Terras distantes, relações próximas: 500 anos de relações históricas entre o Irão e Portugal
Independentemente das relações históricas e culturais das tribos iranianas com a Península Ibérica na antiguidade e da presença de iranianos na Andaluzia durante a era muçulmana, o primeiro encontro entre a Pérsia e Portugal nos tempos modernos foi no início do século XVI quando a chegada das forças portuguesas ao golfo Pérsico e ao mar de Omã coincidiu com o estabelecimento do governo nacional safávida no Irão. Naquela época, o incipiente governo safávida do xá Ismail I estava mais envolvido na guerra com os otomanos e usbeques no nordeste e oeste do país e não podia enfrentar um novo candidato ao poder europeu no golfo Pérsico. Assim, comprometeu-se com os novos invasores e, ao enviar enviados a Goa com mensagens de amizade, recebeu representantes do vice-rei de Portugal na Índia. Com esses contactos e intercâmbio de missões diplomáticas, o governo iraniano procurou fortalecer a sua defesa contra as invasões otomanas com uma aliança com os europeus. Depois do xá Ismail, esses contactos continuaram inconsistentemente ao longo do século XVI.
Durante o reinado do xá Abbas I, as relações entre os dois países entraram numa nova fase com a troca de várias delegações diplomáticas e comerciais entre Isfahan, Goa e Lisboa na primeira década do século XVII. Após a supressão dos usbeques e a expulsão das forças otomanas do Irão, o uso da rota comercial do golfo Pérsico foi o objetivo do xá Abbas. Nessa época, os portugueses dominavam o comércio e os assuntos políticos da região e procuravam monopolizar a compra de mercadorias iranianas através do golfo Pérsico. O poder crescente do rei safávido fez que numerosas delegações de países europeus chegassem à corte iraniana a fim de concluir acordos comerciais e formar uma aliança política contra os otomanos. O xá Abbas também enviou várias delegações às capitais europeias, incluindo Lisboa. Os objetivos principais das delegações eram a cooperação militar e a aliança contra os otomanos, as relações comerciais e as fortificações portuguesas no golfo Pérsico. Não obstante, um período de extensos contactos diplomáticos entre as duas terras diminuiu quando Bahrein e Gombroon foram conquistados pelas forças do xá Abbas, respetivamente em 1602 e 1614, e os portugueses foram expulsos da ilha de Ormuz em 1622. No entanto, devido a vários acordos assinados entre os governos do Irão e de Portugal, de 1630 a 1722, Bandar-e Kong tornou-se o centro do comércio português no golfo Pérsico por cerca de cem anos. Em 1736, quando Nader Xá Afshar chegou ao poder, os 230 anos de relações políticas e comerciais entre o Irão e Portugal terminaram por um período relativamente longo, e os dois países não tiveram relações oficiais até meados do período Qajar no século XIX.
No século XIX, especialmente durante o reinado de Nasser al-Din Xá, as relações diplomáticas do Irão com muitos países europeus expandiram-se significativamente devido à presença e rivalidade de potências europeias no Irão e na região, as viagens do rei à Europa e a abertura das primeiras embaixadas iranianas permanentes nas principais cidades da Europa. Nesta altura, foram também estabelecidos contactos e relações entre Teerão e Lisboa. No entanto, esses contactos não foram realizados institucionalmente e no âmbito das relações diplomáticas oficiais. Documentos dos arquivos diplomáticos dos dois países revelam que, no final do século XIX e princípios do século XX, foram trocadas mensagens entre a corte Qajar, a monarquia e a república portuguesa, em diversas ocasiões. Alguns dos documentos dos arquivos do Ministério dos Negócios Estrangeiros iraniano referem-se aos esforços do ministro iraniano plenipotenciário em Viena em 1907 para viajar a Espanha e Portugal com o objetivo de estabelecer relações diplomáticas. Em abril de 1908, a convite oficial do governo português, uma delegação do Irão participou no Congresso Internacional do Telégrafo que se realizou em Lisboa. Os dois países também cooperaram na conclusão de uma convenção internacional sobre o ópio, cuja primeira conferência foi realizada em 1912 na Haia.
Documentos dos arquivos diplomáticos iranianos e portugueses mostram que desde 1935 as relações políticas entre os dois países se estabeleceram ao nível do ministro plenipotenciário. Segundo um documento do arquivo do Instituto Diplomático de Portugal, em 1945 o governo iraniano, através da sua embaixada em Paris, informou o governo português da sua decisão de elevar o nível das relações diplomáticas ao embaixador (não residente). Desde então, os embaixadores iranianos em Paris e os embaixadores portugueses em Ancara foram acreditados em dois países. Em 1971, Portugal decidiu abrir a sua embaixada em Teerão. No mesmo ano, a convite do governo iraniano, uma delegação chefiada pelo ministro dos Negócios Estrangeiros português participou na celebração dos 2500 anos do império persa, que decorreu em Shiraz. Após a revolução de 25 de abril de 1974, Carlos Henrique Ferreira, o embaixador de Portugal no Irão, reuniu-se com o ministro dos Negócios Estrangeiros iraniano para apresentar um relatório sobre a formação de um governo nacional de emergência no seu país. O governo iraniano reconheceu o novo regime político em Portugal em 2 de maio de 1974. Outro desenvolvimento importante nas relações Irão-Portugal na década de 1970 foi a abolição recíproca de vistos para os cidadãos dos dois países, concluída em junho de 1977 por troca de correspondências entre Francisco Paulo Mendes Delos, o embaixador de Portugal em Teerão, e o ministro dos Negócios Estrangeiros iraniano.
Após a Revolução Islâmica de 1979, o governo português reconheceu o novo sistema político do Irão e manteve as relações amigáveis entre os dois países. Em março de 1984, o governo da República Islâmica do Irão decidiu abrir a sua embaixada em Lisboa e credenciou Jahanbakhsh Mozaffari como seu primeiro embaixador. Desde então, os dois países têm mantido as suas relações ao nível de embaixadores em Lisboa e em Teerão. Durante quase quatro décadas, o Irão e Portugal mantiveram as suas relações equilibradas e amigáveis, baseadas no princípio do respeito mútuo. Essas relações têm-se desenvolvido nos campos político, económico, cultural e académico, o que indica a vontade política das lideranças dos dois países em manter e expandir as relações. Considerando a história de mais de 500 anos de relações entre as duas nações, 85 anos depois de os dois países decidirem estabelecer relações diplomáticas oficiais e 50 anos após a abertura da embaixada de Portugal em Teerão, o ano de 2020 é um momento importante, ou um jubileu, nas relações entre o Irão e Portugal. Por este motivo, na agenda das relações bilaterais está a organização de uma série de eventos culturais e científicos especiais em Lisboa e em Teerão. Neste sentido, o seminário científico e a exposição de documentos históricos de 500 anos de relações entre os dois países vão decorrer no Arquivo Nacional da Torre do Tombo de 8 a 29 de outubro de 2020, envolvendo a cooperação de diversas organizações científicas e culturais, instituições e académicos dos dois países.
Pelo que foi dito, o Irão e Portugal, embora sejam terras distantes geograficamente, têm uma valiosa e preciosa experiência histórica de 500 anos de relações e interações em vários domínios. Essa experiência pode ser usada para estabelecer e fortalecer relacionamentos baseados em interesses comuns. Como sublinhou o presidente Rouhani durante o seu encontro com o novo embaixador de Portugal em Teerão: "Estamos a aproximar-nos do 500.º aniversário das relações históricas entre o Irão e Portugal e esperamos que elas se desenvolvam em todos os domínios, especialmente na economia." Por outro lado, Portugal, a par de outros países europeus, tem apoiado de forma consistente os regulamentos internacionais, os acordos multilaterais, e em particular o PACG, e tem-se oposto ao unilateralismo. Este pode ser um importante ponto de convergência entre os dois países para a cooperação.
Embaixador da República Islâmica do Irão em Portugal