Emigração de médicos vai subir para níveis do tempo da crise

Em meio ano, saíram quase tantos médicos do país como em todo o ano de 2017, a maioria ainda sem uma especialidade. Ordem avisa que a falta de vagas para internato deve fazer aumentar esse número para valores do tempo da crise.
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A emigração de médicos voltou a aumentar em 2018 depois de ter descido desde o início da legislatura e ameaça, nos próximos anos, ganhar a mesma dimensão que teve nos anos da crise económica. Em meio ano, saíram quase tantos médicos do país como em todo o ano passado, mas agora por razões diferentes das do tempo da troika: se na primeira metade da década, procuravam principalmente melhores salários, agora a maioria dos casos diz respeito a jovens profissionais sem lugar para internato, que procuram tirar uma especialidade no estrangeiro.

Os dados da ordem não deixam margem para dúvidas: 63% dos 130 médicos que até 30 de junho pediram a declaração para poderem ir para o estrangeiro (em todo o ano passado foram 182 e em 2016 foram 198) não estão inscritos em qualquer especialidade; e 60% do total têm entre 25 e 34 anos. Uma tendência que vai agravar-se nos próximos anos, já que desde 2015 não se conseguem garantir vagas de internato para todos os alunos que terminam o ano comum, que se segue ao final do curso.

Alguns dos principais responsáveis neste setor, que nos últimos anos acompanharam de perto a evolução das capacidades formativas nos hospitais, estão de acordo: o país vai voltar a níveis de emigração médica semelhantes aos do tempo da troika - em 2014, último ano da assistência financeira, 366 médicos pediram os papéis para poderem exercer no estrangeiro e em 2015 foram ainda mais, 475. "A vaga tem de facto tendência para ser semelhante à do período da troika, mas agora por razões diferentes, na altura partiam em busca de melhores condições de trabalho e melhores salários, agora procuram lugar para tirar especialidade", explica Edson Oliveira, que durante três anos foi o responsável da Ordem dos Médicos pela área do internato médico.

Só neste ano, cerca de 700 médicos terão ficado sem vaga para tirar uma especialidade, número semelhante ao de 2017 e que pode ser maior ainda no futuro próximo, alertam os profissionais. À falta de renovação dos quadros, envelhecidos e nos quais não entram recém-especialistas em número suficiente, junta-se a saída para o privado da faixa entre os 35 e os 50 anos para justificar a diminuição da formação nos serviços. "Se combinarmos o número de pessoas que vai para o setor privado em exclusivo e o de médicos que preferem emigrar, o número continua a aumentar", aponta o bastonário dos médicos em entrevista ao DN. "Na emigração houve um decréscimo no ano passado, mas agora está a aumentar outra vez, e os dados da emigração deste ano provam isso mesmo, enquanto o de profissionais que saem para o privado tem vindo sempre a aumentar. De tal forma que o número de médicos que trabalham apenas no privado anda próximo dos 15 mil", afirma Miguel Guimarães, que entende que esta taxa de abandono do Serviço Nacional de Saúde se deve à falta de condições do próprio SNS.

E quem deixa o país para tirar a especialidade no estrangeiro, ainda numa idade em que não tem família formada, dificilmente regressa a Portugal no final da formação, considera Catarina Perry da Câmara, coordenadora do Conselho Nacional do Médico Interno. Ideia partilhada por Edson Oliveira. "Será difícil resgatá-los, por duas razões: primeiro porque estão numa fase da vida em que constituem família nos países para onde emigram; por outra, pela competição salarial nesses países, que oferecem melhores condições."

Médicos pedem concursos e menos vagas

É um círculo vicioso: com o aumento do número de médicos sem especialidade e a saída de especialistas do sistema público perde-se a capacidade formativa e os concursos não compensam em número de entradas porque demoram meses a arrancar - neste ano foram cerca de três meses, para quem acabou internato em abril, mas no ano passado foram nove - "e os recém-especialistas acabam por sair para o privado ou para o estrangeiro", acrescentam tanto Miguel Guimarães como Edson Oliveira.

As soluções consensuais entre os dirigentes ouvidos pelo DN passam pela abertura rápida de concursos depois de concluído o internato e a redução de alunos nos cursos de Medicina. "Mas também pela criação de condições dentro do SNS para evitar a saída de especialistas", defende Catarina Perry da Câmara. "E quando falo em condições não me refiro a questões de carreira, que também seriam importantes, mas os especialistas nem têm tempo para dar formação. A nova lei do internato prevê até três horas semanais para funções de formação, mas na prática ninguém tem tempo para formar um interno."

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