Os municípios vão ter 60 dias para decidir se aceitam assumir as novas competências previstas na descentralização já no próximo ano. O anúncio foi feito ontem pelo secretário de Estado das Autarquias Locais, Carlos Miguel, que adiantou que haverá uma data específica para a Educação - 31 de março de 2019 -, dado que neste caso a passagem para o poder local de novos encargos terá de coincidir com o início do ano letivo..Novos prazos que surgem depois da polémica com a data que ficou inscrita na lei-quadro da descentralização, que estabelecia como limite para uma decisão das autarquias o dia 15 de setembro - um mês depois da publicação da própria lei, em agosto, e sem que fossem conhecidos os diplomas da descentralização, o que, aliás, não aconteceu até agora.."Todos os diplomas de forma individual preveem que haja 60 dias para as autarquias poderem deliberar se não têm condições [de aceitar], sendo que se forem cumpridos os prazos a delegação de competências poderá iniciar-se em janeiro de 2019", referiu Carlos Miguel à agência Lusa, ressalvando que se os diplomas forem "chamados" à Assembleia da República, como já anunciou o PCP, as "datas já terão de ser outras"..Os obstáculos pelo caminho.E não é nada improvável que as datas venham a ser outras. O secretário de Estado já dava ontem vários diplomas a caminho da publicação em Diário da República - uma informação que foi depois corrigida pelo Ministério da Administração Interna, dado que os textos setoriais ainda têm de ir à aprovação do Presidente da República. E não é certo que os 23 diplomas setoriais passem incólumes pelo crivo de Belém. Quando aprovou a Lei-Quadro da Descentralização, Marcelo Rebelo de Sousa deixou o aviso: "Só o exame cuidadoso, caso a caso, dos diplomas que venham a completar os atuais permitirá avaliar do verdadeiro alcance global do que acaba de ser aprovado." Mais: "O Presidente da República aguarda, com redobrado empenho, esses outros diplomas e a decisão de hoje [a aprovação da lei-quadro] não determina, necessariamente, as decisões que sobre eles venham a ser tomadas.".Depois de Belém, será a vez da Assembleia da República. O PCP anunciou esta semana que vai pedir a apreciação parlamentar - e propor a revogação - de todos os diplomas setoriais da descentralização (que concretizam a transferência de competências área a área). Pedro Soares, do BE, admite que os bloquistas venham a fazer o mesmo, mas diz que a decisão será tomada em função do conteúdo dos diplomas. O CDS, igualmente muito crítico deste processo, não antecipa o sentido de voto face a textos que ainda não conhece - "nem sequer conhecemos os que foram aprovados", diz o deputado Álvaro Castello-Branco -, mas vai lembrando que discorda em grande medida das propostas do governo. Conclusão de deputado centrista: "Está nas mãos do PSD.".No PSD, alegando que não há ainda acordo em várias áreas e que a iniciativa do PCP não foi discutida internamente, ninguém antecipa cenários de votação. Nem sequer se o acordo firmado em abril entre o governo e os sociais-democratas dá cobertura a uma votação dos diplomas setoriais. Mesmo tendo aprovado a lei-quadro da descentralização, o PSD não tem poupado nas críticas à forma como o governo tem conduzido este processo.."Nesta legislatura não vai haver descentralização absolutamente nenhuma", antecipa Álvaro Castello-Branco. Do outro lado do espectro partidário, Pedro Soares também diz que a transferência de competências já só pode ficar contemplada nos orçamentos municipais para 2020 - "já é a próxima legislatura". "O primeiro grande acordo do Bloco central desta legislatura, de papel passado e tudo, está em crise", aponta o parlamentar bloquista..Além do plano partidário, há outro foco de contestação ao processo de descentralização - as próprias autarquias. Vários municípios - caso do Porto, Vila Nova de Gaia ou Loures - já disseram não à descentralização de competências no próximo ano, mas não é claro se essa deliberação é, agora, válida. .O DN questionou ontem o Ministério da Administração Interna, que se limitou a invocar a carta que o ministro Eduardo Cabrita escreveu às autarquias no final de agosto. Ora, esse texto refere que "a adesão dos municípios às novas competências só se poderá efetivar após a publicação dos diplomas setoriais respetivos". "As notícias vindas a público sobre deliberações de órgãos autárquicos relativamente à opção pelo não exercício de competências em 2019 são extemporâneas e destituídas de qualquer valor jurídico", dizia então o ministro, uma leitura contestada pelo PCP e por vários municípios, e que deverá reacender-se agora.