"Tenho um verdadeiro guia gastronómico do mundo. O melhor bife tártaro é polaco"
Inclina a flute para o ecrã para um brinde à distância, que deste lado é feito com café e em Luanda correspondido com uma mimosa feita com espumante português Vértice, o mesmo que sugeriu que fosse bebida de eleição em todas as receções oficiais, ideal para aplacar os 35ºC que se fazem sentir e uma oportunidade para mostrar uma das inúmeras coisas boas que tem o nosso país. É um embaixador dos tempos modernos, que reconhece a relevância da diplomacia económica e a ela se dedica de alma e coração - e com muito trabalho de reconhecimento e abertura de caminhos para o estabelecimento de relações comerciais que beneficiem quer Portugal quer os países onde o representa.
Pedro Pessoa e Costa habituou-se há muito ao calor abrasador nas representações diplomáticas em nome de Portugal, mas assume que no Panamá, onde passou cinco anos, se suportava melhor graças à humidade. Há um ano, trocou a Cidade do Panamá - onde inaugurou a primeira representação diplomática portuguesa nesse país da América Latina - por Luanda, onde aterrou como embaixador seis dias antes de a covid encerrar o espaço aéreo. "Trabalhei cinco dias e fechou tudo." Mas como Pedro gosta "muito de fado" mas tem "pouca paciência para fadinhos", o confinamento não o impediu de continuar tão ativo quanto necessário num momento em que milhares de portugueses, luso-angolanos e angolanos precisavam de ajuda para enfrentar a pandemia, regressar a Portugal ou desbloquear situações complexas.
"Tivemos nesses primeiros tempos de confinamento 73 voos e correu tudo bem, prestámos um bom serviço", reconhece, mesmo tendo havido alturas em que o momento tenha obrigado a soluções bem diferentes das habituais. Como no seu primeiro 10 de Junho em Angola, em que, impedido de cumprir a tradicional receção para cerca de mil convidados, pôs a embaixada ao serviço da comunidade, recolhendo e doando uma tonelada de medicamentos, roupa e comida na escola portuguesa.
Hoje com uma média de 70 casos diários de covid em Angola, Pedro não poupa elogios à gestão da pandemia no país - "as autoridades tomaram logo as medidas adequadas, impuseram o uso de máscara, o confinamento, as medições de temperatura, fizeram uma cerca sanitária a Luanda" -, ainda que reconheça que não é tão fácil manter este tipo de registo num país tão vasto, com uma população de 31 milhões de pessoas espalhada por mais de um milhão de quilómetros quadrados. E que não é tarefa simples fazer cumprir a obrigação de estar em casa quando muitos ainda vivem do "pica-pau", a procurar a subsistência no que os outros deitam fora. Mas reconhece na resistência dos angolanos uma boa dose de juventude e garra. "Fora de Luanda, a média de filhos por mulher é de oito crianças", destaca.
A pandemia impediu-o de se embrenhar profundamente no país, mas já conseguiu organizar algumas saídas - a Benguela, ao Lobito -, em missões de conhecimento da terra que será a sua casa durante os próximos tempos e onde quer dar o seu melhor pelas empresas portuguesas, mas também pela população local, numa nova Angola que quer transformar-se rumo à resiliência económica, formar o povo, dar-lhe instrumentos de trabalho e desenvolvimento pessoal e profissional. E nessa missão, o programa de privatizações e a conversão da economia para reduzir a independência do petróleo e apostar em áreas como a agricultura, a indústria, a energia, cria condições extraordinárias e oportunidades de negócio ímpares.
Na carreira diplomática desde 1988, Pedro diz que já pouco o surpreende, mas continua a entusiasmar-se com estas descobertas culturais e de contexto que enriquecem a sua missão sempre que imerge numa nova realidade e ali deixa um pouco de Portugal, mas também se deixa acrescentar do que lhe serve a essência dos locais. Exemplifica: "No Panamá, tornei-me um grande defensor do café Gueisha", uma variedade de qualidade extraordinária graças à riqueza do sabor e à textura, que tem ganho adeptos por todo o mundo, chegando a atingir a módica quantia de 600 euros por quilo.
"Só quando conhecemos e entendemos o país onde estamos podemos verdadeiramente fazer um bom trabalho, defender os interesses nacionais e do próprio país", explica.
Nascido na Beira, Moçambique, que deixou ainda pouco mais do que bebé, mas onde se reconheceu em casa mal sentiu a terra, regressado enquanto representante da AICEP na comitiva de Passos Coelho, Pedro licenciou-se em Direito no ano do atual primeiro-ministro, António Costa, mas pouco trabalho de jurista fez. Pós-graduou-se em Estudos Europeus na Católica e desempenhou vários cargos de adjunto nos governos de Cavaco Silva e ingressou nos Negócios Estrangeiros logo em 1988.
De uma vida feita de viagens, com a mulher ao lado nos saltos entre África e Europa e América Latina, mas sempre com um mês de férias na Balaia, para garantir aos dois filhos as raízes portuguesas e uma rede de amigos e identidade no seu país, faz um balanço mais do que positivo. "Como dizia a minha mãe, há coisas bem piores, como trabalhar numa mina de carvão na Ucrânia", ri-se. Diz que tem sorte, que esses solavancos na vida só lhe trouxeram riqueza, mesmo que também seja preciso dizer adeus muitas vezes: aos locais, às pessoas com quem se cria amizade, às culturas ricamente tecidas que se vai descobrindo.
"Em Londres onde tanto desenvolvi a minha humilde veia artística, quando saía de posto, a Paula Rego dizia-me: "veja lá se não o enviam para um sítio onde tenha de levar marmita..." E, na verdade, depois de Londres, Estrasburgo, Roma, Madrid, Panamá e Angola, acho que não tenho de me queixar. Por vezes, como sucede com Panamá e Angola, países dos mais caros do mundo, tenho uma marmita mais limitada, mas comparando com outros, mesmo assim bem cheia. Esta visão aplico-a em países em que os paradoxos na sociedade existem, onde o que vemos de pobreza podem ser murros no estômago ou areias que nos obrigam a fechar os olhos para nos protegermos - mas que na verdade não nos permitem manter os olhos fechados por muito tempo, sob pena de nos desviarmos do caminho. Esse é o crescimento que se encontra também na carreira diplomática, a par do profissional, que temos de aceitar e valorizar."
Essa aceitação terá visto na mãe, orgulhosamente lisboeta, nascida no Campo Grande, que saiu da cosmopolita cidade para a austeríssima Beira, cujas estradas de terra não se compadeciam com sapatos de salto alto. E também a capacidade de construir ligações onde está - "tenho amigos desde o primeiro posto, em Londres; habituamo-nos a dizer adeus, porque sabemos que vamos continuar a encontrar-nos nos casamentos dos filhos, nas festas. Mas quanto mais tempo passa mais custam as despedidas". Pedro foi avô há um par de meses e talvez isso o tenha deixado com a sensibilidade mais à flor da pele. Mas o calor é-lhe natural, como se torna óbvio quando viaja de memória à igreja da paróquia panamiana de Nossa Senhora de Fátima onde Marcelo Rebelo de Sousa tomou tempo a jogar damas com os fiéis daquela congregação. E conta histórias dos velhinhos que ali se juntavam a rezar e a conviver, que o surpreenderam na despedida do posto com canções e agradecimentos pelo trabalho que ali desenvolvera nos cinco anos de vida no Panamá. Onde deixou de presente o terço da sua mãe.
Se as recordações lhe chegam num sopro e a emoção que lhe despertam é a que fica de memórias felizes, se se entusiasma com as missões e o papel que desempenha a levar as empresas portuguesas a assumir o desígnio de se afirmarem, de colherem resultados e contribuírem para a melhoria de diferentes regiões do globo, Pedro tem alguma dificuldade em identificar o que estaria a fazer se a diplomacia não o tivesse agarrado.
Neto paterno de um "aveirense, maçon e republicano" e materno de um presidente da Câmara de Sintra, filho entre quatro irmãos de um covilhanense emigrado para Moçambique e de uma humanista, recorre à veia artística para apontar uma possível carreira como arquiteto. Dá largas a essa paixão com as obras que faz em casa - foi ele próprio que transformou esta, onde vive em Luanda, que pintou paredes e ajustou divisões.
Gosta de arregaçar as mangas tanto quanto de caminhar - "faço quilómetros a pé, muitas vezes para desespero de amigos e colegas" - e é de mota que se move sempre que as distâncias obrigam a um motor, coisa que ali em Angola se faz difícil e lhe deixa saudades. Mas quando lhe pergunto onde estaríamos a ter esta conversa se a covid não tivesse feito implodir os planos do mundo inteiro é que fica óbvia a sua verdadeira vocação. "Estaríamos no meu loft, na Estrela, e eu fazia questão de cozinhar! Tenho um verdadeiro guia gastronómico do mundo feito de experiência pessoal: o melhor bife tártaro é o de um restaurante polaco", exemplifica. "Onde quer que vá, gosto de picar tudo."
Não é coisa de amador, ainda que seja uma viagem emocional. Pedro Pessoa e Costa é um profissional encartado nestas artes, com diploma da mundialmente famosa Cordon Bleu. É capaz de fazer o seu próprio fois gras, "uns ovos Benedict bem feitos - a receita do molho holandês não é fácil..." - e outras iguarias nada simples. No menu deste brunch, acompanhado a Vértice, teríamos croissants, pão de batata de Estrasburgo e no final não faltariam ainda os seus brownies e matcha de Paris.
Como em tudo em que se mete - do couro que dá qualidade aos sapatos portugueses aos veios das rochas ornamentais que comercializamos pelo mundo - vai ao mais fundo que pode para saber valorizar e acrescentar. É assim também que ajuda a construir a marca-país, a dar a conhecer Portugal no mundo e a aconselhar o que fazer chegar e onde, a identificar oportunidades reais que tragam valor acrescentado a todos os envolvidos.
Europeísta convicto desde os primeiros tempos da União Europeia, ao lado de Ana criou os filhos - Francisco, engenheiro mecânico de competição, que hoje está na TAP, e Vasco, web designer na área de segurança - como "humanistas, livres, globalizados, mas sem nunca perderem o norte de Portugal". Orgulha-se dessa conquista, ainda que reconheça que há uma parte de personalidade que os molda independentemente dos desejos e empenho dos pais. Orgulha-se dos seus filhos. E do neto, que acaba de chegar à família e a quem espera dar muito a conhecer.