Ao centro, volver. Ou quatro ilações de uma inesperada crise política
Ainda nem começou a campanha para as europeias e estas já foram atropeladas pela das legislativas. Com um horizonte de dia 15 para as votações finais no Parlamento da questão da contagem do tempo de serviço para o reembolso dos cortes nos salários dos professores, ninguém vai pensar em mais nada. Muito menos nas pouco apelativas questões europeias - e nos ainda menos emocionantes candidatos.
O que é de certa forma irónico, pelo que representa de oportunidade perdida. Voltaremos à política, como habitualmente, doméstica, de tricas e grupos de interesse. Deixando para segundo plano a política com que nos devíamos preocupar mais, a que determinará o mundo e o nosso futuro comum. Que era do que devíamos estar a falar quando falamos de europeias.
Pior: voltamos à política eleitoral. À que perde tantas vezes o foco do essencial para se demorar no secundário, submete valores e princípios para se render ao marketing. O que transforma pessoas em membros de focus groups, targets ou vetores. Onde posso ganhar votos? Para que eleitorado devo falar e como chegar-lhe?
O PS, desta vez, já respondeu. António Costa, qual karateca, aproveitando uma posição que parecia de força dos seus adversários - que, nesta questão, são todos os outros partidos - e transformando-a na sua. Uma pirueta e zás, aí estão eles todos à defesa. E agora o PS olha para todos do ponto em que o colocaram: ao centro. E é aí que se ganham as eleições em Portugal - por enquanto. Estranho é que tenham sido os outros partidos, à esquerda e à direita, que o tenham empurrado voluntariamente para a posição, extremamente confortável, em que está hoje.
O PS sabe que não há maioria possível na geografia da geringonça. Por isso aproveitou este golpe para sacudir os partidos à sua esquerda. Apesar da "colher de chá" do discurso do primeiro-ministro - mais uma vez a pensar no futuro, não fechando portas - foi a versão "queixinhas" que vingou: não tenho condições para governar com irresponsáveis que não se preocupam com a economia e a sua sustentabilidade.
De certa forma, Bloco e o PCP até agradecem. Estão a jogar o seu peso eleitoral nas próximas eleições - depois do jogo perigoso que fizeram nesta legislatura. No simbolismo que é importante para a sua base de apoio, os seus potenciais eleitores, a quem pouco importa que haja um certo irrealismo nas propostas, porque o único realismo por que se interessam é o sonho de uns euros a mais no bolso. Durante a legislatura, estes partidos da esquerda estiveram sempre a tentar provar que não havia necessidade de um voto útil - porque eram mais úteis do que esse voto. Agora vão ter de combater esse voto útil, que será um dos argumentos eleitorais fundamentais do PS.
Interessante é que este seja também argumento para Costa usar à direita: a versão do bom aluno, o fanático das contas certas, dos bons resultados, da capacidade de bater o pé a um sindicato poderoso, como é o dos professores. Tudo razões que conquistarão o eleitorado tradicional de um PSD liderado por um contabilista e de um CDS que esteve nos anos de fogo da austeridade - dois partidos cuja estratégia de confronto de curto prazo, de "polémica" da semana, talvez tenha impedido de antecipar o que poderia ser a resposta do governo.
Um governo com rumo incerto e uma campanha europeia a correr tão mal que até houve quem dissesse que podia ser de propósito pode tornar-se imprevisível. Mas o jogo não acabou ainda. E podem ser determinantes 15 dias de incerteza, no meio de uma campanha que vai trazer para os holofotes as forças e fraquezas de cada um. Quanto valem os votos dos professores? Valem certamente pelo seu significado social - são uma força política, habituados a pensar em conjunto (das salas de professores às manifs ou aos piqueniques que abalam governos). Quanto vale o voto de quem não gosta de professores, em particular, ou de funcionários públicos em geral? É o que vamos certamente saber nas próximas eleições legislativas. Seja quando forem.