Vox: o que vai fazer o partido que quer acabar com as regiões autónomas de Espanha?
Partido de extrema-direita espanhola surpreendeu com a conquista de 12 deputados para o Parlamento andaluz. Que impacto terá o resultado a nível nacional, à porta de um ano de municipais, regionais e europeias?
"A Reconquista começará em terras andaluzas", lia-se no tweet que lançou a campanha do Vox às eleições autonómicas andaluzas, no qual o líder Santiago Abascal surgia a cavalo ao lado de outros dirigentes do partido de extrema-direita, como o toureiro Morante de la Puebla, ao som da música da saga O Senhor dos Anéis.
O vídeo foi alvo de inúmeros memes nas redes sociais, com a banda sonora original a ser substituída por muitas outras (desde o Bonanza a músicas de westerns espanhóis). Mas, três semanas depois, o único que se pode rir é o Vox, estreando-se num Parlamento em Espanha com a conquista de 12 deputados nas eleições regionais deste domingo e tendo nas mãos o poder para afastar os socialistas do poder na Andaluzia, 36 anos depois.
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"As urnas podem mudar tudo. Estamos diante de um dia histórico, não só para a Andaluzia mas também para toda a Espanha", dizia Abascal na manhã de domingo, quando os andaluzes ainda votam e se estava longe de imaginar o resultado histórico dessa noite eleitoral. Ontem, já previa: "Os resultados antecipam um crescimento do Vox em toda a Espanha. A estratégia ou a chantagem do voto útil acabou."
O PSOE do primeiro-ministro Pedro Sánchez e encabeçado por Susana Díaz voltou a ser o partido mais votado na Andaluzia, mas com o pior resultado de sempre, passando de 35,41% para 27,95% dos votos. Conquista apenas 33 deputados, longe da maioria de 55. E nem os votos e o deputados do Adelante Andalucia (Podemos e outras formações de esquerda), que elegeu 17, são suficientes.

Essa maioria está nas mãos da direita: o Partido Popular também tem um dos seus piores resultados na Andaluzia, com 20%, mas os 26 deputados que elegem são suficientes para travar a ascensão do Ciudadanos (21 deputados), que algumas sondagens chegaram a dar como segundo partido mais votado. E junto com os 12 do Vox, liderado na região pelo ex-juiz Francisco Serrano, garantem a maioria.
"Não seremos obstáculo para acabar com o regime socialista", indicou Abascal, apesar de uma convivência entre PP e Ciudadanos também não ser fácil.
Resultado legitima extrema-direita
"Uma surpresa eleitoral que normaliza, reconhece como legítima e institucionaliza a extrema-direita", escreveu ontem o jornalista Rubén Amón no El País. "As forças políticas convencionais podem afastá-lo [ao Vox] dos pactos, neutralizá-lo. Pensemos, por exemplo, num acordo ao estilo dinamarquês, tipo Borgen [série de televisão], que converteria [Juan] Marín (Ciudadanos) em presidente com os votos do PSOE e do PP, mas a manobra não resolveria o problema, ou seja, a irrupção da extrema-direita. Simplesmente disfarçaria o sintoma."
As eleições na Andaluzia adivinhavam-se um teste ao governo socialista de Pedro Sánchez, que, com este resultado, afastará a hipótese de convocar para breve eleições gerais - chegou a falar-se de eleições já em 2019. Isto porque é, neste momento, imprevisível perceber a subida da direita a nível nacional (é preciso lembrar que o PP foi o partido mais votado nas eleições e que foi preciso uma aliança dos socialistas e da esquerda com partidos independentistas para conseguir afastar o ex-primeiro-ministro Mariano Rajoy do poder).
O próximo teste eleitoral para Sánchez aproxima-se rapidamente: são as eleições locais, regionais (exceto na Andaluzia, no País Basco e na Catalunha) e europeias de maio. "O meu governo continuará a promover um projeto regenerador e europeísta para Espanha. Os resultados na Andaluzia reforçam o nosso compromisso de defender a Constituição e a democracia frente ao medo", escreveu o primeiro-ministro no Twitter. O PSOE vai reunir-se e revelará nesta terça-feira qual será a estratégia a seguir na sua "batalha pela democracia".
Essas eleições serão mais um teste também para o Vox, que se reúne nesta quarta-feira para falar da estratégia para o que vem a seguir. O Vox entra para o Parlamento regional andaluz sem um programa próprio dirigido à Andaluzia, mas apenas apoiado nos cem pontos do seu programa que apresentou no Palácio Vistalegre, em Madrid, em outubro. Sendo um deles precisamente acabar com o estado autonómico e o Parlamento para o qual agora entraram.
Propostas do Vox
Estas são algumas das cem propostas do Vox, entre as cem apresentadas em outubro, no Palácio Vistalegre.
Espanha: "Transformar o Estado autonómico num Estado de direito unitário que promova a igualdade e a solidariedade em vez dos privilégios e a divisão. Um só governo e um só Parlamento para toda a Espanha. Desde logo: devolução imediata ao Estado das competências em matéria de educação, saúde, segurança e justiça, limitando em tudo o possível a capacidade legislativa autonómica."
Violência de género: "Revogação da lei de violência de género e de todas as leis que discriminem um sexo de outro. Em seu lugar, promulgar uma lei de violência intrafamiliar que proteja por igual a idosos, homens, mulheres e crianças. Supressão de organismos feministas radicais subvencionados, perseguição efetiva de denúncias falsas. Proteção do menor em caso de processos de divórcio."
Imigração: "A imigração será abordada em função das necessidades da economia nacional e da capacidade de integração do imigrante. Serão estabelecidas quotas de origem, privilegiando as nacionalidades que partilham idioma e importantes laços de amizade e cultura com Espanha."
Impostos: "Redução radical do imposto sobre rendimentos. Aumento significativo do mínimo pessoal e familiar isento até 12 mil euros (...) Amplo sistema de benefícios fiscais para as famílias, em especial as numerosas."
Europa: "Promover em Bruxelas um novo tratado europeu, na linha do defendido pelos países do grupo de Visegrado em relação às fronteiras, soberania nacional e respeito pelos valores da cultura europeia e que aumente consideravelmente o peso de Espanha na tomada de decisões, pelo menos ao nível do Tratado de Nice."