A defesa intransigente e moral da liberdade como resposta ao mundo global
Defender a moderação em tempos de polarização moral ou lançar um repto à supressão da superioridade moral na política não é incompatível com uma defesa intransigente e moral do valor da liberdade - o primeiro dos meus valores. Procurarei explicar porquê.
Numa sociedade em que convivem milhões de projetos de felicidade, de que forma podemos resolver ou regular os naturais conflitos entre eles?
Há quem defenda que devem ser resolvidos através de uma ordem política e moral que defina, normalmente através do Estado, um bem comum oponível a todos. Desta forma, compete a essa ordem, olhando para a multiplicidade social, definir e impor regras que corporizem a ideia de interesse público, conformando a ação dos indivíduos.
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Ora, não acredito que seja possível definir um interesse público oponível a todos. Não só está fora da capacidade humana, como a realidade é feita de milhões de visões tão distintas quanto legítimas. O que é o interesse público? Há milhões de respostas. E por isso no direito se discute a figura dos interesses públicos conflituantes. Acho até que essa tese se aproxima do autoritarismo ao presumir que a sociedade tem fins próprios, distintos dos das pessoas que a compõem, e que lhes podem ser impostos em nome de um bem maior. Isso é violentador das liberdades.
Por isso é que, ora à direita ora à esquerda, pessoas se sentem agredidas quando o Estado, através da maioria do momento, lhes impõe ou penaliza visões ou comportamentos, num círculo vicioso: uma vez estão uns, e legislam num sentido, outra vez estão outros, e legislam noutro, numa espiral polarizadora que, como já escrevi, coloca em causa a democracia liberal.
Se queremos eliminar essa espiral de ressentimento, encontrando um terreno comum de convivência política, temos de fundar a ordem no respeito absoluto pela liberdade de cada um lutar pelo seu projeto de felicidade. Isso significa que o Estado deve limitar, e muito, o seu poder conformador, abstendo-se de impor visões próprias, deixando que cada um viva e deixe viver. Esta é uma ideia atrativa para o lado que se sente violentado, mas deixa de o ser quando esse lado volta ao poder, que logo quer impor as suas ideias. Daí que realce: respeitar absolutamente e sempre a liberdade, e não apenas quando convém.
Uma ordem alicerçada no respeito absoluto pela liberdade é, por isso, uma ordem mais bem preparada para os desafios de um mundo mais diverso, assegurando o pluralismo que funda a democracia liberal e garantindo a cada um o livre desenvolvimento moral da sua existência.
Não se trata de uma conceção anárquica. A liberdade não contém o poder de obrigar terceiros a atuar em nosso favor, de os sujeitar. Corresponde apenas, e é muito, ao nosso espaço para, sem coação, darmos de nós. O adágio de a liberdade terminar onde começa a dos outros vem daqui e ilustra o poder conformador da liberdade.
Não se trata de uma conceção amoral. Não se concede é ao Estado o poder de definir o bem, sob pena de o confundirmos com o que a maioria decide. Estabelece-se aliás uma igualdade moral, em que ninguém é mais do que ninguém, e uma responsabilidade moral, em que cada um assume as consequências dos seus atos.
Não se trata de uma conceção relativista. Todos os valores fundacionais da nossa civilização são protegidos pela defesa das liberdades, desde logo a de viver. E muitas das ameaças que sentimos ao nosso modo de vida constituem ataques às liberdades, e devemos legitimamente afastá-las com esse fundamento.
E não se trata de uma conceção egoísta. O Estado é incapaz de sentir amor, amizade. Isso são sentimentos humanos e é bom que não os deleguemos no Estado, prescindindo das liberdades de escolha. Uma coisa é defender uma rede de proteção dos mais vulneráveis, que os proteja e capacite para além dela, outra é achar que sem o Estado as pessoas não conseguem fazer por si, que as pessoas não se ajudam, que a família é supletiva.
Uma ordem alicerçada no respeito absoluto pela liberdade é, por isso, uma ordem mais bem preparada para os desafios de um mundo mais diverso, assegurando o pluralismo que funda a democracia liberal e garantindo a cada um o livre desenvolvimento moral da sua existência.
Advogado e vice-presidente do CDS