Nova SBE, uma faculdade muito pouco pública
A revista Sábado revelou nesta semana que em maio o "conselho restrito de catedráticos" da Nova SBE (School of Business and Economics), a Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, deliberou que os professores da instituição que intervêm nos media não podem assinar como docentes dela "quando estiverem a dar a sua opinião".
O principal alvo desta inusitada deliberação de tão inusitado grupo - e que começa logo por colocar o problema de saber como se distingue, em economia, "opinião" do que não o seja, sobretudo quando aparentemente estão mesmo em causa textos de opinião, e ignora que sempre que um professor é contactado por jornalistas para opinar sobre algo virá, queira ou não, identificado com a pertença à escola - será, segundo a revista, a economista Susana Peralta, que assina opinião no Público como professora da Nova SBE. Na reunião citada, e ainda segundo a Sábado, terá sido mencionado pelo diretor da escola, Daniel Traça, um telefonema de protesto de uma das grandes empresas referidas como "stakeholders" da escola (mecenas). De facto, Susana Peralta, que pode ser considerada como uma economista "de esquerda", já criticou alguns desses "stakeholders", como a EDP e o Novo Banco.
Desde logo, estranhe-se que a deliberação seja atribuída a um grupo que não é um órgão formal, e que apesar de quer a universidade quer a faculdade terem conselhos de ética nenhum apareça mencionado; do mesmo modo, não há referência a qualquer código de conduta preexistente. Será porque não existe? Certo é que no final de 2018 não existia; mesmo no que respeitava à relação da faculdade e respetivos membros com os tais poderosos "stakeholders", que deveria implicar alguns cuidados para certificar, quer no plano concreto quer da imagem, a independência e a autonomia da escola e seu corpo docente, vigorava o laissez faire, laissez passer.
Senão, vejamos. Em outubro de 2018 o BPI lançou um novo produto de crédito à habitação com taxa fixa. Da campanha publicitária de lançamento, difundida através da página do banco na net e do seu Facebook e Twitter, fez parte um conjunto de quatro vídeos protagonizados pelo professor do mestrado de Finanças da Nova SBE Miguel Ferreira, assim identificado.
Nos vídeos, o académico, que ocupa a cátedra BPI - financiada pelo BPI -, explica o que é a taxa Euribor e a diferença entre taxa fixa, mista e variável, e responde à pergunta "as taxas de juro vão subir ou descer?", aconselhando: "É uma boa opção considerar agora fixar a taxa de juro do seu empréstimo pois ficará protegido contra uma eventual subida das taxas de juro no futuro."
Só num dos vídeos se adverte para o facto de a taxa fixa ser sempre "mais cara" do que a variável em vigor no momento da contratação; em nenhum é dito que a primeira implica o pagamento de "um prémio", já que é calculada de modo a integrar no preço o risco (para o banco) de as taxas subirem acima da taxa fixada - algo que o também catedrático de Economia Francisco Louçã, que ouvi na altura, considera que "tinha de ser dito."
Aliás, perante os vídeos, este não teve dúvidas: ao apresentar a taxa fixa como uma boa opção na página de um banco que tenta vender crédito com essa mesma modalidade Miguel Ferreira está a fazer "promoção de produto", ou seja, publicidade - em tal envolvendo a faculdade a que pertence.
"É feio", resumiu Louçã, perguntando: "Faz parte do seu contrato na cátedra, ou é publicidade paga, ou seja, recebeu por isso além da paga de professor?" Concluindo que qualquer das hipóteses é má, o ex líder do BE questionou ainda: "Se foi sem ser pago, será que faria para outro banco também? Ou para uma entidade independente, como a Deco?"
Nuno Garoupa, ex-presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos e docente em universidades americanas há vários anos (agora na George Mason University), fez-se eco das mesmas questões quando soube do caso. "É óbvio que quando aparece um catedrático nessas circunstâncias está a fazer um endorsement do produto, a emprestar a sua credibilidade. E se aqui nos EUA há cátedras pagas por empresas, todas as universidades têm normas claras em relação ao que se pode e não pode fazer; uma das coisas que não pode acontecer é contacto direto entre detentor da cátedra e quem a paga. É elementar." Estas regras, sublinhou Garoupa, não impedem a existência de escândalos. Mas tentam preveni-los.
O próprio Miguel Ferreira, porém, ao ser questionado, admitiu que o BPI falou com ele diretamente - "Como tenho a cátedra conheço algumas pessoas lá" - e que não perguntou a ninguém, nomeadamente aos corpos de ética, se deveria fazer os vídeos. "Não me ocorreu que houvesse problema ético. Mas admito que pode haver a desvantagem de as pessoas pensarem que estamos a caucionar a campanha."
Assegurando não ter recebido pagamento por aquela participação, garante que para a Deco faria o mesmo tipo de serviço. "Para outros bancos dependeria de termos relações com eles ou não. Poderia fazer para o Santander, para a CGD, o Millennium e o Novo Banco, porque têm parcerias connosco. A Nova SBE considera que este tipo de colaboração está incluída na relação de parceria com as empresas. Porque elas contratam alunos, fazem estágios com alunos, fazem cursos cá, patrocinam conferências académicas..."
Ou seja: ao pagar uma cátedra e financiar atividades na faculdade, os "mecenas" são tratados como donos a quem fica mal recusar "favores"? "Estas parcerias têm vários potenciais de conflitos de interesse", reconheceu Ferreira. "Honestamente talvez tenha mais cuidado no futuro porque acho que temos de pensar sobre estas questões. Devíamos desenvolver códigos de conduta. É preciso definir de forma clara o que se pode e não se pode fazer."
Escassos meses depois, já em 2019, Traça foi reeleito e Ferreira ascendeu a presidente do conselho científico. A seguir, soube-se que Traça aceitara ser administrador não executivo do Santander - uma situação que a Nova SBE assegurou em abril desse ano, respondendo a questões por mim enviadas, ter sido apreciada pelo conselho de ética, que não terá visto problema, e autorizada pelo reitor da universidade. Já o meu pedido de acesso aos contratos de cátedra - que não são acessíveis publicamente - e a pergunta sobre se existia ou estava em elaboração algum código de conduta atinente à relação com patrocinadores, a faculdade ignorou.
Algo que Nuno Garoupa acha impensável: "Não sou contra cátedras pagas por empresas ou por privados, mas tudo deve ser transparente. Deve ser tudo público, consultável, sindicável. Neste momento nem se sabe quanto o BPI e o Santander, por exemplo, pagam à Nova."
Com questões éticas desta magnitude em causa - que raio de faculdade pública é esta em que os contratos de patrocínio são secretos, o diretor é administrador de um dos bancos mecenas e um professor aparece numa campanha publicitária do banco que paga a sua cátedra? - que um "conselho restrito de catedráticos" se tenha atrevido a deliberar sobre se os professores podem assinar opinião referindo a ligação à faculdade, como se esta fosse uma "marca" que lhes pertence, parece gozo. Mas infelizmente não é: sendo certo que tal decisão, por tão ridícula e ilegítima, nunca poderia implicar consequências disciplinares - aliás, Susana Peralta continuou e bem a assinar como antes -, o objetivo foi condicionar e mostrar quem manda. Trata-se na verdade de uma "expulsão simbólica", que faz saber à visada que na Nova SBE não irá longe. Chama-se a isto "estalar o chicote".
Seria decerto interessante aferir a diferença nas reações públicas se em vez de um telefonema desagradado de uma empresa privada o diretor da escola tivesse, na reunião, invocado o de um governante - afinal, o Estado é ainda o principal stakeholder. Mas quanto a dois pesos e duas medidas podemos ficar com a reação de Traça quando em 2018 o questionei sobre a participação de Ferreira na campanha publicitária do BPI e o facto de tal vincular a faculdade: "A liberdade académica é um valor fundamental. E acho que as pessoas distinguem."
Jornalista