Prevenir os maus-tratos contra os animais também pode prevenir a violência contra pessoas. Por isso, esse não deixa de ser um dos objetivos da investigação que analisa "A relação entre os maus-tratos aos animais e a relação Interpessoal". Porque são vários estudos que dizem que a violência contra animais pode ser uma sentinela da violência doméstica - em situações que possam estar a decorrer ou como alerta para casos futuros..Vera Duarte e Susana Costa, investigadoras e docentes do mestrado de Criminologia do Instituto Universitário da Maia (ISMAI), começaram por querer perceber quais os comportamentos face aos animais de companhia em tempo de confinamento, mas decidiram ir mais longe e alargaram a investigação à perceção que cada um tem sobre a relação das pessoas com os animais de companhia e da lei que criminaliza os maus-tratos aos bichos..E concluíram que 77% dos inquiridos consideram que quem maltrata um animal pode maltratar uma pessoa; 96% entendem que maltratar um animal é um ato de cobardia; 90% dizem sentir-se chocados com situações que envolvam maus-tratos e abandono de animais. E, ressalva Susana Costa, as perguntas foram feitas antes do incêndio em dois abrigos de Santo Tirso, em julho, que provocou a morte de 73 animais - o caso ganhou dimensão de comoção nacional, com críticas à atuação das autoridades e donos dos abrigos no resgate dos cães e gatos..O inquérito, realizado entre 11 de maio e 1 junho, a 2198 pessoas tem uma particularidade - 70% dos inquiridos são mulheres. Uma situação que, explica a investigadora, se repete na grande maioria dos estudos e que se justifica pelo facto de as mulheres estarem sempre mais disponíveis para responder, e, neste caso particular, serem também elas maioritariamente a assumir o papel de cuidadoras. "Os papéis de género estão aqui refletidos.".A questão das mulheres volta a ser referida na conversa quando Sandra Costa está explicar de que forma é que a constatação de maus-tratos a animais de companhia pode ser um aviso para a violência doméstica. "Os animais também são usados como forma de pressão sobre a vítima de violência doméstica. Muitas vezes elas não saem de casa porque não querem abandonar os seus animais de companhia. Muitas acabam por se ir deixando ficar", refere, alertando que o confinamento revelou o aumento deste flagelo social e que, a prolongar-se, pode também representar um risco acrescido para os animais..De facto, o estudo demonstra que os animais de estimação são vistos como um membro da família - 94% respondem nesse sentido, 92% dizem que merecem o mesmo respeito que as pessoas e, quando morrem, os donos fazem um luto semelhante ao de um familiar ou amigo (70%)..Esta evolução do lugar dos animais na vida dos humanos é considerada um aspeto positivo pelas investigadoras. Que se depararam com a coincidência entre o que é considerado maus-tratos graves e o que já é criminalizado - a lei n.º 69/2014, de 29 de agosto, pela primeira vez, veio criminalizar os maus-tratos a animais de companhia enquanto a lei n.º 8/2017, de 3 de março, veio estabelecer o estatuto jurídico dos animais, reconhecendo-os como seres vivos com sensibilidade, ao mesmo tempo que deixaram de ser considerados como coisas. O estudo revela que há uma maior sensibilidade e o que antes era desvalorizado, como deixar um animal ao sol ou à chuva, preso a uma corda, fechado dias inteiros em marquises, são agora considerados aspetos condenáveis..Citaçãocitacao"A hiper-humanização dos comportamentos dos animais de companhia podem pôr em causa o bem-estar do animal, uma vez que condicionam as características da espécie.".O abandono, criar dor física e criar sofrimento psicológico aos animais foram as três situações consideradas mais graves. Nas menos graves, aparece a humanização dos animais, a castração/esterilização e a supressão dos comportamentos de espécie. E este é, aliás, um aspeto que causa alguma preocupação. "Ao humanizarmos (de)mais o animal de companhia parece aceitar-se o aumento da supressão do comportamento da espécie (por exemplo, a forma como nos expressamos com os animais, o recurso a treino dos animais, infantários para cães, uso de cadeirinhas de passeio, uso de peças de vestuário, etc). Se estes comportamentos acarretam um lado muito positivo, refletindo maior empatia e sensibilidade, a hiper-humanização dos comportamentos dos animais de companhia podem pôr em causa o bem-estar do animal, uma vez que condicionam as características da espécie", escrevem Vera Duarte e Susana Costa..Numa altura em que os grupos de defesa dos animais e os políticos vão discutindo a licitude do uso de animais para fins de entretenimento, considerou-se importante medir o pulso aos inquiridos sobre este tema: mais de 80% responderam ser contra o uso de cães em corridas ou contra as touradas, 75% disseram que devia ser proibido os animais no circo..O caminho legislativo que foi feito em Portugal na defesa e na proteção dos animais está refletido nos resultados do estudo. Os dados revelam uma forte adesão à criminalização dos maus-tratos (98% concordam com a criminalização) e 97% têm conhecimento de que existe uma lei que criminaliza os maus-tratos aos animais. Para 78%, porém, a lei deveria ir mais longe, devendo ser alargada a todos os animais, e não apenas aos de companhia. "De entre as razões evocadas para a criminalização dos maus-tratos destaca-se o facto de serem seres sencientes, indefesos e dependentes das pessoas. Equiparam os maus-tratos ao animal à violência doméstica, considerando os maus-tratos aos animais como um ato de cobardia e de crueldade.".Na prática, as coisas já não são bem assim. Se, quando questionados sobre o que fariam se encontrassem um animal abandonado ou maltratado, 66% referem que contactariam uma associação, e, no caso de maus-tratos, 75% dizem que contactariam as autoridades, já no plano real, dos 24% que conhecem alguém que maltratou um animal e dos 17% que conhecem alguém que abandonou um animal, só 41% dizem ter denunciado - a principal razão da não denúncia está numa certa descrença na ação da justiça. .Dos que denunciaram, 33% consideraram a atuação policial positiva, tendo as autoridades averiguado a situação, diligenciado no sentido da retirada dos animais, avisado os agressores ou aplicado coimas; outros, porém, nutrem um sentimento de frustração por nada ter sido feito após a denúncia (22%), ou que as autoridades desvalorizaram a denúncia (10%)..A dor da cadela Luna e os polícias que tentaram ajudá-la.Para o número mais baixo de denúncias parece contribuir a mentalidade dos agentes, refere o estudo, que cita mesmo uma frase dita por um polícia a uma denunciante: "Menina, não tem nada que fazer? Cuide da sua vida." Mas há outras razões, como a falta de formação e sensibilidade para tratar estes casos como outro crime qualquer ou o sentimento de impotência dos próprios agentes que se debatem também com falta de meios, formação ou abrigos para colocar os animais - "não podiam fazer nada, o canil estava cheio" - e, ainda, até há poucos anos, a ausência de enquadramento legal..Dos que não denunciaram, as razões apontadas foram o sentimento de que nada seria feito (29%), a descrença na justiça (22%), mas também o medo de represálias (20%). Contribuem para estes números, de novo, a questão de mentalidades ("era um familiar"; "era uma criança"), a questão cultural ("nas aldeias é considerado normal ter o cão preso a uma corrente", a ausência de enquadramento legal até há bem pouco tempo ("não havia lei") ou, ainda a ausência de provas. Tendo o animal água, comida e um teto é difícil fazer prova de que é vítima de maus-tratos..Milu trata de 800 cães que só querem um lar.Susana Costa apela à formação de agentes e à sua sensibilização, para que os crimes contra animais sejam tratados da mesma forma que os outros - a investigação e recolha de prova, nomeadamente fotográfica, tem de ser feita imediatamente após a denúncia, senão o caso corre o risco de ser arquivado por ausência de provas..Este estudo tem como parceiros o Centro de Estudos Sociais (CES), da Universidade de Coimbra, o Centro Interdisciplinar em Ciências Sociais (CICS. Nova) e a Universidade Camilo José Cela (UCJC, Espanha).
Prevenir os maus-tratos contra os animais também pode prevenir a violência contra pessoas. Por isso, esse não deixa de ser um dos objetivos da investigação que analisa "A relação entre os maus-tratos aos animais e a relação Interpessoal". Porque são vários estudos que dizem que a violência contra animais pode ser uma sentinela da violência doméstica - em situações que possam estar a decorrer ou como alerta para casos futuros..Vera Duarte e Susana Costa, investigadoras e docentes do mestrado de Criminologia do Instituto Universitário da Maia (ISMAI), começaram por querer perceber quais os comportamentos face aos animais de companhia em tempo de confinamento, mas decidiram ir mais longe e alargaram a investigação à perceção que cada um tem sobre a relação das pessoas com os animais de companhia e da lei que criminaliza os maus-tratos aos bichos..E concluíram que 77% dos inquiridos consideram que quem maltrata um animal pode maltratar uma pessoa; 96% entendem que maltratar um animal é um ato de cobardia; 90% dizem sentir-se chocados com situações que envolvam maus-tratos e abandono de animais. E, ressalva Susana Costa, as perguntas foram feitas antes do incêndio em dois abrigos de Santo Tirso, em julho, que provocou a morte de 73 animais - o caso ganhou dimensão de comoção nacional, com críticas à atuação das autoridades e donos dos abrigos no resgate dos cães e gatos..O inquérito, realizado entre 11 de maio e 1 junho, a 2198 pessoas tem uma particularidade - 70% dos inquiridos são mulheres. Uma situação que, explica a investigadora, se repete na grande maioria dos estudos e que se justifica pelo facto de as mulheres estarem sempre mais disponíveis para responder, e, neste caso particular, serem também elas maioritariamente a assumir o papel de cuidadoras. "Os papéis de género estão aqui refletidos.".A questão das mulheres volta a ser referida na conversa quando Sandra Costa está explicar de que forma é que a constatação de maus-tratos a animais de companhia pode ser um aviso para a violência doméstica. "Os animais também são usados como forma de pressão sobre a vítima de violência doméstica. Muitas vezes elas não saem de casa porque não querem abandonar os seus animais de companhia. Muitas acabam por se ir deixando ficar", refere, alertando que o confinamento revelou o aumento deste flagelo social e que, a prolongar-se, pode também representar um risco acrescido para os animais..De facto, o estudo demonstra que os animais de estimação são vistos como um membro da família - 94% respondem nesse sentido, 92% dizem que merecem o mesmo respeito que as pessoas e, quando morrem, os donos fazem um luto semelhante ao de um familiar ou amigo (70%)..Esta evolução do lugar dos animais na vida dos humanos é considerada um aspeto positivo pelas investigadoras. Que se depararam com a coincidência entre o que é considerado maus-tratos graves e o que já é criminalizado - a lei n.º 69/2014, de 29 de agosto, pela primeira vez, veio criminalizar os maus-tratos a animais de companhia enquanto a lei n.º 8/2017, de 3 de março, veio estabelecer o estatuto jurídico dos animais, reconhecendo-os como seres vivos com sensibilidade, ao mesmo tempo que deixaram de ser considerados como coisas. O estudo revela que há uma maior sensibilidade e o que antes era desvalorizado, como deixar um animal ao sol ou à chuva, preso a uma corda, fechado dias inteiros em marquises, são agora considerados aspetos condenáveis..Citaçãocitacao"A hiper-humanização dos comportamentos dos animais de companhia podem pôr em causa o bem-estar do animal, uma vez que condicionam as características da espécie.".O abandono, criar dor física e criar sofrimento psicológico aos animais foram as três situações consideradas mais graves. Nas menos graves, aparece a humanização dos animais, a castração/esterilização e a supressão dos comportamentos de espécie. E este é, aliás, um aspeto que causa alguma preocupação. "Ao humanizarmos (de)mais o animal de companhia parece aceitar-se o aumento da supressão do comportamento da espécie (por exemplo, a forma como nos expressamos com os animais, o recurso a treino dos animais, infantários para cães, uso de cadeirinhas de passeio, uso de peças de vestuário, etc). Se estes comportamentos acarretam um lado muito positivo, refletindo maior empatia e sensibilidade, a hiper-humanização dos comportamentos dos animais de companhia podem pôr em causa o bem-estar do animal, uma vez que condicionam as características da espécie", escrevem Vera Duarte e Susana Costa..Numa altura em que os grupos de defesa dos animais e os políticos vão discutindo a licitude do uso de animais para fins de entretenimento, considerou-se importante medir o pulso aos inquiridos sobre este tema: mais de 80% responderam ser contra o uso de cães em corridas ou contra as touradas, 75% disseram que devia ser proibido os animais no circo..O caminho legislativo que foi feito em Portugal na defesa e na proteção dos animais está refletido nos resultados do estudo. Os dados revelam uma forte adesão à criminalização dos maus-tratos (98% concordam com a criminalização) e 97% têm conhecimento de que existe uma lei que criminaliza os maus-tratos aos animais. Para 78%, porém, a lei deveria ir mais longe, devendo ser alargada a todos os animais, e não apenas aos de companhia. "De entre as razões evocadas para a criminalização dos maus-tratos destaca-se o facto de serem seres sencientes, indefesos e dependentes das pessoas. Equiparam os maus-tratos ao animal à violência doméstica, considerando os maus-tratos aos animais como um ato de cobardia e de crueldade.".Na prática, as coisas já não são bem assim. Se, quando questionados sobre o que fariam se encontrassem um animal abandonado ou maltratado, 66% referem que contactariam uma associação, e, no caso de maus-tratos, 75% dizem que contactariam as autoridades, já no plano real, dos 24% que conhecem alguém que maltratou um animal e dos 17% que conhecem alguém que abandonou um animal, só 41% dizem ter denunciado - a principal razão da não denúncia está numa certa descrença na ação da justiça. .Dos que denunciaram, 33% consideraram a atuação policial positiva, tendo as autoridades averiguado a situação, diligenciado no sentido da retirada dos animais, avisado os agressores ou aplicado coimas; outros, porém, nutrem um sentimento de frustração por nada ter sido feito após a denúncia (22%), ou que as autoridades desvalorizaram a denúncia (10%)..A dor da cadela Luna e os polícias que tentaram ajudá-la.Para o número mais baixo de denúncias parece contribuir a mentalidade dos agentes, refere o estudo, que cita mesmo uma frase dita por um polícia a uma denunciante: "Menina, não tem nada que fazer? Cuide da sua vida." Mas há outras razões, como a falta de formação e sensibilidade para tratar estes casos como outro crime qualquer ou o sentimento de impotência dos próprios agentes que se debatem também com falta de meios, formação ou abrigos para colocar os animais - "não podiam fazer nada, o canil estava cheio" - e, ainda, até há poucos anos, a ausência de enquadramento legal..Dos que não denunciaram, as razões apontadas foram o sentimento de que nada seria feito (29%), a descrença na justiça (22%), mas também o medo de represálias (20%). Contribuem para estes números, de novo, a questão de mentalidades ("era um familiar"; "era uma criança"), a questão cultural ("nas aldeias é considerado normal ter o cão preso a uma corrente", a ausência de enquadramento legal até há bem pouco tempo ("não havia lei") ou, ainda a ausência de provas. Tendo o animal água, comida e um teto é difícil fazer prova de que é vítima de maus-tratos..Milu trata de 800 cães que só querem um lar.Susana Costa apela à formação de agentes e à sua sensibilização, para que os crimes contra animais sejam tratados da mesma forma que os outros - a investigação e recolha de prova, nomeadamente fotográfica, tem de ser feita imediatamente após a denúncia, senão o caso corre o risco de ser arquivado por ausência de provas..Este estudo tem como parceiros o Centro de Estudos Sociais (CES), da Universidade de Coimbra, o Centro Interdisciplinar em Ciências Sociais (CICS. Nova) e a Universidade Camilo José Cela (UCJC, Espanha).