A gota de água e o preço da verdade

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Não há intocáveis e é saudável que assim seja. O empresário Joe Berardo e o advogado André Luiz Gomes estão indiciados por burla qualificada, fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais, falsidade informática, falsificação, abuso de confiança e descaminho ou destruição de objetos colocados sob o poder público. O caso Berardo, que conta com 11 arguidos (cinco pessoas individuais e seis pessoas coletivas), foi tornado público depois de uma operação policial em que foram feitas perto de meia centena de buscas, três das quais a estabelecimentos bancários, e que levou à detenção do empresário e colecionador de arte e do seu advogado de negócios André Luiz Gomes, suspeito pelos mesmos crimes.

Para o cidadão comum, a gota de água já há muito tinha caído no copo, no momento em que Joe Berardo fez declarações no parlamento dizendo não ter quaisquer dívidas. A gota de água não caiu apenas por essa declaração, mas pela forma irónica como se dirigiu aos deputados, em plena casa da democracia, levando a deputada Mariana Mortágua, e não só, a ficar à beira de um ataque de nervos.

Berardo saiu ontem em liberdade, com uma medida de coação de 5 milhões de euros, mas não agiu sozinho. As portas giratórias entre política e economia estão espelhadas em mais este caso de polícia. A banca também não sai ilesa disto tudo: a Caixa Geral de Depósitos, alegadamente, terá dado crédito a Berardo até às vésperas da investigação. Só nesse banco terá obtido cinco financiamentos. O banco estatal continuou emprestar para que o cliente pudesse pagar juros dos próprios empréstimos concedidos pelo banco, esse foi o argumento que, alegadamente, o banco terá usado para fazer passar os financiamentos no crivo do departamento de análise de risco: aumentar a hipótese de recuperação do crédito. Uma bola de neve que, geralmente, não tem fim. É preciso investigar quem contraiu os empréstimos e quem os concedeu. E como se pode compreender que só agora estejam a ser investigados os 25 grandes devedores da CGD, o banco público e, logo, de todos os contribuintes portugueses?

São temas como branqueamento de capitais, falta de transparência, burla, corrupção e lentidão da justiça que continuam a causar danos reputacionais graves ao país. E mais uma vez vale a pena perguntar: sem o escrutínio dos media, sem a investigação jornalística ao longo de tantos anos sobre casos como o de Berardo, algo teria acontecido? Ou continuariam os portugueses na ignorância, inebriados pelos todo-poderosos? Mal comparando, no quadro jurídico, também a morte de Ihor às mãos do SEF não veria feita justiça se os media tivessem ficado calados. Mas não ficam, mesmo que isso cause desconforto a muitos. A verdade e a independência não têm preço.

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