Ponham os olhos no PCP e no BE
Depois de atribuir culpas da guerra a uma "perigosa estratégia de tensão e propaganda belicista promovida pelos EUA, pela NATO e pela União Europeia", o PCP votou ontem contra a resolução do Parlamento Europeu de condenar a Rússia pela invasão à Ucrânia, um passo que daria "força à escalada" que "procura impor uma visão unilateral" e "dá cobertura ao colossal processo de aumento de despesas militares, ao reforço e alargamento da NATO e à militarização da UE". O Bloco de Esquerda votou a favor. O voto do PCP surpreendeu alguém?
As juventudes partidárias do PS e do PSD organizaram uma manifestação de apoio à Ucrânia no domingo. Convidaram todos os restantes partidos, PCP e BE incluídos, mas deixaram de fora o Chega, o terceiro partido mais votado nas últimas legislativas - os seguidores de André Ventura, tão solidários com o sofrimento do povo ucraniano quanto os que se juntaram em frente à Embaixada da Federação Russa, rumaram à Embaixada da Ucrânia para ali demonstrar o seu apoio a Kiev.
Já o PCP rejeitou participar em protestos contra a invasão russa, em perfeita coerência com a recusa em condenar sem adversativas a ação de Moscovo (o BE não subscreveu o texto da convocatória, mas esteve presente na manifestação). E a razão é tão simples quanto inacreditável, como se tem visto pelos comentários de líderes, deputados e outras figuras proeminentes do PCP: a aparente desculpabilização do impulso russo.
A culpa é do imperialismo americano e das forças da NATO, dizem. A invasão da Ucrânia pelos russos não é pior do que a entrada dos Estados Unidos no Iraque ou na Líbia (bastiões da liberdade, da igualdade e da democracia, como sabemos...), reclamam. Os vistos gold que andámos a dar a oligarcas, isso é que importa combater e já agora que se identifique quem os recebeu, quem são os agentes do grande capital, para podermos apedrejá-los a todos. Se não mais, serão pelo menos culpados de serem ricos.
Desfoque? Pois, é o que sempre faz a extrema-esquerda quando o assunto lhe queima os dedos. Mas é mais do que uma tentativa de distração. É pura convicção. E ainda que a condenação do BE a Putin seja clara e sem reservas, há ideologia de base que é comum.
Comunistas e bloquistas acreditam que em Portugal não devia haver iniciativa e propriedade privada, que toda a riqueza do país devia ser detida e distribuída por quem PCP e BE decidissem. Defendem que a NATO, à qual os ucranianos querem tanto aderir, é uma organização criminosa e cuja intervenção apenas faz escalar conflitos. Consideram que a União Europeia e a moeda única, de que Kiev quer desesperadamente fazer parte, é uma aberração da qual urge desligar Portugal. São ideias fundamentais da ideologia do PCP e do BE.
O episódio da manifestação pró-Kiev dispensa legendas. E é bem demonstrativo também da inexplicável tolerância que o país alimenta em relação aos absurdos da extrema-esquerda, aceitando até afinar pelo diapasão desta no que respeita à atitude que toma em relação a toda a direita, extremista ou não. Por cá, aceita-se com maciez, amplifica-se até, o discurso de partidos que defendem o espartilhar de liberdades, enquanto se condena ao ostracismo outras ideias igualmente radicais, apenas pela origem da ideologia.
Não há argumentos laterais que colham ou possam minimizar atos indesculpáveis. Não há atenuantes para quem vive de atirar lama à ventoinha para sujar todos à sua volta e se fazer passar por ímpio enquanto procura argumentos para suavizar os motivos de quem trouxe a guerra à Europa.
Que se entenda de uma vez o que são e o que defende a extrema-esquerda.
Este editorial foi alterado de forma a corrigir erros que escrevi por falta da devida informação na sua primeira versão. Com efeito, o Bloco de Esquerda votou favoravelmente no Parlamento Europeu (não se absteve, conforme aqui se afirmava) e participou ativamente na manifestação pró-Ucrânia, tendo condenado claramente a invasão de Putin. Pelo meu erro, peço desculpa ao BE e aos leitores, esperando com esta versão repor a verdade.