O Reino Unido votou para sair da União Europeia a 23 de junho de 2016. O resultado nacional, de 52% contra 48%, é considerado discutível por alguns, uma vez que a diferença é pequena e nem todo o país votou igual. Enquanto duas das nações do país, Inglaterra e País de Gales, votaram pela saída britânica da UE. Outras duas, Escócia e Irlanda do Norte, pela permanência no clube europeu. À medida que as discussões se desenrolam - e numa altura em que faltam menos de dois meses para a data do Brexit (29 de março) -, o Reino Unido não fala a uma só voz sobre esta questão e a forma como ela é percecionada nas quatro nações do país é diferente. Importa perceber quais são as diferentes visões..O jogo de póquer Reino Unido-UE e a maioria que vive em Inglaterra. A primeira-ministra Theresa May passou dois anos a negociar com Bruxelas e a UE 27 um acordo para o Brexit, que ficou fechado no final de novembro. A 15 de janeiro, o Parlamento britânico chumbou esse acordo. O motivo da discórdia foi o backstop, mecanismo de salvaguarda destinado a evitar o regresso de uma fronteira física entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda depois da saída do Reino Unido da UE. May partiu então em busca de Plano B, que até agora não conseguiu encontrar..De volta ao Parlamento, a 29 de janeiro, a primeira-ministra que não tem maioria e enfrenta uma rebelião interna de eurocéticos conservadores no próprio partido, viu os deputados aprovarem duas emendas: uma a rejeitar um no deal Brexit (que apesar de tudo não tem força jurídica) outra a mandatá-la para renegociar com a UE o acordo do Brexit, sem backstop, com soluções alternativas para a questão das Irlandas. Problema? A UE, leia-se, governos dos 27, Comissão Europeia e Parlamento Europeu responderam que nada há a renegociar e que Theresa May (agora finalmente a dialogar com o líder do Labour Jeremy Corbyn) ajudou a idealizar e aceitou este acordo..Assim, o impasse mantém-se, havendo académicos a propor saídas imaginativas que jogam com as divisões no país. "Quando todas as soluções são más, é tempo para reinventar os problemas. Ainda é possível honrar o referendo inicial sobre o Brexit sem ultrapassar as linhas vermelhas da UE? Sim, através de um semi-Brexit", sugeriu num artigo no Guardian Kim Lane Scheppele, da Universidade de Princeton. A académica propõe que Escócia e Irlanda do Norte fiquem na UE, que País de Gales e Inglaterra (onde vivem 54,7 milhões dos 66 milhões de habitantes do Reino Unido) saiam. Apesar de tudo, reconhece, a aplicação de tal fórmula não seria muito fácil..Na Irlanda do Norte teme-se pela saúde do processo de paz. A Irlanda do Norte está há dois anos sem governo por causa de disputas entre o Partido Democrático Unionista (partidário da união que existe com o Reino Unido) e o Sinn Féin (partidário da unificação com a Irlanda). Nas últimas eleições regionais, o DUP perdeu a maioria pela primeira vez e teve apenas mais um deputado do que o Sinn Féin. A diferença nota-se mais a nível nacional, pois o DUP está no Parlamento britânico e May depende dos seus deputados para ter maioria. O Sinn Féin está ausente de Westminster, como sempre fez numa lógica abstencionista..Enquanto que o DUP fala contra o backstop e pressiona May a encontrar uma alternativa - e é ouvido - o Sinn Féin não pode dizer o mesmo e é acusado de absentismo no debate sobre o Brexit. Académicos temem pelo Acordo de Sexta-Feira Santa, assinado entre Reino Unido e Irlanda em 1998, pondo fim a décadas de um conflito sangrento com um balanço de 3500 mortos. A 19 de janeiro, um carro-bomba explodiu na fronteira entre Irlanda do Norte e Irlanda, numa ação atribuída a dissidentes do IRA, grupo nacionalista republicano entretanto desmantelado que outrora foi a ala militar do Sinn Féin. Alguns lembraram que a tensão ainda está ali latente..Académicos assinalam que aquele acordo contempla a realização de um referendo sobre a permanência da Irlanda do Norte no Reino Unido ou união à Irlanda, questão que poderia ser suscitada se houvesse um Brexit desordenado por exemplo. A 23 de junho de 2016 56% dos norte-irlandeses votaram para permanecer na União Europeia. Aquele acordo diz ainda que os cidadãos do território podem optar por nacionalidade britânica, irlandesa ou ambas. Em última análise poder-se-ia ter pelo menos uma parte das pessoas com nacionalidade irlandesa numa província do Reino Unido fora da UE. "Esta noite o Partido Conservador despedaçou efetivamente o Acordo de Sexta-Feira Santa", declarou o líder parlamentar do Partido Nacionalista Escocês, Ian Blackford, quando May anunciou, no dia 29, que ia pedir à UE a eliminação do backstop do acordo do Brexit..Escócia quer relançar independência, País de Gales segundo referendo. Na Escócia, em 2016, 62% dos eleitores votaram contra o Brexit. Nicola Sturgeon não se cansa de lembrar, sempre que pode, que os escoceses querem ficar na UE. A primeira-ministra escocesa e líder do Partido Nacionalista Escocês já acusou Theresa May "de cobardia" quando adiou, em dezembro, o voto sobre o acordo do Brexit. Mas também de "ter medo do veredicto escocês", depois de a primeira-ministra britânica ter dito: "A última coisa que queremos é um segundo referendo sobre a independência." Em 2014 55,5% dos escoceses votaram contra a separação da Escócia do Reino Unido. Mas o SNP de Sturgeon não ficou convencido e espera só a melhor altura para relançar a questão..Com quatro deputados na Câmara dos Comuns britânica, o Plaid Cymru é um partido que defende a independência do País de Gales. E o Labour, que está no governo galês, não descura o seu papel. Tanto que, apesar de Jeremy Corbyn recusar um segundo referendo sobre o Brexit, o governo galês e o Plaid Cymru aprovaram, a 30 de janeiro, uma moção a pedir o início de preparativos para repetir a consulta e para o Reino Unido pedir à UE uma extensão do Artigo 50º. Extensão essa que a UE teria de querer. De forma unânime. E isso poderá também não ser simples e fácil.
O Reino Unido votou para sair da União Europeia a 23 de junho de 2016. O resultado nacional, de 52% contra 48%, é considerado discutível por alguns, uma vez que a diferença é pequena e nem todo o país votou igual. Enquanto duas das nações do país, Inglaterra e País de Gales, votaram pela saída britânica da UE. Outras duas, Escócia e Irlanda do Norte, pela permanência no clube europeu. À medida que as discussões se desenrolam - e numa altura em que faltam menos de dois meses para a data do Brexit (29 de março) -, o Reino Unido não fala a uma só voz sobre esta questão e a forma como ela é percecionada nas quatro nações do país é diferente. Importa perceber quais são as diferentes visões..O jogo de póquer Reino Unido-UE e a maioria que vive em Inglaterra. A primeira-ministra Theresa May passou dois anos a negociar com Bruxelas e a UE 27 um acordo para o Brexit, que ficou fechado no final de novembro. A 15 de janeiro, o Parlamento britânico chumbou esse acordo. O motivo da discórdia foi o backstop, mecanismo de salvaguarda destinado a evitar o regresso de uma fronteira física entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda depois da saída do Reino Unido da UE. May partiu então em busca de Plano B, que até agora não conseguiu encontrar..De volta ao Parlamento, a 29 de janeiro, a primeira-ministra que não tem maioria e enfrenta uma rebelião interna de eurocéticos conservadores no próprio partido, viu os deputados aprovarem duas emendas: uma a rejeitar um no deal Brexit (que apesar de tudo não tem força jurídica) outra a mandatá-la para renegociar com a UE o acordo do Brexit, sem backstop, com soluções alternativas para a questão das Irlandas. Problema? A UE, leia-se, governos dos 27, Comissão Europeia e Parlamento Europeu responderam que nada há a renegociar e que Theresa May (agora finalmente a dialogar com o líder do Labour Jeremy Corbyn) ajudou a idealizar e aceitou este acordo..Assim, o impasse mantém-se, havendo académicos a propor saídas imaginativas que jogam com as divisões no país. "Quando todas as soluções são más, é tempo para reinventar os problemas. Ainda é possível honrar o referendo inicial sobre o Brexit sem ultrapassar as linhas vermelhas da UE? Sim, através de um semi-Brexit", sugeriu num artigo no Guardian Kim Lane Scheppele, da Universidade de Princeton. A académica propõe que Escócia e Irlanda do Norte fiquem na UE, que País de Gales e Inglaterra (onde vivem 54,7 milhões dos 66 milhões de habitantes do Reino Unido) saiam. Apesar de tudo, reconhece, a aplicação de tal fórmula não seria muito fácil..Na Irlanda do Norte teme-se pela saúde do processo de paz. A Irlanda do Norte está há dois anos sem governo por causa de disputas entre o Partido Democrático Unionista (partidário da união que existe com o Reino Unido) e o Sinn Féin (partidário da unificação com a Irlanda). Nas últimas eleições regionais, o DUP perdeu a maioria pela primeira vez e teve apenas mais um deputado do que o Sinn Féin. A diferença nota-se mais a nível nacional, pois o DUP está no Parlamento britânico e May depende dos seus deputados para ter maioria. O Sinn Féin está ausente de Westminster, como sempre fez numa lógica abstencionista..Enquanto que o DUP fala contra o backstop e pressiona May a encontrar uma alternativa - e é ouvido - o Sinn Féin não pode dizer o mesmo e é acusado de absentismo no debate sobre o Brexit. Académicos temem pelo Acordo de Sexta-Feira Santa, assinado entre Reino Unido e Irlanda em 1998, pondo fim a décadas de um conflito sangrento com um balanço de 3500 mortos. A 19 de janeiro, um carro-bomba explodiu na fronteira entre Irlanda do Norte e Irlanda, numa ação atribuída a dissidentes do IRA, grupo nacionalista republicano entretanto desmantelado que outrora foi a ala militar do Sinn Féin. Alguns lembraram que a tensão ainda está ali latente..Académicos assinalam que aquele acordo contempla a realização de um referendo sobre a permanência da Irlanda do Norte no Reino Unido ou união à Irlanda, questão que poderia ser suscitada se houvesse um Brexit desordenado por exemplo. A 23 de junho de 2016 56% dos norte-irlandeses votaram para permanecer na União Europeia. Aquele acordo diz ainda que os cidadãos do território podem optar por nacionalidade britânica, irlandesa ou ambas. Em última análise poder-se-ia ter pelo menos uma parte das pessoas com nacionalidade irlandesa numa província do Reino Unido fora da UE. "Esta noite o Partido Conservador despedaçou efetivamente o Acordo de Sexta-Feira Santa", declarou o líder parlamentar do Partido Nacionalista Escocês, Ian Blackford, quando May anunciou, no dia 29, que ia pedir à UE a eliminação do backstop do acordo do Brexit..Escócia quer relançar independência, País de Gales segundo referendo. Na Escócia, em 2016, 62% dos eleitores votaram contra o Brexit. Nicola Sturgeon não se cansa de lembrar, sempre que pode, que os escoceses querem ficar na UE. A primeira-ministra escocesa e líder do Partido Nacionalista Escocês já acusou Theresa May "de cobardia" quando adiou, em dezembro, o voto sobre o acordo do Brexit. Mas também de "ter medo do veredicto escocês", depois de a primeira-ministra britânica ter dito: "A última coisa que queremos é um segundo referendo sobre a independência." Em 2014 55,5% dos escoceses votaram contra a separação da Escócia do Reino Unido. Mas o SNP de Sturgeon não ficou convencido e espera só a melhor altura para relançar a questão..Com quatro deputados na Câmara dos Comuns britânica, o Plaid Cymru é um partido que defende a independência do País de Gales. E o Labour, que está no governo galês, não descura o seu papel. Tanto que, apesar de Jeremy Corbyn recusar um segundo referendo sobre o Brexit, o governo galês e o Plaid Cymru aprovaram, a 30 de janeiro, uma moção a pedir o início de preparativos para repetir a consulta e para o Reino Unido pedir à UE uma extensão do Artigo 50º. Extensão essa que a UE teria de querer. De forma unânime. E isso poderá também não ser simples e fácil.