Bill Clinton costuma dizer que chegar a presidente dos EUA é "o mais difícil emprego de se conseguir": é preciso estar quase dois anos a convencer o empregador, o povo americano, a ficar com o lugar. Da disputa presidencial na América refere-se que é "a mais louca corrida do mundo". Mas esta nomeação presidencial democrata parece estar a ser a mais estranha..O que será mais adequado para travar a reeleição de Donald Trump: a experiência institucional de Joe Biden ou a força ideológica de Bernie Sanders? E como encarar o facto de os dois favoritos à nomeação presidencial democrata estarem próximos dos 80 anos quando da tomada de posse?.Ao contrário do que aconteceu em 2008, ano em que houve uma inspiradora corrida entre Barack Obama e Hillary Clinton, a disputa pela nomeação democrata tem, em 2020, o problema da indefinição. Nenhum candidato se afirma como especialmente mobilizador ou transformador. Os trunfos de uns são as falhas de outros, num dilema em que dificilmente poderá aparecer uma escolha consensual..Elizabeth Warren, que chegou a liderar a corrida, é forte nas propostas mas está a ser vítima de surge de Sanders. Em ciclo muito polarizado, fica a ideia de que nunca houve tantas hipóteses para o setor mais à esquerda impor um candidato - mas para já a força de Bernie e Elizabeth tem impedido um caminho único que se sobreponha ao favoritismo de Joe Biden..Ainda há Pete Buttigieg, que talvez seja o democrata mais bem colocado para 2024, caso Trump obtenha a reeleição, e Mike Bloomberg, que partiu tarde mas está a apostar na ideia generalizada de que é necessário surgir alguém que compense a falta de viabilidade dos quatro candidatos até agora dominantes..Donald Trump, um presidente disruptivo mas a governar em momento económico muito positivo, continua a revelar um índice de desaprovação suficientemente elevado para que quem venha a obter a nomeação democrata tenha, pelo menos, uma esperança real de chegar à Casa Branca - mesmo que a reeleição do presidente em novembro seja a hipótese mais forte..O site FiveThirtyEight, de Nate Silver, tem feito, nos últimos 12 anos, previsões certeiras sobre as eleições presidenciais nos EUA (em 2008 acertou em 49 dos 50 estados da eleição que deu o primeiro mandato a Barack Obama). Pelo final de janeiro, dava duas hipóteses em cinco à nomeação de Biden, três em dez a Sanders, uma em 15 a Warren e Buttigieg e uma em cem a todos os outros (Bloomberg incluído)..Autor de quatro livros sobre presidências americanas.OS DOIS FAVORITOS.JOE BIDEN - (Hipóteses de nomeação: 2 em 5).Idade. 77 anos.Currículo político. Vice-presidente dos EUA entre 2009 e 2017; senador pelo Delaware entre 1973 e 2009; candidato nas primárias presidenciais democratas de 1988 e 2008..Currículo académico e profissional. Bacharelato em História e Ciência Política pela Universidade de Delaware; Licenciatura em Direito pela Universidade de Syracuse..Vida pessoal. Casado há 42 anos com Jill Jacobs, professora, de quem tem uma filha, Ashley (39); três filhos com Neilia Hunter, que faleceu num acidente de automóvel, em dezembro de 1972, que vitimou mortalmente também Naomi, de 1 ano. Hunter tem 49 anos e Beau faleceu em 2015, com 46, vítima de cancro no cérebro..PONTOS FORTES -- A herança Obama. Os oito anos como número 2 da administração Obama dão-lhe estatuto especial nesta corrida. Se fosse pelo currículo político, Joe já tinha obtido a nomeação..-- O posicionamento. Joe é o único candidato nesta corrida que dá mostras de conseguir chegar a alguns setores republicanos e de ganhar claramente a Trump nos independentes..-- O mapa eleitoral. Se Hillary perdeu para Trump no Midwest, era inteligente que os democratas escolhessem quem surge com mais hipóteses de bater Donald em estados como Wisconsin, Pensilvânia ou Michigan. As sondagens dizem que é Joe Biden..PONTOS FRACOS -- A idade. Se for eleito, terá 78 anos à data da tomada de posse, o que fará dele, de muito longe, o mais velho presidente da história americana..-- A Ucrânia. Não é por acaso que resistiu até à última a exigir um impeachment a Trump (ao contrário de Sanders, Warren ou Buttigieg): Joe sabe que pode sofrer politicamente com os estilhaços do caso que está a ser julgado no Senado..-- A conotação com o establishment. Como Steve Bannon avisou recentemente, "o tempo das grandes vitórias eleitorais dos políticos moderados e do centro na América terminou"..BERNIE SANDERS - (Hipóteses de nomeação: 3 em 10).Idade. 78 anos.Currículo político. Segundo classificado nas primárias democratas de 2016; senador pelo Vermont desde 2007; mayor de Burlington entre 1981 e 1989; foi do Partido da União pela Liberdade até ao fim dos anos 1970; foi independente entre 1979 e 2015 (é o congressista americano que mais tempo passou como independente); filiou-se no Partido Democrata em 2015..Currículo académico e profissional. Bacharelato em Ciências Políticas pela Universidade de Chicago; foi carpinteiro e jornalista..Vida pessoal. Casado desde 1988 com Jane O'Meara, que preside à Burlington College; teve primeiro casamento em 1964 com Deborah Shilling, de quem se divorciou dois anos depois; Levi Sanders, o seu único filho biológico, é fruto de uma relação que Bernie teve entre os dois casamentos..PONTOS FORTES -- "Feel the Bern" 2016. Há quatro anos partiu do nada para quase tirar a nomeação a Hillary Clinton. Arrecadou 45% dos votos nas primárias e só um sistema que favorece a elite do partido ao impor 15% do total de delegados à Convenção fora do escrutínio dos votantes (os superdelegados) impediu que o duelo com Hillary chegasse até ao fim. Mas o movimento ficou e a estrutura de campanha também..-- A mobilização. Em 2016 não conseguiu a nomeação mas construiu um "movimento". É certo que parte dele está com Elizabeth Warren - mas Bernie está a mostrar-se o candidato com a máquina mais oleada e entusiasta..-- A clareza. Fala sem freios e de forma bem sustentada. Tem discurso, por vezes, radical, mas isso nos tempos que correm pode ser bom..PONTOS FRACOS -- A idade. É ainda mais velho do que Joe: se for eleito, terá 79 anos à data da tomada de posse, o que pode assustar muitos eleitores indecisos..-- A saúde. Teve dois problemas cardíacos relevantes no segundo semestre de 2019. Curiosamente, a recuperação do segundo caso, o mais significativo, levou-o a um boost nas sondagens..-- O rótulo de "socialista". Num país sem tradição política comunista e fortemente dominado pelo capitalismo, será fácil a Trump agitar o fantasma do "socialismo" se o seu adversário for Bernie..OS DOIS CHALLENGERS.ELIZABETH WARREN - (Hipóteses de nomeação: 1 em 15).Idade. 70 anos.Currículo político. Senadora pelo Massachusetts desde 2013; assessora especial de Obama para a Agência de Proteção Financeira do Consumidor (2010-2011); presidente do Painel de Supervisão do Congresso (2008-2010); filiada no Partido Democrata desde 1996; foi registada no Partido Republicano entre 1991 e 1996..Currículo académico e profissional. Bacharelato em Patologia da Fala pela Universidade de Houston; licenciatura em Direito pela Universidade de Rutgers; foi professora de Direito Comercial em Houston e em Harvard, com várias obras publicadas na área da regulação, direitos e proteção do consumidor..Vida pessoal. Casada desde 1980 com Bruce Mann, professor de Direito em Harvard; primeiro casamento, em 1968, com Jim Warren, de quem se separou em 1978. Tem dois filhos, Amelia (48 anos) e Alexander (43).. PONTOS FORTES -- As propostas. Numa América cada vez mais polarizada, Elizabeth Warren está a ser a candidata democrata mais capaz de se afirmar pelas ideias, com plataforma muito forte no plano fiscal e de combate às desigualdades..-- A resiliência. Foi a primeira a anunciar a candidatura (a 31 de dezembro de 2018), partiu de trás, chegou à liderança, perdeu gás e está a voltar a tocar de novo o topo da corrida. É uma resistente..-- Os alvos. Elizabeth põe o dedo na ferida no que tem falhado na sociedade americana: a banca precisa de mais regulação; a classe média precisa de mais proteção; os estudantes endividados têm de ter apoios do Estado; os impostos estão muito baixos para os mais ricos e demasiado altos para todos os outros..PONTOS FRACOS -- A empatia. No que lhe sobra em clareza e assertividade falta-lhe em capacidade de sedução. Não é que não tenha carisma - mas gerar empatia não é o seu forte. Já teve momentos de tensão com Biden e Sanders..-- Não conseguiu agarrar a base Sanders 2016. Warren tinha forte hipótese em 2020: ser a herdeira do "Feel the Bern" de há quatro anos. Mas está a batalhar com o próprio criador pelos votos desse espaço político..-- O género. Depois do falhanço de Hillary em 2016 estará escrito nos manuais de aconselhamento eleitoral que seria pouco avisado que os democratas voltassem a nomear uma mulher. Mas as eleições na América têm cada vez menos que ver com manuais eleitorais..PETE BUTTIGIEG - (Hipóteses de nomeação: 1 em 15).Idade. 38 anos.Currículo político. Mayor de South Bend, Indiana (eleito pela primeira vez para o cargo aos 29 anos, com 74% dos votos); é o mais jovem presidente de câmara de sempre numa cidade com pelo menos cem mil habitantes na América; se obtiver a nomeação, será o mais jovem candidato presidencial da história americana..Currículo académico e profissional. Bacharelato em História e Literatura em Harvard (com tese sobre o puritanismo na política externa americana); foi bolseiro Rhodes na Pembroke College, em Oxford, onde se formou com distinção em Política, Filosofia e Economia; foi consultor da McKinsey e diretor no Cohen Group; é tenente da Marinha na reserva, veterano de guerra do Afeganistão..Vida pessoal. Casado desde 2018 com Chasten Glezman; é o primeiro homossexual assumido a conseguir ter hipóteses reais de obter a nomeação presidencial de um grande partido nos EUA; filho de professores da Universidade de Notre Dame (o pai, Joseph, é imigrante maltês)..PONTOS FORTES -- A juventude. Numa corrida presidencial dominada por septuagenários, Pete é o primeiro sub-40 a ter hipóteses reais de chegar à presidência dos EUA. E os dois últimos candidatos democratas a atingir a Casa Branca (Clinton e Obama) estavam nos "early 40's". Tal como Bill e Barack, é articulado e tem boa imagem..-- A origem geográfica. Pete tem credenciais políticas em zonas tradicionalmente republicanas. É de um estado profundamente conservador e religioso, o Indiana. Para a batalha da eleição geral com Trump isso pode ser decisivo..-- A abrangência. É um conservador fiscal com agenda progressista nos costumes. Mistura discurso moral e patriótico com temas que tocam segmentos mais à esquerda. Assume carga militar na tradição presidencial americana, colocando-se numa área política entre o centro e a esquerda moderada. Será a alternativa ao espaço natural de Joe Biden..PONTOS FRACOS -- A orientação sexual. Os americanos surpreenderam pela positiva em 2008 ao provar que já estavam preparados para eleger um negro para a presidência. E, apesar de não terem eleito Hillary, o número de votos obtidos pela candidata democrata mostrou que teria sido perfeitamente possível que uma mulher chegasse à Casa Branca em 2016. Já estamos em 2020 e... restam muitas dúvidas se isso já poderá acontecer com um gay que aparece em campanha com o marido ao lado..-- Os negros. Segmento muito importante para os democratas em estados como a Carolina do Sul (o quarto a votação, pelo final de fevereiro), as sondagens mostram que os negros revelam maior preconceito em relação a votarem num candidato homossexual. Pete surge forte no Iowa e no New Hampshire, mas pode perder todas as esperanças de nomeação quando aparecer esse obstáculo..-- A plataforma eleitoral. Num ciclo eleitoral marcado pela força dos extremos, as propostas moderadas de Buttigieg revelam pouca adesão às bases de Sanders e Warren..A CORRER POR FORA.MIKE BLOOMBERG - (Hipóteses de nomeação: no lote dos outros que têm, juntos, 1 em 100).Idade. 77 anos.Currículo político. Mayor de Nova Iorque entre 2002 e 2014; foi democrata até 2001; republicano de 2001 a 2007; independente de 2007 a 2018 e outra vez democrata de 2018 até agora..Currículo académico e profissional. Estudou Energia Elétrica na Johns Hopkins University e Gestão e Administração na Harvard Business School..Vida pessoal. Vive desde 2000 com Diana Taylor, depois de um casamento, em 1975, com Susan Brown-Meyer, de quem se divorciou em 1993..PONTOS FORTES -- É uma espécie de antítese de Trump. Donald gosta de dizer que é "imensamente rico, riquíssimo mesmo"... ora, Mike tem uma fortuna muito maior. Trump já foi democrata e agora é republicano, Mike chegou à presidência da Câmara de Nova Iorque apoiado pelos republicanos e agora é democrata..-- O dinheiro. Não será por falta de financiamento que Bloomberg não conseguirá obter a nomeação. Enquanto os adversários foram colocando várias fichas nas pré-primárias e nos estados de arranque, Mike prepara-se para disparar uma bazuca de dólares na Super Terça-Feira. E ter muito dinheiro numa campanha eleitoral americana é um pressuposto de base: não chega para ganhar, mas não o ter pode custar a derrota..-- A penetração nos independentes e republicanos. Há apenas seis anos era mayor de Nova Iorque pelo partido que agora apoia o presidente Trump..PONTOS FRACOS -- O timing. Hesitou muito até avançar e isso, numa corrida tão longa e que exige paciente recolha de apoios, pode ter sido fatal..-- A idade. Para quem tenta aparecer como o tipo que vai colmatar as falhas dos candidatos que estão agora à frente, Mike tem o problema de, tal como Joe e Bernie, já estar próximo dos 80 anos..-- A falta de bases. Mike partiu tarde e, ao contrário de Sanders ou Warren, não tem "povo". Só será candidato porque pode, a sua imensa fortuna assim o permite..OS SOBREVIVENTES.Amy Klobuchar Senadora pelo Minnesota, advogada de 59 anos, formada em Yale. Tem-se saído bem nos debates e ocupa algum espaço nos setores moderados.. Andrew Yang Fundador da Venture for America, organização não governamental focada em criar startups que gerem empregos em locais afetados pela recessão de 2008. Tem 45 anos. Tulsi Gabbard Congressista do Hawai, de apenas 38 anos. Veterana de guerra do Iraque. Michael Bennet Governador do Colorado desde 2009, advogado e empresário, tem 55 anos. Tom Steyer Gestor de fundos, filantropo e ambientalista. Fundador da NextGen America. Tem 62 anos. John Delaney Congressista do Maryland desde 2103, é advogado e empresário. Tem 56 anos. Deval Patrick Governador do Massachusetts entre 2007 e 2015. Advogado ligado aos direitos cívicos. Tem 63 anos..QUEM JÁ CAIU.Beto O'Rourke O resultado que obteve na corrida para o Senado no Texas em 2018 (esteve perto de bater o republicano Ted Cruz) e o perfil carismático parecia dar-lhe hipóteses de nomeação. Mas tece campanha falhada e revelou-se fraco nos debates. Kamala Harris É uma senadora credenciada (muito forte nas audições da Comissão Mueller) e seria uma das favoritas de Obama. Chegou a ter momentum depois de um dos debates, mas foi vítima da recuperação de Elizabeth Warren. Julián Castro Fez parte da administração Obama como secretário do Urbanismo e Habitação e chegou a ser apontado como possível candidato a vice de Hillary em 2016. Mas nunca conseguiu ser protagonista nesta corrida para 2020. Kirsten Gillibrand Rendeu Hillary no Senado, na vaga por Nova Iorque. Tentou assumir mistura de plataforma feminista com acenos aos moderados. Não foi suficiente. Tim Ryan Congressista do Ohio, é de um estado decisivo para a eleição geral. A sua estratégia centrista foi apanhada em contracorrente. Bill de Blasio Mayor de Nova Iorque, com forte pendor esquerdista, ficou sem espaço perante a força das candidaturas de Sanders e Warren..TAMBÉM JÁ FORA DA CORRIDA....John Hickenlooper governador do Colorado. Joe Sestak congressista da Pensilvânia. Marianne Williamson escritora. Steve Bullock governador do Montana. Wayne Messam mayor de Miramar, Florida. Jay Inslee governador de Washington. Seth Moulton congressista do Massachusetts. Mike Gravel ex-senador pelo Alasca. Eric Swalwell congressista da Califórnia. Richard Ojeda senador estadual da Virgínia Ocidental. .O LONGO PERCURSO ATÉ À NOMEAÇÃO.3 fevereiro Caucus do Iowa (41 delegados), o grande arranque. 11 fevereiro New Hampshire (24 delegados), primeira votação em formato de voto em urna. 22 fevereiro Nevada (36 delegados), em sistema de caucus. 29 fevereiro Carolina do Sul (54 delegados), primeira votação em formato de voto em urna. 3 março Super Terça-Feira, com 15 estados em jogo, num total de 1344 delegados (mais de dois terços dos necessários para obter a nomeação), incluindo Califórnia (416), Texas (228), Carolina do Norte (110) e Virgínia (99). 10 março Uma segunda "mini Super Terça-Feira", com sete estados em jogo, num total de 365 delegados a concurso (incluindo o Michigan, com 125). Até ao fim de março Mais sete estados em jogo, incluindo Florida (219), Illinois (155) e Ohio (136), num total de 739 delegados. Abril Mais 11 estados em jogo, entre os quais Nova Iorque (274) e a Pensilvânia (186), num total de 854 delegados. Maio/junho Os últimos 13 estados em votação, incluindo Nova Jérsia (126), num total de 522 de delegados. 13-16 Julho Convenção Democrata de Milwaukee, Wisconsin.