A nova China
O nacionalismo do Império do Meio é geralmente atribuído à reação do povo e dos intelectuais contra a considerada agressão externa, de origem ocidental, humilhante do império-civilização, com fundamento revoltado contra as decisões da Conferência de Versalhes, que, em 1919, decidiu transferir as antigas possessões da vencida Alemanha para o Japão.
O chamado Movimento de 4 de Maio de 1919 foi a expressão de um chamado sobressalto patriótico, que se revoltava contra a ofensa à identidade e dignidade nacionais, que inspirava a necessidade de uma modernização que lhe restituísse a igualdade na comunidade internacional. A intervenção de Sun Yat-sen ligou o Partido Nacionalista Chinês (Kuomintang) ao seu principal aliado general Chiang Kai-shek, defensor da cultura tradicional da China, orientado pelo que chamou "movimento nova vida".
As intervenções militares que liderou foram pesadas, mas a vitória pertenceria finalmente ao Movimento Comunista, nascido em julho de 1921, e que, dirigido por Mao, seguiu o seu conceito de criar qualquer coisa de novo e vivo, um estilo chinês e uma memória chinesa, agradável ao ouvir e à vista da gente simples da China (1939).
Esta "via chinesa", cujo trajeto incluiu combates e sacrifícios, firmou a sua independência e especificidade em relação ao sovietismo e contra as agressões exteriores, linha a que foi chamada a chinização do marxismo. Isto implicou que as potências com direito de veto no Conselho de Segurança da ONU, entre as quais estava a China, considerassem defensivo que cabia a Taiwan, onde o vencido general Chiang Kai-shek se refugiara com o seu exercito, intitulando-se presidente da República da China, situação que durou até 1971.
A chegada à liderança chinesa de Deng Xiaoping aliviou a tensão, ao proclamar o que chamou a "segunda revolução", exercendo o poder entre 1978 e 1992, e adotando o conceito de um Estado e dois regimes. É este conceito que nesta data se encontra em causa, porque está a ser esclarecido que abria caminho à garantia de vir a incluir na íntegra soberania chinesa Taiwan, Hong Kong, e o mar territorial que a China deixara de navegar, antes do nosso movimento das Descobertas, e, com diferente sentimento, Macau.
A situação de Taiwan sofreu limitações no reconhecimento internacional como Estado independente e tenta assegurar essa independência. Mas Hong Kong, onde se verificou a modelação da sociedade civil pela soberania colonial inglesa, tem uma diferenciação cultural que a leva, com determinação cívica, a ter uma leitura própria do que significa a "linha vermelha" que o governo central considera de violação intolerável. O seu conceito dos "dois regimes" colocou milhões de cidadãos na praça pública em protesto contra uma lei de extradição que viola o seu estatuto diferenciado.
Por outro lado, quando a China colocou o primeiro porta-aviões no mar, provocou alarme em relação ao estatuto de Taiwan, mas agora foi a França que sentiu a necessidade de reafirmar a sua presença na Ásia em face da China, quando em 1 de junho, enviando o seu porta-aviões Charles de Gaulle para o Pacífico, publicou em Singapura a sua "estratégia indo-pacífico" afirmando: "Nós temos territórios, mais de 1,6 milhões de habitantes, numerosas ilhas com diferentes estatutos, vastas zonas económicas exclusivas e a responsabilidade inerente", isto na reunião anual do Shangri-La, diálogo dos responsáveis pela segurança na Ásia.
Vai exigir ponderação a definição do regresso aos mares que a China tinha deixado de navegar quando ali chegaram os ocidentais. A ação política de Xi Jinping, que assumiu com êxito o projeto de modernização herdado, ao assumir o poder em 2012, desmentia a conclusão da primeira-ministra Thatcher de que "não havia alternativa" para o regime económico e democrático anglo-americano, mobilizando o Partido-Estado, para reabilitar a nação das passadas agressões, com o seu comando respeitado.
A competição EUA-Rússia-China tende para ser o mais forte desafio à ordem normativa internacional. Portugal, que recebeu da China o respeito apoiado na declaração de Mao de que era o país ocidental que nunca participara em agressões contra ela, tem de ser uma das vozes a favor de não ser ultrapassada a linha da contenção diplomática e da salvaguarda dos valores que alicerçam o projeto da ONU. Não pode esquecer-se que este projeto procurou articular o princípio da aristocracia da hierarquia das potências com o direito de veto, com o da salvaguarda da igual dignidade de todos os Estados membros.
A longa prática de ignorar a China, entregando a representação a Taiwan, foi uma adesão inoportuna à errada convicção de que é possível ignorar que nada está para sempre decidido. A nova intervenção dos emergentes está a desafiar esse conservadorismo e a exigir que a readaptação das instâncias internacionais se faça sem violação dos princípios de "justiça" em paz.