No Iraque o terrorismo virou-se contra as mulheres que têm voz
Tara, Suad, Rafif, Rasha. Quatro mulheres iraquianas de sucesso foram assassinadas ou morreram em circunstâncias suspeitas. De quem é a responsabilidade das mortes, não se sabe. Mas os grupos político-religiosos que controlam o país não gostam de mulheres com voz própria.
A Miss Iraque 2015 pode vir a ser a próxima vítima de uma série de mulheres mortas. Numa emissão online, Shaima Qassem revelou em pranto ter recebido ameaças de morte.
Qassem tem todos os motivos para levar a mensagem a sério e sentir a vida em risco. A mensagem surgiu poucos dias após o assassínio da Miss Bagdad 2014. Tara Fares, morta com três tiros enquanto conduzia o automóvel no bairro Kam Sara, na capital iraquiana, teve uma vida tão breve quanto inconformista.
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Filha de uma libanesa e de um iraquiano, a cristã Tara Fares era uma modelo e figura popular. Nas redes sociais era seguida por milhões de pessoas (2,8 milhões no Instagram - a sexta figura iraquiana e a primeira mulher).
Tendo casado aos 16 anos, era divorciada e mãe solteira. Mudou-se para a capital do Curdistão, Erbil, de costumes menos rígidos, mas agora, segundo a Kurdistan 24, vivia entre as duas cidades.
"Tantas jovens no Iraque olhavam para Tara, e se a Tara pode fazer isso, eu também posso fazê-lo, não preciso sair do Iraque - essa era a mensagem da Tara para as jovens", comentou Dashni Morad, cantora curda radicada na Holanda, ao siteNos.
As roupas, a maquilhagem, o cabelo solto, as tatuagens e a sua vida independente terão feito de Tara Fares um alvo a abater.
"As mulheres são atingidas à esquerda, à direita, ao centro e em todo o lado. Vivemos numa nova caça às bruxas", reagiu a ativista e escritora nascida no Iraque Zainab Salbi.
Alguns ultraconservadores da sociedade iraquiana terão concordado com o tuíte de um apresentador da estação estatal de TV Al Iraqiya. "Era uma prostituta e teve o que mereceu", comentou Haider Zawyyer. A mensagem foi apagada, mas houve quem a guardasse e a conta acabou por ser apagada pelo Twitter.
"Quão desesperados e inseguros têm de ser para a Tara ser uma ameaça? É impressionante a frágil masculinidade de quem tem acesso às armas no Iraque", comentou Rasha Al Aqeedi, iraquiana radicada em Washington, e que tem desenvolvido a sua investigação sobre a política iraquiana e o islão no think tank Foreign Policy Research Institute.
Dois dias antes foi a vez de Suad al-Ali. Também foi assassinada a tiro em pleno dia, numa rua de Bassorá, quando ia entrar num automóvel. Ativista dos direitos humanos, dirigia a organização não-governamental al-Weed al-Alaiami, pelos direitos das mulheres e das crianças.

A qualidade da água em Bassorá levou à hospitalização de centenas de pessoas.
© Reuters/Alaa al-Marjani
Suad al-Ali tinha sido uma figura de proa na organização de manifestações em Bassorá. Iniciados em julho, os protestos dirigiam-se contra a corrupção, o aumento do desemprego, os cortes de energia e a água contaminada.
A ativista condenara publicamente o uso da violência por parte das autoridades iraquianas na repressão das manifestações. Pelo menos 12 pessoas morreram após os protestos pacíficos terem degenerado: edifícios governamentais foram saqueados e incendiados, e o consulado iraniano também foi alvo de fogo posto.
A Barbie do Iraque e a dona de um salão de beleza
Outras duas mortes em circunstâncias por apurar, ocorridas em agosto, adensam a convicção de que há uma onda de violência ultraconservadora contra as mulheres.

Rafif al-Yasiri numa entrevista à Reuters em 2015.
© REUTERS/Ahmed Saad
Primeiro foi a cirurgiã plástica Rafif al-Yasiri, de 32 anos. A Barbie do Iraque, como era conhecida, foi presença regular na televisão. Na semana seguinte morreu Rasha al-Hassan, proprietária do centro de estética Viola, em Bagdad. Ambas morreram em casa.

Rasha al-Hassan.
Após estes casos terem atraído a atenção além-fronteiras, o primeiro-ministro deu ordens às forças de segurança para investigarem os casos. "O primeiro-ministro e comandante-em-chefe das Forças Armadas, Haider al-Abadi, ordenou que o Ministério do Interior e a Célula de Informações trabalhem de imediato e dentro de 48 horas para concentrar esforços ao nível nacional sobre os assassínios e raptos de pessoas conhecidas em Bassorá, Bagdad, e noutros lugares."
Além da ordem emitida, o primeiro-ministro não se furtou a levantar suspeitas. "Por trás parece existir um plano de organizações que visam violar a segurança sob o pretexto de combater as manifestações de desvios e mostrá-las como casos únicos, o que não parece ser o caso", lê-se num comunicado na página oficial do primeiro-ministro.
Bassorá fora de controlo
Três dias após a execução da ativista Suad al-Ali, os Estados Unidos anunciaram o encerramento do consulado em Bassorá. O secretário de Estado Mike Pompeo explicou que a decisão deveu-se ao "aumento de ameaças específicas" contra o consulado, que se situa no aeroporto daquela cidade do sul do Iraque.
Pompeo advertiu o Irão de que qualquer ataque ao pessoal ou a instalações norte-americanas teria consequências. A influência crescente do Irão na sociedade e na política iraquianas estão à vista. As milícias xiitas Hashd al-Shaabi, que combateram o Estado Islâmico, controlam agora o Iraque, exceto o Curdistão.