Quase a mesma Europa

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Quando Mário Soares quis ser presidente do Parlamento Europeu (PE), em 1999, podia ter sido. Bastava ter aceitado o Tratado de Tordesilhas existente à data entre os Populares Europeus e os Socialistas e ter esperado pela segunda metade do mandato do PE. Soares não quis, os Populares fizeram um acordo com os Liberais, com quem tinham votos suficientes para formar uma maioria, e dividiram o mandato de presidente do Parlamento entre Nicole Fontaine e Pat Cox. Se fosse agora, este exercício era impossível. Foi isto que mudou com as eleições europeias.

A grande coligação entre o Partido Popular Europeu (PPE) e os Socialistas (S&D) deixa de ser suficiente para fazer maioria. E a única maioria alternativa possível é a três, com os "liberais". Ou seja, a política europeia não virou à esquerda nem à direita, o grande centro continua a ser dominante, a única diferença é que inclui mais um partido. De centro.

E não aconteceu, porque não podia ter acontecido, a grande onda populista. Ninguém poderia ter esperado que todos aqueles partidos (agrupando aqui tudo e mais alguma coisa que esteja à direita do PPE) tivessem, juntos, 250 deputados. Nem o PPE, que é há décadas o maior partido europeu, tinha, como é que eles iam ter? O que é verdade é que os populistas e nacionalistas (para arrumar tudo no mesmo saco) tiveram um resultado significativo mas inconsequente no Parlamento (porque não contam para as maiorias). É no Conselho que eles vão (continuar a) fazer diferença. Exactamente o contrário do que se passa com os Verdes. Os partidos ecologistas, ambientalistas e quejandos tiveram uma subida percentualmente relevante, mas não é isso que os faz importantes. Como, ao contrário do que já aconteceu, não será possível fazer maiorias entre Liberais, Socialistas e Verdes, a sua importância no Parlamento é curta, e no Conselho é nula porque não há um único chefe de Estado ou de governo europeu que seja verde. Onde eles contam é na pressão que farão. A adesão de eleitores e, sobretudo, o facto de terem conquistado votos aos Socialistas vai obrigar o centro-esquerda, pelo menos, a integrar muitas das suas causas.

É no Conselho, entre os chefes de Estado e de governo, que há impacto das mudanças que aconteceram nos últimos anos, sobretudo nas eleições nacionais.

Há oito governos europeus liderados pelo PPE (sem contar com a Hungria,), nove governos liderados pelos liberais (contando com França), cinco socialistas, três governos são "populistas" ou nacionalistas (Polónia, Hungria e Itália) e um é de ex-extrema-esquerda, mas pode deixar de ser (a Grécia). Ou seja, sobretudo em temas onde a unanimidade seja relevante, ou o voto de grandes como Itália e Polónia seja necessário, pode ser dos nacionalistas e populistas a última palavra. Ou, mais provável, palavra nenhuma. O que quer dizer bloqueios e não-decisões.

A Europa não mudou radicalmente, mas vai ter de acomodar alguma mudança imposta pelos eleitores. E ainda bem. Um espaço com tanta diversidade dispensa revoluções.

Consultor em assuntos europeus. Escreve de acordo com a antiga ortografia.

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