevalência de 11,7% de obesidade e de 19% de pré-obesidade nas crianças que frequentavam o 1.º ciclo do ensino básico no território nacional. Lisboa e Vale do Tejo (9,7%) e Algarve (8,6%) foram as regiões que apresentaram menor prevalência de obesidade infantil. Pelo contrário, os resultados foram particularmente preocupantes nos Açores, onde se registou a maior prevalência de obesidade (17%) e onde esta foi superior à de pré-obesidade (14%). A região norte registou a maior prevalência de pré-obesidade (20,7%)".
O estudo revela ainda que a "prevalência de obesidade obtida no Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física (2015-2016) foi de 7,7% nas crianças com menos de 10 anos e de 8,7% nos adolescentes (10-17 anos). No total da amostra com menos de 18 anos, a prevalência de obesidade foi de 8,3%".
"Uma das causas é o facto de as crianças portuguesas continuarem a passar demasiado tempo em atividades sedentárias, como jogos eletrónicos", aponta o relatório.
São referidos vários estudos que vão precisamente nesse sentido, como o Childhood Obesity Surveillance Initiative 2016 (COSI), que se debruçou sobre o tempo que as crianças do 1.º ciclo do ensino básico passam a jogar no computador. "Durante a semana, mais de metade das crianças (59,1%) utilizavam o computador durante cerca de uma hora por dia. Durante o fim de semana observou-se um aumento de horas despendidas a utilizar o computador para jogos eletrónicos com utilização de duas horas ou mais por dia comparativamente com os dias de semana", conclui.
Já o Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física 2015-2016 (IAN-AF), que inclui crianças e adolescentes menores de 18 anos, "concluiu que, durante a semana, 36,5% das crianças e adolescentes viam televisão por períodos de tempo iguais ou superiores a duas horas. Contudo, aos fins de semana, esta percentagem aumentava significativamente para 71,3%".
- Atividade física tem de ser promovida
O relatório salienta o facto de a carga horária da disciplina de Educação Física nos currículos escolares ter sido reforçada. "Em vez de 135 minutos semanais, os alunos têm agora uma carga horária da disciplina de 150 minutos por semana, o que coloca Portugal entre os país europeus que têm atribuído maior importância à disciplina."
Refere, no entanto, que falta "uma visão mais abrangente da promoção da atividade física". Ou seja, o enfoque da disciplina de Educação Física é "demasiado orientado para a prática de desportos coletivos", lê-se.
Além disso, os projetos de apoio à promoção da atividade física entre os adolescentes devem ser reforçados, considera o estudo.
- Problemas na alimentação saudável nas escolas
Embora haja uma aposta nos "anos mais recentes" na "promoção da alimentação saudável e atividade física", o Conselho Nacional de Saúde constata que "muitas escolas continuam a ser espaços onde existe oferta de alimentos não saudáveis".
De acordo com o estudo, "existem várias políticas públicas relativamente ao fornecimento de refeições saudáveis nas escolas", tendo o programa de distribuição gratuita de leite e de fruta escolar sido fundido num único, a partir de 2017-18, para melhor eficiência dos apoios concedidos.
O relatório conclui, no entanto, que, "relativamente à fruta, tem havido uma diminuição no número de autarquias aderentes e de beneficiários ao longo dos anos, tendo abrangido apenas 41,4% das crianças do 1.º ciclo do ensino básico das escolas públicas, em 2016-17".
Aliás, "as crianças (3-9 anos) e adolescentes (10-17 anos) são dos grupos populacionais que menos fruta e produtos hortícolas consomem, em particular os adolescentes (97 g/dia, quando o recomendado é 400 g/dia). Estes dois grupos são também os que ingerem menos água".
"A oferta de cuidados de saúde mental dirigidos a crianças e jovens é muito deficiente, não apenas no que concerne à psiquiatria da infância e adolescência mas também aos profissionais de psicologia nos cuidados de saúde primários", sintetiza o Conselho Nacional de Saúde.
É nesse sentido que se recomenda que "o acesso equitativo a cuidados de saúde mental dirigidos a crianças e jovens" seja uma prioridade na promoção da saúde das crianças em Portugal", com "o reforço da oferta de psicólogos nos cuidados de saúde primários e dos recursos humanos de psiquiatria da infância e adolescência".
De acordo com o relatório, "existem pouco mais de 350 psicólogos a trabalhar nos cuidados de saúde primários do SNS". Um número "bastante insuficiente para as necessidades da população".
Para o Conselho Nacional de Saúde, o cheque-dentista "permitiu dar acesso a cuidados de saúde oral a milhares de crianças e jovens nos últimos dez anos", mas "está comprometida a universalidade e a igualdade no acesso" deste programa gratuito "por parte de crianças que não frequentem o ensino público".
Em 2017, "foram emitidos cerca de 354 mil cheques-dentista a crianças e jovens com menos de 18 anos. Destes, 22,1% não foram utilizados", diz o estudo. A "saúde oral registou melhorias nas crianças portuguesas, passando de um índice de CPOD (dentes cariados, perdidos e obturados), aos 12 anos, de 2,95 em 2000, para 1,18 em 2013, tendo Portugal atingido já a meta definida pela OMS-Europa de um índice CPOD, aos 12 anos, inferior a 1,5 em 2020".
Nas regiões autónomas não há cheque-dentista, "mas os Açores e a Madeira têm programas regionais de saúde oral".
Os Açores são a única região do país "que dispõe de um programa de saúde oral gratuito, abrangendo jovens até à idade adulta. Na Madeira, está a decorrer o programa Madeira a Sorrir, que, em 2017-18, contemplou 11 168 crianças do ensino pré-escolar e do 1.º ciclo do ensino básico, tendo sido realizadas mais de 23 mil consultas de medicina dentária".
Na conclusão do relatório, é referido que a "promoção da saúde oral em contexto escolar beneficiaria da inclusão (que nem sempre acontece) de médicos dentistas ou higienistas orais nas equipas de saúde escolar, que poderiam dar um contributo mais substancial na promoção deste tema relevante".
O Conselho Nacional de Saúde conclui neste trabalho que "nos últimos anos registou-se um aumento das desigualdades no rendimento das crianças". Aliás, "em Portugal, as crianças estão em maior risco de pobreza do que a população em geral".
"Em 2016, a taxa global de risco de pobreza, após transferências sociais, foi de 20,7% nas crianças (nos idosos foi de 18,3%). Os apoios contribuíram para a redução da pobreza infantil em 8,3 p.p."
Nesse sentido, é recomendado um reforço nas medidas de apoio social às crianças. "O Estado deve fortalecer os mecanismos de proteção das crianças em situação de maus-tratos, devendo ser mais célere, mais articulado e mais eficaz."
"Segundo dados da APAV, de 2015 para 2017, diminuíram o número de crianças e jovens vítimas de crime e de violência em 25,3% e o número de crimes em 35,4%. Em 60,4% dos casos, as vítimas eram filhos do agressor e em 5% eram colegas de escola. Registaram-se 479 crimes, dos quais 42,8% corresponderam a abusos sexuais. Na categoria de violência doméstica, os crimes de maus-tratos psíquicos e físicos representavam 75,7% dos casos."
As bebidas alcoólicas estão proibidas a menores de 18 anos. O estudo revela que "em 2016-17, em média, o primeiro consumo de álcool ocorria aos 16 anos, sendo que aos 17 anos já era regular".
Em relação ao tabaco, "em 2014, 22,2% das crianças que frequentavam os 8.º e 10.º anos de escolaridade, no continente, já tinha experimentado".
"A canábis é a droga com maior prevalência de consumo ao longo da vida (entre 2% nos 13 anos e 34% nos 18 anos), seguindo-se-lhe a cocaína nos mais novos e o ecstasy nos mais velhos", conclui o relatório.
Em 2017, nasceram em Portugal 86 154 crianças, menos 972 (-1,1%) do que os 87 126 nascimentos registados em 2016. "Desde 2011 que se registam menos de cem mil nascimentos por ano em Portugal. Apesar da tendência de decréscimo ter sido invertida em 2014, com um aumento gradual do número de crianças nascidas entre este ano e 2016, em 2017 o número de nascimento voltou a diminuir", conclui o relatório.
Números que levam o Conselho Nacional de Saúde a recomendar que "sejam desenvolvidas políticas integradas de incentivo à natalidade e apoio à parentalidade".
O relatório revela também que, "em 2016, a taxa de cesarianas em Portugal era de 33,1%, existindo diferenças notórias entre os hospitais públicos, incluindo PPP (27,6%), e os privados (65,5%)".
"Portugal apresenta uma baixa taxa de mortalidade infantil, mas é dos países da OCDE com maior proporção de nados-vivos com baixo peso (8,9%), tendo 8,1% dos partos em 2017 correspondido a partos prematuros", menciona ainda o relatório.
Atualizado às 10:30