Grandes autarquias de Lisboa e Porto gastam 29 milhões de euros na compra de casas

Face à escassez de imóveis, os municípios têm optado por exercer o direito de preferência na aquisição de apartamentos localizados em zonas de reabilitação ou de pressão urbanística. Há mais de 17 mil famílias em lista de espera nas dez autarquias analisadas.
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Grandes autarquias de Lisboa e do Porto gastaram mais de 29 milhões de euros desde 2016 na compra de 69 imóveis (entre apartamentos e prédios) para habitação acessível, ao abrigo do direito de preferência, uma ferramenta que permite aos municípios sobreporem-se aos potenciais compradores durante os primeiros 10 dias em que o imóvel se encontra à venda. Face à escassez de apartamentos, o investimento municipal só não foi superior, porque as autarquias alegaram dificuldades financeiras.

O direito de preferência só pode, no entanto, ser acionado em zonas de reabilitação e de pressão urbanística. Neste último caso, significa que "existe uma dificuldade significativa de acesso à habitação, por haver escassez ou desadequação da oferta habitacional face às necessidades existentes ou por essa oferta de casas ser a valores superiores aos suportáveis pela generalidade dos agregados familiares sem que estes entrem em sobrecarga de gastos habitacionais face aos seus rendimentos", segundo o Decreto-Lei n.º 67/2019, de 21 de maio que procede ao agravamento do imposto municipal sobre imóveis relativamente a prédios devolutos em zonas de pressão urbanística.

Do levantamento feito pelo DN / Dinheiro Vivo junto de 20 autarquias das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto sobre o uso do direito de preferência para colmatar as necessidades de habitação social, metade, isto é, 10 responderam. E, destas, seis, nomeadamente Lisboa e Porto, revelaram ter acionado esse instrumento. Ao todo, investiram mais de 29 milhões na aquisição de 69 casas (entre frações e edifícios) desde 2016. No conjunto destas autarquias, há, neste momento, 17 mil famílias em lista de esperar para aceder a uma habitação a preços acessíveis.

Na zona da capital, Lisboa lidera o investimento, no âmbito do direito de referência. A autarquia, presidida pelo social-democrata Carlos Moedas, estima gastar, este ano, 2,45 milhões de euros na aquisição de seis apartamentos, cujo processo ainda está "em fase de visita e avaliação para proposta de decisão final", adianta o município. Estes seis imóveis serão integrados "em programas de acesso à habitação, nomeadamente o Programa de Renda Acessível", esclarece a autarquia. Nos últimos cinco anos, a autarquia adquiriu "seis imóveis com recurso ao exercício do direito de preferência, mas nenhum destinado a habitação", sinalizou, sem, contudo, referir a despesa associada. Lisboa acrescenta ainda que "estão a ser ponderadas outras formas de aquisição de imóveis destinados a alargar a oferta de habitação municipal". De acordo com a autarquia, "existem cerca de 6500 candidaturas registadas, a aguardar a atribuição de habitação", no âmbito do Programa de Arrendamento Apoiado.

A Câmara de Cascais, liderada pelo executivo de coligação PSD/CDS de Carlos Carreiras, é o segundo município da Grande Lisboa que mais investiu na compra de casas através do direito de preferência. Fonte oficial adiantou que, "entre 2021 e 2022, foi adquirida uma fração", sendo que a autarquia ainda está "a aguardar reunião de Câmara para a escritura de quatro frações e uma moradia". "Tudo concluído dará um total de cerca de 854 mil euros", contabiliza. Quanto às famílias em lista de espera, o município indica que "o número total de pedidos de habitação validados por realojar é de 3186".

Em Sintra, o executivo socialista de Basílio Horta adquiriu este ano seis apartamentos, ao abrigo do direito de preferência, para arrendamento apoiado, num investimento global de 308 268 euros, estando ainda cinco processos em fase de conclusão, adiantou a autarquia. Entre 2018 e 2022, foram ainda compradas 26 frações para a mesma finalidade, mas o município não revelou o custo deste investimento. De salientar que o recurso a este instrumento cresceu sobretudo em 2021 e 2022, quando foram adquiridas 10 e 12 habitações, respetivamente. " Este instrumento permite aumentar a oferta de habitação municipal de forma necessariamente mais rápida do que através da construção", justifica. Atualmente, há 1228 pedidos de habitação acessível a aguardar resposta.

O município de Oeiras, liderado por Isaltino Morais, também tem acionado este mecanismo. Este ano, comprou três apartamentos por 220 mil euros destinados ao "Programa de Alojamento para Professores e ao Programa Habitação Jovem nos Centros Históricos", sinalizou a autarquia. Entre 2018 e 2022, o município usou este instrumento para a alienação de outros três imóveis, mas não revelou o custo desse investimento. "Neste momento, estão 949 famílias admitidas para atribuição de habitação em regime de arrendamento", revelou a autarquia.
Pelo contrário, os municípios socialistas da Amadora e de Loures não têm recorrido a este instrumento. A primeira, liderada por Carla Tavares, "não tem exercido o direito de preferência, porque, na consulta dos imóveis a ser transacionados, o valor de mercado ultrapassa em larga medida o valor da avaliação dos mesmos", justifica. Amadora tem, neste momento, 345 pedidos de habitação social. A câmara de Loures, presidida por Ricardo Leão, também não usou o mecanismo, mas não apresentou argumento algum, referindo apenas que "o número atual de candidaturas ou de pedidos de habitação é de 1385".

Na Área Metropolitana do Porto, a Invicta afirma-se pioneira na aplicação do exercício do direito de preferência. A autarquia liderada por Rui Moreira arrancou com a compra de imóveis ao abrigo deste instrumento em outubro de 2016 e até ao final de 2022 somava um investimento superior a 19,2 milhões de euros, avança fonte oficial. Neste período, adquiriu 38 prédios multifamiliares, um unifamiliar e um equipamento cultural (o Teatro Sá da Bandeira), este último imóvel absorveu 2,1 milhões do montante aplicado.

Em Vila Nova de Gaia, o orçamento camarário não permitiu a utilização desta opção. Como revela a autarquia presidida por Eduardo Vítor Rodrigues, apenas muito recentemente se "começou a utilizar os direitos de preferência, uma vez que anteriormente não havia capacidade orçamental ou tão pouco instrumento financeiro para tal". Segundo realça, este exercício "apenas se tornou viável com o surgimento do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência]", pois são "habitações, na maioria dos casos, com valores elevados, tendo em conta que se inserem em zonas de reabilitação urbana ou representam património de relevo histórico".

Também Matosinhos não se tem socorrido deste instrumento para satisfazer as necessidades de habitação. O concelho liderado por Luísa Salgueiro adquiriu apenas dois edifícios inacabados "por motivos de segurança, salubridade e reabilitação urbana" da zona onde estão inseridos, em São Mamede de Infesta. O investimento ascendeu a 6,1 milhões de euros, sendo que o projeto de reabilitação para a construção de 105 fogos de tipologias T1, T2 e T3 destinados a arrendamento apoiado está orçado em cerca de 12 milhões e será financiado no âmbito do PRR.

São as verbas provenientes do PRR que estão a impulsionar uma resposta mais célere das autarquias aos problemas agudos de habitação dos seus munícipes. No âmbito do 1º Direito - programa para apoiar a promoção de soluções habitacionais para pessoas que vivem em condições indignas e não dispõem de capacidade financeira para comprar uma casa -, Gaia avançou com a a aquisição de 40 frações já existentes, num investimento superior a cinco milhões de euros. Como aponta fonte oficial da autarquia de Gaia, o município "está a ir ao mercado no âmbito das diferentes políticas de habitação que tem vindo a implementar, estando a reforçá-las fortemente através da Estratégia Local de Habitação", num investimento estimado superior a 143 milhões na aquisição, construção e reabilitação de habitações. Uma das apostas foi encontrar soluções para arrendamento acessível. O trabalho arrancou no ano passado e já se materializou na entrega de 25 casas, estando previstas mais 26 até ao final deste ano. Neste caso, o investimento foi de 6,6 milhões, apenas em reabilitação, com 4,4 milhões provenientes do PRR. Neste momento, Gaia tem cerca de 1100 famílias a aguardar por uma solução habitacional.

Na Invicta, a Porto Vivo, SRU também tem recorrido ao financiamento do programa 1º Direito para comprar imóveis a carecer de intervenção. Exemplo é o projeto Ilhas da Lomba, onde está prevista a edificação de 47 fogos. Para concretização deste projeto, a Porto Vivo adquiriu em 2022 um prédio urbano com 28 casas e, já este ano, quatro prédios com 15 casas. Para reabilitar, contam-se ainda mais 26 habitações, umas já compradas e outras em processo de aquisição. A empresa municipal está também a procurar no mercado frações prontas a habitar, de forma a ultrapassar as morosidades da elaboração de projetos e realização da obra. O Porto tem atualmente 934 famílias na lista de atribuição de fogos, número que se manteve estável nos últimos cinco anos, diz. Neste período, foram entregues "mais de 1900 casas, uma média de uma casa por dia". Em Matosinhos, onde se contabilizam 1593 pedidos de casa, "as candidaturas do município ao programa 1º Direito/PRR estão a decorrer dentro dos prazos previstos", diz a autarquia. Assim, "não houve a necessidade de ir ao mercado".

A Câmara de Vila Nova de Famalicão, que até ao momento não se socorreu da opção do direito de preferência, tem 62 milhões de euros para investir durante seis anos na melhoria do parque habitacional do concelho, dentro do programa 1.º Direito. Segundo a autarquia, esse montante "vai permitir melhorar as condições de habitabilidade de mais de 800 agregados familiares", sendo que na câmara liderada por Mário Passos há 88 pedidos de habitação.

Jornalistas do Dinheiro Vivo

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